À luz da ressurreição, finados transfigura-se. Perde as cores escuras e tristes. Substitui os cravos amarelos da apatia diante da morte inexorável pelas rosas brancas e vermelhas da fé e da coragem.
Todas as palavras das ciências calam-se diante da morte. A medicina luta até o último instante de vida do paciente. Quando os sinais vitais se apagam, ela amarga a derrota. E definitiva. Retira-se do cenário. Nesse momento entra a religião. O espiritismo devolve à medicina a palavra, ao acreditar na reencarnação. O morto voltará à mortalidade. E de novo cai sob a jurisdição das ciências e do poder humano. A tradição bíblico-cristã, por sua vez, fecha definitivamente a história humana com a morte. Faz dela momento irreversível. Não há retorno. Terminaram todas as possibilidades do ser humano. Está entregue única e absolutamente à misericórdia poderosa de Deus.
A experiência diária retrata-nos um Deus fraco. O salmista sofre, quando vê o ímpio prosperar e o justo sofrer. Volta-se para Deus e não recebe resposta. Ela é adiada. Jesus mesmo experimentou essa mesma fraqueza de Deus. No horto pede a Deus que lhe afaste o cálice do sofrimento. Mas os homens não renunciaram os planos iníquos e Jesus finda a vida no tormento maior da cruz.
Finados parece ser a celebração do fracasso de Deus. Lá no cemitério estão os inapelavelmente vencidos pela morte, não importam a riqueza que tinham, a santidade com que viveram, o grau hierárquico que ostentaram em vida. Ali na terrível igualdade da decomposição estão todos derrotados.
Finados é o dia do mais estrondoso fracasso. Os vencidos da história podem amanhã ser vitoriosos. E os fatos nos mostraram tantas vezes tal filme. Que o diga o nosso atual presidente!
A derrota de finados não tem vitória possível. Tudo isso seria verdade, se Jesus não tivesse ressuscitado, se Deus não tivesse poder sobre a morte. É na fé da vitória de Deus sobre a morte que se resolve o enigma do sofrimento no mundo, do absurdo da morte.
À luz da ressurreição, finados transfigura-se. Perde as cores escuras e tristes. Substitui os cravos amarelos da apatia diante da morte inexorável pelas rosas brancas e vermelhas da fé e da coragem. A escuridão do silêncio tenebroso do cemitério ilumina-se com a luz fulgurante de Páscoa. Os rostos tristes e chorosos sorriem, ao ouvir a palavra: “quem crê, ainda que esteja morto, viverá”.
No cemitério – termo grego que na etimologia fala de sono, de lugar para dormir -, transforma-se num jardim alegre de crianças. Os cantos das vozes angélicas anunciam aos fiéis, que lá foram visitar os mortos, aquilo mesmo que disseram às mulheres chorosas junto ao túmulo de Jesus: “Por que procurais o vivo entre os mortos? Ele não está aqui, mas ressuscitou” (Lc 24,5s). Na fé, ouvimos no cemitério frases semelhantes. “Por que estais aqui a chorar sobre o túmulo de vosso ser querido? Ele não está aqui. Vive na luz imarcescível de Deus”.
Já é outro finados que celebramos. É o finados da esperança. Para os que não crêem, Finados é só tristeza, saudade, cepticismo ou mesmo cinismo existencial. Enfim, tudo vai dar no nada. Para a fé, Finados é um grande sacramento. É uma palavra de passado. Recorda-nos a vida de nosso morto. O que ele foi, aquilo que ele nos deixou, o amor com que nos amou e com que o amamos. O passado roda o filme da recordação. É uma palavra de presente. Ele aponta para a vida. Já não mais no túmulo, mas junto a nós em Deus com uma vida já não ligada ao tempo e ao espaço. Relação pan-cósmica, pan-crônica. E enfim, é uma palavra de futuro: eles nos esperam para uma vida de luz e plenitude, “para que Deus seja tudo em todos” (1 Cor 15, 28).
Pe. João Batista Libânio é teólogo jesuíta