Revista de Nossa Senhora
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Você acessou a Edição Dezembro – 2011

Vocação: simplicidade e mistério

Definir uma vocação parece muito simples, e realmente é. Pode-se dizer teoricamente que vocação é um apelo do Coração de Deus ao coração do homem, um chamado a assumirmos uma participação na realização do sonho de Deus para a humanidade. Mas quando falamos das coisas do alto, percebemos que as ações divinas são mescladas de simplicidade e mistério. Ou seja, Deus não é complicado, mas se manifesta cheio de encanto e envolvimento.

O grande sonho de Deus, ou podemos ainda chamar este sonho de projeto, começa a se concretizar humanamente no presépio de Belém, ele que se faz homem para que nós pudéssemos participar de sua divindade. Acontece aí um envolvimento do Criador com a criação, um fenômeno nascente da grandiosidade de Deus. Somente quem é puramente simples pode se dar assim, porém não se deixa corromper porque não perde sua essência divina. Como compreender a atitude de um Deus que se faz humano, que se coloca frágil numa manjedoura, que se entrega aos cuidados humanos e se faz dependente? Não se pode explicar. Os mistérios divinos não são para serem desvendados, é uma parte de Deus não desvelada que nos impulsiona a ele. Sinal de um amor que opera desde sempre e adentra a eternidade.

Seria diferente com a vocação humana? É claro que não. Todo chamado também está envolto em mistério. Quando falamos de vocação, explicamos o fato, mas não o sentimento. Podemos dizer tudo o que fazemos em prol de plano salvífico de Deus; conseguimos explicar como se dá o nosso trabalho, mas ficamos sem palavras quando tentamos nomear o que nos atrai, o que dá sentido a tudo, principalmente quando somos questionados e incompreendidos. Não se definem gestos de amor. Ser chamado por Cristo é antes de qualquer coisa ser chamado a amar. Tudo isso se dá porque a proposta de Deus é demasiadamente atraente, loucura para o mundo. Exige cada vez mais uma doação de nós mesmos, de maneira que não admite mediocridade.

No Advento vemos como Deus confia no homem e como a própria ação divina está vinculada à nossa adesão a ele. Foram os “sims” de pessoas como João Batista, Nossa Senhora, São José e tantos outros que possibilitaram o grande SIM de Cristo em favor da humanidade. Deus não agiu sozinho. Embora pudesse assim fazer, ele quis precisar do homem para a salvação do próprio homem.

Desta forma, a vocação de cada pessoa, seja à vida leiga, presbiteral, religiosa ou consagrada, passa antes de tudo pelo Coração de Deus e depois pelas pessoas que nos cercam. Acolher a vocação de uma pessoa em nosso meio é acolher a vontade de Deus. Cultivar um chamado é acreditar que Deus age no nosso meio através de nós mesmos e de cada um.

Pastoral Vocacional MSC

VAMOS CONVERSAR . . .

Mais uma vez, pedimos licença para entrar em sua casa e oferecer-lhe alguns subsídios para o crescimento na fé.

A nossa Revista de Nossa Senhora, – RNS – é nosso aparelho de conversa. E por falar em fé, Padre Zezinho, alma de apologeta, está sempre embasando nossa crença nas verdades que herdamos de nossa mãe, a Igreja, transmitidas por nossos maiores.

Vez por outra, ele cita um diálogo ou discussão com algum evangélico. Ecumenismo é isso, é dialogar com respeito com aqueles que pensam diferente, mas sem abrir mão de nossas convicções. Nossa página “Pode Perguntar” também vai nessa linha, procurando responder às perguntas de nossos consulentes.

Nossa fé é um tesouro que carregamos em vasos de barro, frágeis como nossa natureza, sempre exposta às seduções do erro. Mês passado, celebrando Finados e Todos os Santos, exercitamos nossa fé na chamada Comunhão dos Santos, participação na mesma missão, a missão de Cristo. Trata-se do mistério que professamos todas as vezes que recitamos o Credo, síntese das verdades principais de nossa fé. Padre Paulo Roberto discorre sobre esse tema, lembrando o intercâmbio, a intercomunicação que deve haver entre nós que ainda peregrinamos, aqueles que ainda se purificam e nossos irmãos e irmãs que estão na glória.

E porque estamos no mês da natividade do Senhor, você não pode deixar de rezar a página de Espiritualidade, de D. Agenor Girardi, comentando o Prólogo do evangelho de João, aquele trecho bonito e substancioso que antigamente era lido em todas as missas, antes da bênção final. A Palavra que se faz Carne é o próprio Filho de Deus, a luz suprema que ilumina a consciência humana. Ele veio morar no meio de nós, quis ser alguém de nossa raça, em tudo igual a nós, menos o pecado.

Caro leitor, veja também o texto sobre o Coração de Jesus, a página sobre Liturgia, o testemunho de nossos missionários na Amazônia e no Equador e, – surpresa, – as palavras de ternura que o famoso ateu, Jean Paul Sartre, põe na boca de Maria, tendo ao colo seu filho Jesus. Aliás, esse autor, num de seus livros, nostálgico, confessa que, católico na infância, se não tivesse perdido a fé, ele teria feito uma bela caminhada com Deus …

Pois bem, a mesa está posta, sirva-se! 

A REDAÇÃO

 

O Desafio: transformar desafios em experiência de Deus

Hoje vivemos uma situação complexa, onde o novo e o velho, o passado e presente se contradizem, e o futuro aparece como uma incógnita, sem se apresentar com muita clareza aonde tudo vai chegar. É o tempo de luzes e sombras. Andamos com as sombras do passado, e pior, com as sombras do futuro, que vem ao nosso encontro, apesar de não sabermos onde é o caminho. Aqui entra a confiança da resposta dada a Jesus por Tomé, quando este quis saber qual era o caminho e o Senhor lhe respondeu: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. (cf. Jo 14, 5-7). Essa é nossa confiança de seguir em frente quando é Ele que nos conduz pelos prados, campinas e cidades.

SOMBRAS E LUZES

Corremos o risco de viver da herança do passado num tempo onde tudo vai mudando com a rapidez da luz. “Tudo o que foi não será”, diz uma canção. Ante uma historia já vivida, podemos querer repeti-la como a única provada e possível de dar certo; ou, partir para experimentar outras possibilidades e inaugurar o novo. Com a primeira atitude, nosso olhar estaria sempre em manter as coisas como estão, sem adaptação, como um projeto imutável que desde sempre esteve ali. Esquecemo-nos de que um dia tudo foi iniciado e construído lentamente até chegar ao lugar conhecido.

Mas com a mudança do tempo, as necessidades vão sendo outras e a vida vai sendo remodelada de tal maneira que agora tudo necessita ser revisto. Necessitamos de novas maneiras para viver e dar sentido à vida.

Isso se passa com a vida na nossa missão; muita coisa feita anteriormente e com muito esforço, vai ganhando novas configurações. A gente escuta muita gente quando chega a um lugar novo e vai descobrindo os caminhos percorridos e uma serie de dificuldades já superadas que facilitam o caminho hoje. Mas também a dinâmica da vida nos coloca outros desafios que nascem dentro do processo pastoral e a realidade nos convoca à releitura constantemente. Os desafios estão sempre presentes.

MARCOS QUE ATRAVESSAM A REALIDADE

Se um dia a vida foi mais rural, hoje o mundo tem um jeito mais de cidade em todos os aspectos. Não encontramos lugar nenhum que não esteja influenciado pela tecnologia e pelo estilo de vida urbana. O campo e a cidade, hoje, estão cada vez mais parecidos. Em todo lugar, a televisão e os telefones estão presentes. Toda comunidade, seja de periferia, na cidade ou no campo, tudo está conectado à globalização. Ninguém pode se sentir separado ou atrasado com relação à evolução tecnológica. O mundo se urbanizou. As contradições se igualam em todos os níveis.

Mas o que isso significa para evangelização (a missão) e, sobretudo, para a vivencia do Evangelho?

No bairro onde moramos, quase todo mundo que ali vive, veio do “interior”, nos últimos 20 anos. Eles não tinham grandes propriedades, tampouco alguma forma de emprego garantido, o que os empurrou para a periferia da cidade. Naquele tempo, quando o bairro estava se formando, muitos armaram suas casas de madeira e taquara no meio do capinzal, antes das precárias ruas de hoje. Não carregavam nada, a não ser a esperança de vida melhor. Muitos eram recém-casados, por isso seus filhos/as somente conheceram a periferia e suas dificuldades. Os pais ainda traziam muito de suas crenças e sabedorias tradicionais e os filhos nasceram no ambiente de cidade.

Hoje ninguém fala de sair daqui. Dizem-se contentes com a vida e todas as dificuldades são superadas com esforço pessoal, sem nenhuma ajuda das autoridades. Não se identificam mais com o campo, perderam suas raízes religiosas. Muitos ainda carregam os antigos costumes como a bênção da casa quando morre uma pessoa; a confiança na água benta para deixar a casa longe dos maus espíritos, e, sobretudo, a relação familiar tradicional do campo. Mas as coisas seguem mudando porque os descendentes não acompanham os pais na tradição e são quase indiferentes à religião.

O trabalho de evangelização, agora, praticamente é uma situação que implica novas atitudes e busca de caminhos novos. Por isso, é necessário uma ação mais inserida, de menos resultados e com mais sondagem no intuito de saber por onde passam as novas experiências da fé. Numa complexidade que mistura os pais impotentes na condução de seus filhos/as, a entrada sem piedade para o mundo da droga, a inserção no mundo do consumo e uma multidão de novas gerações sem rumo. A evangelização é um tema complexo e difícil, mas cheio de desafios que nos aproximam mais da espiritualidade do caminho.

CONCLUSÃO

Agora, o desafio é transformá-los em experiência de Deus. Não vai ser diferente, mas a vocação exige a profundidade de espiritualidade para encarar as contradições da realidade atual e transformá-la em lugar de experiência do Evangelho.

Hoje, encontramos Jesus nascendo, se encarnando nas novas realidades da vida humana; onde há um sinal de solidariedade está nascendo a presença amorosa de Deus, naqueles que fazem alguma coisa para testemunhar a sua fé. Não é um tema de espetáculo como nos grandes shows religiosos, nem multidões nas procissões. Mas é a experiência religiosa que nos convoca para escutar a presença amorosa de Deus cada vez mais difusa no meio de novas formas de vida.

É o tempo das pequenas iniciativas, de insistir nos pequenos grupos e muita coordenação entre si, senão tudo se perde, fragmentando ainda mais a pouca união que existe. Mas isso dá trabalho e exige paciência.

Pe. Antonio Carlos de Meira, MSC, é missionário no Equador