Mal encerramos os ritos finais da celebração Eucarística, um séquito de mulheres dispara para suas malocas num burburinho de palavras em sua língua materna. Na capela, ficam apenas o padre, o capitão e alguns homens; com o tempo, somente os dois primeiros. Ao cruzar a porta do templo, até onde a vista atinge, não vejo nenhuma daquelas mulheres. Com os olhos, inquiro o capitão que responde laconicamente: foram preparar a refeição.
Decorrido algum tempo, numa liturgia singular, percebe-se que as mulheres vão saindo de suas casas, uma por vez, como que orquestradas, formando uma fila, tendo à cabeça uma panela e outra na mão. Nesta havia Quinhapira, Mugeca ou Japurá; na outra, quela xibé, maçoca ou caribe. Religiosamente, elas são dispostas sobre a mesa, uma ao lado da outra, na casa comunitária, antiga maloca. Ao final, a exclamação, em Tukano: Tea Banar Paií! Tradução: “vamos comer, Padre!”
Após a oração, seguimos um novo cerimonial culturalmente estabelecido. Os primeiros a comer, são os homens. Dentre os homens, aqueles que aos olhos da comunidade gozam de elevada respeitabilidade: padre, capitão, catequista. Depois destes, os demais. Após todos os homens, as mulheres e as crianças. Antes de aventarmos essa possibilidade, deve-se dizer que não se trata de uma discriminação, mas de uma tradição indígena em que, sem deixar as mulheres sem comida, serve-se àqueles a quem se devota maior estima, maior apreço e consideração. Uma delicadeza!
Nessa refeição, vivências singulares do cristianismo primitivo são aprendidas. A partilha é fato ordinário, corriqueiro. Um valor indelével que marca cada um deles. À hora das refeições, todos se dispõem a oferecer o pouco que têm, comida para ser compartilhada. A convivência é intensificada. Todos são chamados a partilhar o mesmo espaço, trocar experiências, fatos e reminiscências de sua própria história. A fraternidade é acentuada. Sentar-se junto à mesa, como amigos e parentes, para saciar-se com o beiju e o xibé, frutos da terra e do trabalho humano e que, a cada ceia comunitária, se tornam motivo de redenção, salvação, confraria, congregação.
Impressionado diante dessa cena que consigo contemplar com os olhos da fé e do coração, bendigo a Deus. Reconheço, assim, quão evangélica é a conduta dos povos indígenas e ressignifico palavras como partilha, doação, convivência e fraternidade. Bendito seja Deus!
Pe. Reuberson Ferreira, mSC, trabalha no Alto Rio Negro, Diocese de S. Gabriel da Cachoeira (AM).