Revista de Nossa Senhora
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O culto na época do Novo Testamento

Publicado em 1 de agosto de 2012 / Reportagens >

Entende-se por época do Novo Testamento o período que transcorreu entre a morte de Cristo e a morte do último apóstolo, época também chamada era apostólica. Ainda sob o impacto da ligação direta com um apóstolo vivente, a comunidade cristã desse período tinha no culto o seu modelo de identificação. O evento Cristo, assumido por Jesus de Nazaré, foi uma explosão querigmática marcada pelo anúncio do Evangelho da salvação e de curas que indicavam a presença de Deus libertando seu povo e introduzindo o homem na situação metafísica do amor (Agape). Não era um movimento sistemático, mas querigmático. Isso marcou, de certa forma, a estrutura e a liturgia da comunidade apostólica, que foi pouco a pouco definindo o que era de natureza cristã e de natureza judaica. Porém, o culto da era apostólica pode ser definido de forma clara.

Em primeiro lugar, era um culto de profundas raízes judaicas, tanto bíblicas como extra-bíblicas, culto marcado pela história e pela memória. Deus tem presença ativa na história e estabelece com seu povo uma aliança, fundada na recordação do Êxodo. Dessa forma, Israel consegue superar a dimensão naturalista do culto, dando-lhe um significado histórico e construindo o memorial, cuja organização interna segue a tríplice dimensão do tempo: evoca o passado para celebrar o presente e fortalecer a esperança no futuro em torno do “Êxodo definitivo”. Assim o culto de Israel contém um movimento de esperança e uma tensão escatológica voltada para o futuro. A segunda característica do culto na era apostólica é sua originalidade, fundada na distinção da liturgia judaica à medida em que o cristianismo se diferencia do judaísmo. Surge entre os cristãos uma estranha anticultualidade que recusa os paradigmas judaicos e pagãos, evitando termos técnicos como templo, sacerdote, altar e sacrifício.

Na verdade, esse comportamento representa as atitudes de Jesus diante do culto. Embora fosse um homem de oração e de participação no culto de Israel, Jesus também transgride, em favor da salvação, leis cultuais rigorosas, como a lei do sábado e da pureza ritual, além de tornar relativo o significado do Templo. Esse último elemento torna-se credencial para sua pena de morte e motivo de zombaria ao Condenado que morria na cruz (Mc 13,29). O culto que Jesus propôs é um culto em espírito e verdade (Jo 4,20).

Baseados nisso, os cristãos da primeira hora lançam-se com entusiasmo dando um caráter extático à experiência de fé e proclamando com ousadia que Jesus Cristo é o Senhor. Assim dão a fundamentação do novo culto: o agape de Deus revelado em Jesus Cristo, morto e ressuscitado para sempre.

Uma nova categoria de culto surge no horizonte do cristianismo primitivo: o culto de uma vida vivida no Senhor. Ela é pautada pelas ações e pelos dons do Espírito Santo. Não se trata de um culto ritual, mas de um culto espiritual que representa a vida do dia a dia, vivida na koinonia (serviço) do Espírito Santo. É um conceito paulino de relevância e só pode representar a vida vivida no amor. Porém, esse culto só se mantém cm conexão com o culto ritual da liturgia. Assim, o papel da assembleia litúrgica ganha força no cristianismo da era apostólica e o termo ekklesía torna-se técnico para definir a comunidade cristã. É a partir da liturgia que a comunidade cristã ganha o nome de Igreja.

Além da Eucaristia, agora os cristãos assumem o batismo como rito que gera um novo cristão. Evangelização, fé e conversão constituem o trinômio que garante o batismo (cf. At 2,41; 8,12; 18,18). Por meio dele o cristão é implantado na situação metafísica do amor e integrado na Igreja de Cristo, que tem como fundamento o ensino dos apóstolos, a comunhão fraterna, a fração do pão e as orações (At 2,42).

No primeiro momento, os cristãos afastam-se um pouco da Torá judaica para viver o ensino de Jesus (didaché) transmitido pelos apóstolos. Na Liturgia da Palavra seguem o modelo sinagogal. A seguir realizam a koinonia (comunhão fraterna), seja na refeição comum ou na ajuda aos necessitados da comunidade. Em seguida, realizam a fração do pão (eucaristia), que é a ceia do Senhor descrita em 1Cor 11,20.

Reúnem-se em casas particulares no primeiro dia da semana, num estilo bastante simples e doméstico. Experimentavam fortemente o caráter extático da liturgia, pelo qual clamavam maranathá: Vem, Senhor Jesus (Ap 22,20; 1Cor 16,22). As orações representam, sobretudo, o sagrado costume hebraico de cantar os salmos nas horas canônicas. Provavelmente, era uma prática que os cristãos faziam juntamente com os judeus, embora, para os convertidos a Cristo, cada verso tivesse um sabor cristológico.

Fr. Michel dos Santos, MSC é Seminarista Religioso e cursa o 4º. Ano de Teologia na PUC/SP

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