Revista de Nossa Senhora
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“O essencial é invisível aos olhos”

Publicado em 1 de janeiro de 2011 / Edições > Janeiro - 2011 >

A frágil rosa amarela parece falar-nos de uma realidade que é muito nossa, está em cada um de nós, mas que parece estar soterrada por uma avalanche de coisas e trabalhos que nos consomem dia após dia.

Texto: Pe. Lucemir Alves Ribeiro, mSC

Gratuidade! Essa parece ser a palavra que melhor encontro para tentar definir algo simples, quase estranho, mas cheio de uma beleza misteriosa que salta aos olhos de quem ousa perder tempo para contemplar pela manhazinha, o desabrochar de um pequeno botão de rosa amarela ainda salpicado do orvalho do dia que está iniciando. O movimento de “desabrochar” que parece ter sua origem dentro mesmo do pequeno botão, vai aos poucos, bem devagar, tomando conta de todas as suas pétalas, ainda escondidas e protegidas uma sobre a outra. A impressão que se tem, é que este movimento que aos poucos vai dando forma a uma jovem rosa, faz com que ela se entregue toda, com tudo aquilo que nela havia sido guardado, gestado, deste o momento em que um pequenino broto tomou forma e foi crescendo. Já não há mais nada escondido. As folhas amarelas, com pequenas diferenças de tonalidade de cor nas pétalas, estão abertas, generosas, doadas, exalando beleza e perfume simplesmente porque foram criadas para isso, sem esperar nada em troca! Gratuitamente!

Estranha lógica, poderíamos pensar. Como ela pôde expor tudo o que tinha, num espetáculo único, sem mesmo querer ter uma pequena plateia para admirar sua beleza? Como pôde não se importar com elogios, mais do que merecidos? E o pior: que utilidade tem tudo isso, se dentro de poucos dias, não haverá mais rosa nenhuma, e talvez nem mesmo a lembrança de que ela existiu?

A frágil rosa amarela parece falar-nos de uma realidade que é muito nossa, está em cada um de nós, mas que parece estar soterrada por uma avalanche de coisas e trabalhos que nos consomem dia após dia. Ela é admirada por nós no seu oferecer tudo o que é, porque nos fala da singeleza da gratuidade. Uma das características mais indeléveis do amor: dar sem esperar nada em troca. Doar-se porque se ama. Perder tempo, porque isso torna o outro mais feliz. Estender as mãos porque elas foram feitas especialmente para isso: ir de encontro com o outro, doando-se. Em meio a tantos interesses escusos, a uma busca sempre desconfiada de terceiras intenções nos relacionamentos, a um frenesi utilitarista que somente vê lucro, interesses de poder e status, somos convidados a contemplar rosas! Estranho, não?… Mas é isso mesmo. Aprender com as coisas simples. Ter gosto e prazer em reaprender a amar em gestos pequenos, descomplicados, como um sorriso, o preparo de uma mesa, o dar lugar de assento a outra pessoa, o escutar com atenção quem nos dirige a palavra, o desejo consciente de diminuir o ritmo acelerado da fala e das atividades. Quanta coisa teríamos.

Alguém já nos ensinou tudo isso com maestria. Alguém já perdeu tempo em ir de encontro de pessoas que aparentemente não tinham nenhum valor. Perdeu tempo contando estórias de pardais e lírios dos campos, de ovelhas e semeadores, de vinhas e moedas perdidas. Alguém nos ensinou que amar é assim mesmo, se aprende na vida, amando e amando de novo, recomeçando todo dia… gratuitamente. Jesus de Nazaré viveu e morreu assim. E continua vivo entre nós, se de novo vivemos essa realidade, cultivamos esse sonho, essa aventura de continuar a plantar sementes que transformem o mundo num jardim, num constante Éden, de preferência com muitas rosas amarelas para serem vistas e admiradas. Continuar este sonho depende de nós, que dizemos segui-lo. Que seu Espírito continue a suscitar em nós a ousadia de “perder tempo” com o que de fato importa, com o que pode nos ajudar a sermos pessoas mais livres no amor, simples e desapegadas, descomplicadas e próximas, confiantes e capazes de se oferecerem com gratidão e gratuidade.

Pe.Lucemir Alves Ribeiro, mSC é Diretor da Casa de Filosofia, em Campinas, SP.

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