Revista de Nossa Senhora
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O ódio sagrado

Publicado em 2 de janeiro de 2014 / Reportagens >

778488_16970647Nestes dias de violência generalizada, crime organizado e batalhas campais, invoca-se a deusa Justiça para clamar pela adoção da pena de morte. No fundo, pulsa a mesma intenção: para acabar com o pecado, acaba-se com o pecador.

Todos conhecem o episódio bíblico em que o profeta Elias, movido por um impulso de ódio, usou da espada para “limpar” o antigo Israel da idolatria. Foram sumariamente “eliminados” 450 profetas de Baal, o ídolo da fertilidade cultuado pelos moabitas (cf. 1Rs 18,40).

É digno de espanto que o gesto de Elias tenha sido aplaudido ao longo dos séculos e admirado como um comportamento “religioso” na defesa dos interesses do verdadeiro Deus. O mesmo Deus que afirma peremptoriamente: “Não quero a morte do pecador, mas que se converta e viva”. (Ez 33,1.)

Como é fácil mascarar sentimentos mais ou menos inconfessáveis em ação religiosa! Intolerância, ódio, vingança, ultranacionalismo e ambições comerciais são alguns desses monstros que se disfarçam de culto a Deus. Invocamos o santo Nome de Deus para agredir o vizinho ameaçador, rapinar a nação rica em recursos naturais, anexar territórios ou, simplesmente, afastar os “diferentes”.

Atualmente, grupos muçulmanos adotam a tática da agressão sistemática contra minorias não islâmicas. Um Islã politizado usa (abusivamente) do Alcorão para impor a Sharia e tornar impossível a presença de outras religiões. A Turquia atual é o palco do conflito entre tais grupos e o exército nacional pró-Ocidente.

Em solo brasileiro, nestes dias de violência generalizada, crime organizado e batalhas campais, invoca-se a deusa Justiça para clamar pela adoção da pena de morte. No fundo, pulsa a mesma intenção: para acabar com o pecado, acaba-se com o pecador. Com este objetivo, apelaríamos para a forca, a cadeira elétrica, a injeção letal. Ouço os aplausos de Hitler, Stalin e Pol Pot…

Esta legião de justiceiros sente-se no direito de matar aquele que mata, sem levar em conta que condenar à morte um criminoso significa cristalizá-lo no seu crime, roubando-lhe um tempo futuro quando, ao menos em potencial, teria a oportunidade de reflexão, arrependimento, reparação e conversão. Exatamente aquela oportunidade que Deus oferece a todos nós, os pecadores.

Não é preciso lembrar que o direito de matar – e eliminar adversários e opositores – sempre foi invocado pelos tiranos de todos os quadrantes e de todas as revoluções. Já devíamos ter aprendido com a História. Já conhecemos o que ocorre no “paredón”, nos “gulags”, nos campos de concentração, na Base de Guantánamo. Já estamos informados sobre os projetos de “limpeza étnica” e de imposição do partido único. Em todos estes exemplos, a dignidade do homem foi negada e sufocada em nome de outros interesses.

Quem deseja a pena de morte parece pensar que o Bem e o Mal são polos de igual valor e poder. Não imagina que o Bem possa abraçar, englobar e fagocitar o Mal, como Luther King dando a vida pelos direitos de seu povo, como Gandhi imolado pela Paz, como Cristo que morre com esta oração nos lábios: “Pai, perdoai-os, porque não sabem o que fazem!” É assim que o Bem vence o Mal…

O cristão pensa diferente dos amantes da morte. Ele “sabe” que a dignidade do homem deriva de sua criação “à imagem e semelhança” do Criador (cf. Gn 1-2). O cristão sabe que o crime não despoja o criminoso de sua dignidade original. E se tratamos o criminoso como coisa, fera ou monstro, é a própria imagem de Deus (ainda que deformada!) que estamos deixando de respeitar.

Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.