O encantamento faz a teologia. Se o macrocosmo não nos encanta, tampouco a ideia de um Criador mexerá conosco. Se é admirável o que já se vê, mais impressionante deve ser o que não vemos e ainda mais admirável quem fez tudo isso. Se o microcosmo não nos impressiona, tampouco a ideia de um Criador detalhista que sabe de cada fio de cabelo nosso também nos impressionará.
A criança é encantadora e encantada. Tudo o que é maior do que ela, parece muito grande e arranca um “Uau! Puxa! Olha mãe!” Tudo o que é menor, toma seu tempo. Ela vê a formiguinha, o grilo, o ratinho, esquilo que lhe são menores com a admiração de quem vê vida abaixo dela. No dizer de grandes teólogos, entre eles Bento XVI, precisamos redescobrir a teologia da pequenez, ou seja, a teologia do encantamento do pequeno rebanho. (Sal da Terra, Editora Imago).
Crianças tímidas ou arruaceiras acabam se enturmando para ver os peixinhos na praia. Não há para elas a teologia da eleição. Há a teologia da admiração. Muitos peixes e todos juntos. Seu peixe especial nem sempre é o maior. Às vezes é o mais indefeso.
Quando Jesus fala dessa pequenez e diz aos discípulos que tornar-se pequeno é condição para entrar no Reino de Deus, quando deixa claro que não devem disputar os primeiros lugares; que devem servir de bacia e de toalha; que devem aprender a encantar-se e a apequenar-se a ponto de se declararem servos inúteis; que não merecem elogios por terem cumprido o dever, quando repreende os discípulos em disputa por um lugar de honra e, quando põe uma criança entre eles e a aponta como símbolo desta confiança no futuro, sem querer saber quem será o dono dele; na verdade está canonizando não a infantilidade, mas a simplicidade. Saber ser pequeno é coisa de adulto sério.
Tem feito falta esta teologia numa sociedade em que o individualismo invadiu todos os setores da vida. Tem faltado na mídia onde os números, as tabelas de audiência, os ratings e o ibope criam ídolos da noite para o dia e os sepultam com igual açodamento. Tem faltado na religião que também cria semideuses da fé. Deus me mandou dizer-lhes isto! Somos os novos escolhidos. Os outros falharam. Deus tem um recado especial para “você”: ele mandou dizer que “te” ama… Pregações e bilhetinhos desse tipo mostram a falta de uma teologia da pequenez. Onde se abusa das palavras “ especial, mais, maior e melhor”, onde o ibope e o marketing imperam, quase sempre a humildade e a simplicidade vão embora.
Certo estava Bento XVI que, perguntado por Peter Seewald sobre a essência do cristianismo, disse que a estatística não é uma das medidas de Deus! Trata-se de mostrar ao ser humano que ele é amado como indivíduo, mas no seio de da comunidade humana. Mesmo em multidão não somos uma Igreja massificada, mas grão de mostarda que descobre em pequenos grupos, aparentemente sem impacto, as grandes repostas da vida. O difícil é aceitar que somos um entre bilhões, sem ser apenas um a mais e sem nos acharmos mais do que os outros…
Pe. Zezinho, SCJ é músico e escritor. Tem aproximadamente 85 livros publicados e mais de 115 álbuns musicais.
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