Depois de mostrar como a comunidade deve ser fortalecida, João ajuda a comunidade a entender a crucifixão de Cristo. Quando falamos da morte de Jesus, não estamos procurando culpados. Não podemos nos colocar no lugar de quem julga e condena os seus adversários. No entanto, percebemos que Jesus sempre que necessário, criticou severamente os erros da sociedade, principalmente das lideranças. Fez isto por amor ao seu povo e por sua fé. O povo judeu que o conheceu, em sua grande maioria, sentia-se entusiasmado com suas palavras e ações, mas não se comprometia com sua causa. Era um povo desorganizado, sem voz, sem vez e sem acesso à informação.
As lideranças do judaísmo eram sensíveis ao que podia ameaçar a identidade judaica. Muitos desses líderes sentiam-se incomodados e ressentidos com Jesus e sua postura.
As autoridades romanas ocupavam a Judéia política e militarmente, pois eram encarregadas da segurança do Império. Elas reprimiam tudo o que pudesse ser risco para a ordem pública. Geralmente não entendiam as discussões e brigas dos judeus.
A prisão (18,1-11) e o processo religioso de Jesus (18,12 a 19,16) mostram a preocupação de Anás, sogro do sumo sacerdote Caifás, com relação aos discípulos, o futuro do movimento (18,19) e dos ensinamentos de Jesus, que poderiam dividir o judaísmo.
O processo político, que interessa mais ao evangelista, é uma forma de afirmar diante da potência que dominava tudo, a diferença entre o Império Romano e o Reinado de Deus. No centro da narrativa da paixão se encontra a realeza de Jesus: ele é coroado de espinhos, vestem-lhe um manto vermelho, zombam dele dizendo “Salve, rei dos judeus” e há uma solene apresentação para o povo: “Eis o homem”.
Pilatos admite duas vezes esta realeza e escreve, em tom de zombaria sobre a cruz, o letreiro em três línguas. Quer dizer: Jesus é condenado por ser rei. Para o povo judeu as palavras Messias (palavra em hebraico) e Cristo (em grego), cuja tradução é “Ungido”, fazem referência ao rei. Uns esperavam um chefe político e militar ou um sumo sacerdote-rei que devolveria ao povo sua liberdade e independência. Para Pilatos dizer que “Jesus é rei” é admitir um rival para o Imperador. E para Jesus? Para Jesus o papel do messias era outro: em nome de seu Pai promover uma convivência humana, digna e justa, sem excluídos ou oprimidos, estando a serviço da defesa da vida. Jesus não usou o título Messias/Cristo por prestar-se a mal-entendidos. Somente a Igreja nascente, à luz de sua ressurreição e glorificação, passou a chamá-lo com este adjetivo.
Numa sociedade teocrática, em que o poder era exercido em nome da religião, a postura de Jesus mexeu com todas as estruturas, tornando-se um perigo para os líderes judeus e para os romanos.
Em sua crucifixão (19,28-30) todos o abandonam. Só um pequeno grupo permanece ao pé da cruz. Para João, a crucifixão é a “Hora” de Jesus e sua glorificação, ou seja, manifestação do seu amor. De pé permanece sua mãe, símbolo da Igreja, e o discípulo amado, modelo de todo aquele que quer seguir o Senhor. Na cruz, Jesus nos entrega o Espírito Santo. Para João a crucifixão é a morte de Jesus, sua glorificação (ressurreição) e ao mesmo tempo Pentecostes (19, 30). Depois de morto (19,31-42), o golpe da lança faz brotar do seu lado sangue e água, os sacramentos fundamentais da Igreja: batismo e eucaristia (v.34).
Pe. Paulo Roberto Gomes, MSC é teólogo e pároco da Comunidade São Gonçalo, em São Gonçalo, RJ.