Revista de Nossa Senhora
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Você acessou a Edição Abril – 2011

Caros Leitores,

Aqui está nossa revista de abril, mês em que vivenciamos boa parte da Quaresma e celebramos a Semana Santa, com o Tríduo Pascal, coroado pela festa da ressurreição do Senhor. Vocês encontrarão de novo mais esclarecimentos sobre a devoção a Nossa Senhora do Sagrado Coração, agora  na pena do Padre José Roberto Bertasi, expert no tema, sobre o qual ele já tantas vezes discorreu nas páginas de nossa revista.

Na coluna do teólogo  Padre Paulo Roberto, mais catequese sobre a  Virgem Maria, lembrando-nos que, mais relevante do que ter sido mãe biológica de Jesus,  é a primazia do discipulado, ela que foi a imitadora fiel de seu filho. Ainda enfocando a Virgem, o seminarista Michel escreve sobre o caminhar peregrinante daqueles que  “põem o pé na estrada” rumo à casa do Senhor.

Há pouco, sagrado bispo da santa Igreja, nomeado Auxiliar da Arquidiocese de Porto Alegre, RS, Padre Agenor, agora Dom Agenor Girardi, nos brinda com ensinamentos sempre oportunos sobre espiritualidade. Fala-nos da necessidade da oração, da experiência de encontro com nosso interior, experiência de algo novo, mesmo que Deus saiba tudo o que somos, tudo aquilo  de que necessitamos. E esperamos que, apesar de suas novas responsabilidades como pastor da Igreja, Dom Agenor não nos prive de suas lições de Padre Antônio Carlos Meira, nosso bravo missionário do litoral equatoriano, fala da vida sofrida daquela gente pobre, uma postura feita não de conformismo acomodado, mas calcada na esperança de que a sua luta vai Padre Cortez continua suas reflexões sobre o Coração de Jesus, enquanto o Padre Zezinho aponta para o problema do alcoolismo e suas soluções.

Caros leitores, vocês terão ainda as páginas das festas litúrgicas, bem como a página missionária do Padre Reuberson, contando-nos suas incursões pelas regiões ribeirinhhas do Açaí.

Uma boa leitura e valemo-nos do ensejo para desejar a todos os leitores uma  santa e abençoada Páscoa no Senhor.

A Redação

Origem e significado da devoção

A primeira imagem, conhecida, apresentava o Menino Jesus, ainda menino aos pés de sua Mãe”

Texto: Pe. José Roberto Bertasi, mSC

Os primeiros Missionários do Sagrado Coração ficaram entusiasmados com a espantosa expansão da devoção, e sentiram a necessidade de explicar o significado real da invocação: “Nossa Senhora do Sagrado Coração, rogai por nós”. O Pe. Piperon, em sua humildade habitual, diz: “Um de nós foi encarregado dessa tarefa”. Daí, pode-se concluir que ele é o autor das primeiras páginas dedicadas a Nossa Senhora do Sagrado Coração.

O Pe. Piperon gostava de falar do acontecimento que o levara a publicar esse primeiro documento: sua visita ao Pe. Ramière, o conhecido diretor do Apostolado da Oração e do “Mensageiro do Coração de Jesus”. Quando o Pe. Piperon falou com ele sobre a devoção a Nossa Senhora do Sagrado Coração e ofereceu-lhe a estampa de propaganda devocional, o Pe. Ramière perguntou-lhe:

- “Há algum escrito impresso sobre a devoção a Nossa Senhora do Sagrado Coração?

- Até o momento, nada foi impresso sobre o assunto, foi a resposta do Pe. Piperon.

Abrindo a pasta, o visitante retirou dela um modesto manuscrito que o Pe. Ramière examinou com atenção, e disse:

- “Dê-me essas páginas, a fim de publicá-las no Mensageiro. Serão lidas com muito interesse”.

- É impossível, respondeu-lhe o Pe. Piperon. Lamento, muito, mas não são minhas. Transmitirei seu desejo ao meu Superior. Ele mesmo dar-lhe-á a resposta.

Então, o Pe. Chevalier entendeu que não devia deixar a outros o cuidado dessa publicação. Imediatamente, compõe um opúsculo, ao qual chama : “Nossa Senhora do Sagrado Coração, escrito pelo Rev. Padre Chevalier, missionário apostólico do Sagrado Coração”. Esta foi sua primeira obra.

Ele a publicou, em novembro de 1862, com a aprovação do Arcebispo de Bourges, Dom de La Tour d´Auvergne” (Pe. Piperon).
O “modesto manuscrito” do Pe. Piperon tornou-se, assim, a brochura do Pe. Chevalier. Nós não sabemos se há grandes diferenças entre ambos, mas é preciso destacar a influência do Pe. Piperon no tocante à primeira publicação. Essa brochura foi enviada aos bispos da França e dos países vizinhos. Mais de quarenta bispos apoiaram a publicação. O Arcebispo de Bourges dá-lhe seu beneplácito, no ano de 1862. Em 1863, chegaram aprovações de outros bispos, publicadas pelo Pe. Chevalier nas edições posteriores. Essas publicações datam do ano 1863.

Um exemplar foi, também, enviado ao Pe. Ramière que o publicou no “O Mensageiro do Coração de Jesus”, em maio de 1863. É a primeira publicação sobre Nossa Senhora do Sagrado Coração, redigida por aquele cuja intuição espiritual pôs em destaque esse aspecto da glória de Nossa Senhora. Com efeito, de um pequeno artigo, de uma pequena planta, surgiu uma grande árvore. Além desse escrito, o Pe. Chevalier escreveu muitas outras obras importantes.

Coroação papal

A imagem foi solenemente coroada, em nome do Santo Padre, o Papa Pio IX, no dia 8 de setembro de 1869. Vinte mil peregrinos estavam, em Issoudun, a fim de participar da festa. Contavam-se entre os participantes 30 bispos e cerca de setecentos sacerdotes. A devoção a Nossa Senhora do Sagrado Coração havia se estendido rapidamente.

Mas… Deus escreve certo por linhas tortas. Pessoas desejosas de apropriar-se da nascente devoção, apresentaram à Santa Sé um novo modelo de imagem, pedindo que fosse o único válido. A fim de conseguirem seu intento, apresentaram como perigosa para a devoção popular a imagem de Issoudun. O perigo consistia em que a imagem de Maria, já aprovada pelo Papa, parecia insinuar um domínio absoluto de Maria sobre o Filho. A primeira imagem, conhecida, apresentava o Menino Jesus, ainda menino aos pés de sua Mãe. Esta crítica infundada colocava em perigo a nascente devoção e mesmo a existência da Arquiconfraria, criada em honra de Nossa Senhora.

O Pe. Chevalier não perdeu tempo. Enviou, imediatamente, uma reprodução fiel do modelo original a Roma, acompanhada de uma carta do Arcebispo de Bourges e fazia a pergunta: “Como poderia estar em questão uma imagem que havia sido coroada em nome do Santo Padre e, há anos, era venerada por milhares de peregrinos?”

É importante tecer algumas considerações sobre o Pe. Piperon, nome que inúmeras vezes aparece neste artigo dos Anais.

O Pe. Carlos Piperon foi companheiro de estudos do Pe. Chevalier, no Seminário Maior de Bourges. Foi o co-fundador da Congregação dos Missionários do Sagrado Coração. Foi Assistente Geral, de 1869 a 1905. Amigo íntimo e fiel do Pe. Chevalier, ocupou cargos importantes na Congregação onde viveu 60 anos como MSC. Um de seus companheiros, assim o define: “Muito o amei e mais ainda o admirei. Não conheci ninguém mais humilde; não vi ninguém com o mesmo grau do genuíno sinal de santidade”. O Pe. Carlos Piperon trabalhou de maneira incansável na propagação da Arquiconfraria de Nossa Senhora do Sagrado Coração. O Pe. Chevalier se comprazia em chamá-lo: “O querido e venerado Padre Piperon”.

Pe. José Roberto Bertasi, mSC, trabalha em Itajubá, MG

Diário de Missão: Ilha do Açaí

A comunidade está em festa! Estão celebrando o Santo Padroeiro, por isso pessoas de todos os cantos, de todos os sítios estão ali.

Texto: Pe. Reuberson Ferreira, mSC

Após a infeliz estada na Comunidade Nossa Senhora Auxiliadora, por causa da falta de cristãos-católicos, e da frustração em São Filipe pela inexistência de pessoas, chegamos à Ilha do Açaí. Como o próprio nome denúncia, trata-se de uma pequena ilha onde pés de açaí estão fortemente fincados por todos os lados. Não há mais que quinze pessoas, divididas em duas famílias. Surpreendentemente, ao chegarmos somos ovacionados por uma multidão. O que teria acontecido? A comunidade está em festa! Estão celebrando o Santo Padroeiro, por isso pessoas de todos os cantos, de todos os sítios estão ali.

Os povos indígenas – nessa comunidade, Barés – são assíduos aos sacramentos e gostam de celebrar a festividade dos santos. É uma pluralidade de simbolismos. Há um esquema estrito para celebrá-la, uma herança cultural que remonta aos Carmelitas, aos Franciscanos e aos Salesianos que, em tempos diferentes, estiveram a seu modo, nesta região do Alto Rio Negro.

São, geralmente, três dias de festa. No primeiro dia ergue-se o mastro. Nos dois dias que antecedem a celebração são rezadas, piedosamente, em “latim indígena” a ladainha do Santo padroeiro e acesas uma quantidade enorme de velas. Após a oração, em fila indiana, beijam-se as fitas que estão atadas ao Santo e segue-se para o salão onde haverá muito Caximauará, dança típica da região. Durante o dia muita festa, muita bebida e comida distribuída, com fartura e gratuitamente, para todos. A bebida é um capítulo triste nessa história. Não poucas vezes, eles exageram e terminam embriagados, apontando para o alto nível de alcoolismo na região.

Alguns personagens nestas festas são dignos de nota: O Juiz de Mastro, o Mordomo, o Promesseiro, o rezador e o festeiro. O primeiro é aquele que levanta o Mastro e, no inicio da festa, auxiliado pelo Mordomo, é responsável por tirar esmola nas casas e servir comida durante o dia a todos. O promesseiro tem a obrigação de oferecer, para “pagar” ao santo a graça alcançada, comida e bebida durante todo o dia a quem chegar à comunidade, inclusive o Padre. Ao rezador, cabe a missão de, sem desafinar, enganar-se ou trocar alguma palavra, rezar a ladainha e as orações festivas. O festeiro é aquele que responde pelo último dia da festa, o mais importante. Por isso deve haver muita fartura desde comida, passando por bebidas até balas para as crianças. A ele cabe, também, pouco antes do fim da festa, lançar ao rio, com uma ritualidade singular, uma espécie de castelo feito de bambu e papel seda cheio de velas como oferenda a Deus que se manifesta através da Natureza.

Nesse universo do primeiro para o segundo dia fiquei na comunidade. Cheguei ao entardecer, passei a noite e no dia seguinte celebramos a missa. Todos passaram a noite dançando e divertindo-se ao som do Caximauará. Imaginei que a missa não tivesse boa frequência, contudo, ao dobrar dos sinos, uma multidão dirigiu-se à capela. Muitos com marcas de sono, outros com dificuldade para ficarem em pé, mas todos estavam lá, silenciosos, beneditinos. Tentava imaginar, nesse universo misterioso do povo indígena, a relação profunda que eles têm com a religiosidade. Mesmo imersos numa festa com traços pouco cristãos, dão-se conta da grandeza da Eucaristia, da altivez da fé, da magnitude de Deus. Prova disso era a intensidade com que participavam da oração eucarística, com que cantavam e com que faziam preces a Deus. Bendito seja o Senhor!

Pe. Reuberson Ferreira, mSC trabalha no Alto Rio Negro, Diocese de S. Gabriel da Cachoeira(AM).