Revista de Nossa Senhora
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Dezembro de 2014

Revista Nossa Senhora - dezembro - 14.indd

Para Meditar

destaque4Acentuar a presença permanente de Deus no mundo produz mais resultados de maturidade do que ameaçar com o demônio.

Os que anunciam o Coração de Jesus nunca falam com o demônio, nem mesmo para
que vá embora.

Falam com Jesus! Pedem ao Coração de Jesus que aja por nós, se achamos que algo é do demônio.

Jesus em seu amor é a razão da nossa pregação, amor que liberta, que
leva à justiça e à paz.
Pe. Zezinho

Nosso Renascimento

destaque3A festa do Natal não é feita só de belas recordações. E não são só celebrações de ritos, de tradições afetuosas, de alegria familiar ou pública. É renovação. O nascimento de Cristo, divino e natural, deve ser nosso renascimento espiritual e cristão. Este é um fato maravilhoso próprio da nossa fé.Um fato vital. É a atualização do Mistério da Encarnação.

Devemos renascer, podemos renascer! Quem de nós não tem a experiência da inexorável voracidade do tempo? Quem não vê como todo humano progresso é insuficiente em si mesmo e o próprio desenvolvimento traz em si a condenação de sua caducidade? Quem não observa, especialmente em nosso tempo, que toda manifestação de vida se torna alvo de uma desumana e, em certo sentido, lógica contestação? Quem de nós não traz no fundo da alma uma pitada de desconfiança: desconfiança em si mesmo, principalmente quando se reconhece frágil e pecador; desconfiança nos outros, desconfiança na sociedade, desconfiança na civilização e no mundo?

O Natal vence essa desconfiança, Renascemos cada dia que acolhemos o Senhor e sua palavra e nos deixamos conduzir pelo seu Espírito nesta caminhada para o Pai. Em Cristo, com Cristo, é sempre possível recomeçar do início e retomar a construção da nossa vida pessoal, da nossa vida familiar, da nossa vida social e civil. O Natal de Cristo é perene. A beleza e profundidade deste tempo é que nos fazem experimentar a verdadeira alegria e paz!

Oremos: Ó Deus, que admiravelmente criastes o ser humano e mais admiravelmente restabelecestes a sua dignidade, daí-nos participar da divindade do vosso Filho, que se dignou assumir participar da divindade do vosso filho, que se dignou assumir a nossa humanidade. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho na unidade do Espírito Santo. Amém” (missa do dia de Natal).

D. Orani João Tempesta, O. Cist. Cardeal Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Maria e o mistério do Natal

destaque2Não existe Natal sem Maria. Foi através do seu SIM que a humanidade recebeu Jesus. Deus quis precisar de uma humilde mulher – Maria de Nazaré. Ela é única por ter sido escolhida para a sublime missão de ser Mãe do Salvador do mundo.

A partir do momento da anunciação, quando Maria respondeu: “Faça-se em mim segundo a tua palavra”, nunca mais ficamos sem Jesus. Na plenitude dos tempos, isto é, no tempo que Deus mesmo escolheu, Ele veio fazer morada entre nós. Algo novo aconteceu! Maria foi o canal da graça divina nesse momento da história da humanidade. “Mas, quando veio a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, que nasceu de uma mulher, e nasceu submetido a uma Lei, para que recebêssemos a sua adoção” (Gal 4,4-5).

Todo dia 8 de setembro, festa da natividade da Virgem Maria, já podemos vislumbrar o clarão do natal, quando, no hino da liturgia das horas, cantamos: “Tua beleza fulgura, cingida apenas por véus, pois nos trouxeste, tão pura, o próprio filho de Deus. Hoje é teu dia: nasceste; vieste sem mancha à luz: com teu natal tu nos deste o do teu Filho Jesus.”

Os Evangelistas Mateus e Lucas apresentam as narrativas do nascimento de Jesus, cada um com suas características próprias. Eles se completam. Acredita-se que Lucas deve ter colhido dos lábios de Maria muito do que narra no início do seu Evangelho. É claro que não podemos esquecer que Jesus é sempre o centro. Maria está lá como mãe. Maria adora, escuta, acolhe a todos aqueles que vêm até Jesus.

Os anos vão passando e o Natal continua nos encantando. Na pobreza do presépio aquela criança questiona os poderosos do mundo. Padre Roque Schneider, escrevendo sobre o mistério do natal, diz o seguinte: “A manjedoura de Belém foi o primeiro púlpito de Jesus. Quantas lições de sabedoria, de fé, de eternidade, nas palhas daquele presépio, no despojamento de Jesus, no silêncio orante de José e Maria!” Nós, por nossa vez, ficamos encantados também. Mas, é importante saber que essa criança cresceu em estatura, idade e em graça. Nós não devemos conservar a imagem de um Jesus sempre criança. Não. O Natal é hoje. A vida continua, e nós crescemos e devemos saber que nossa fé ensina que Jesus está conosco hoje, totalmente inserido em nossa história.

Mateus tem um olhar bem cuidadoso sobre Maria que amplia muito a imagem dela. Além de narrar a infância (Mt 1 e 2) ele relata acontecimentos da vida pública de Jesus mencionando a pessoa de Maria. A finalidade dos dois evangelistas era apresentar quem é o Cristo Ressuscitado. O Papa Francisco, na carta encíclica Lumen Fidei, termina, o número 60, com uma prece a Maria, pedindo-lhe que ajude a nossa fé e que semeie nela a alegria do Ressuscitado.

O Natal tem o seu ponto alto na Páscoa porque Jesus é vida e ressurreição. A Páscoa é a maior festa do povo cristão. A prova de que Jesus é Deus. Venceu o pecado e a morte por sua Ressurreição. Por isso nos alegramos e bendizemos a Deus. O Papa Francisco nos diz ainda que “Maria está intimamente associada com aquilo em que acreditamos. Na concepção virginal de Maria, temos um sinal claro da filiação divina de Cristo: a origem eterna de Cristo está no Pai – Ele é o Filho em sentido total e único – e por isso nasce no tempo, sem intervenção do homem. A verdadeira Maternidade de Maria garantiu, ao Filho de Deus, uma verdadeira história humana, uma verdadeira carne na qual morrerá na cruz e ressuscitará dos mortos. Como é bela a nossa vida em união com Maria. Como é bela nossa Igreja caminhando alegremente com Maria. Com ela vamos a Jesus. Precisamos viver essa certeza em nosso dia a dia.

Maria está, de uma maneira toda especial, dentro do mistério do Natal. Quando digo “mistério” eu me refiro à grandiosidade do amor de Deus; a que ponto chegou o amor do Criador pela criatura, não a um mistério como algo que somos incapazes de compreender. Mas, como revelação do amor de Deus que nos amou primeiro. Jesus, sendo Deus, o Deus invisível, assumiu nossa humanidade, com exceção do pecado, elevou a dignidade da mulher escolhendo Maria, quis permanecer nove meses no seio materno, nascer, quis ter um pai adotivo na pessoa de José, ter uma família, foi criança… quantas lições podemos aprender. A Igreja continua repetindo esses mesmos ensinamentos em defesa da vida.

Estimado(a) leitor(a), deixe-se envolver pelo amor de Deus revelado na criança que Maria envolveu em faixas e reclinou na manjedoura.

Vamos, todos nós, abrir o nosso coração para Jesus e seremos envolvidos também pelo amor e pela ternura de Maria.

Ir. Maria da Luz Barbosa
Cordeiro, FDNSC

“…E a Mãe de Jesus estava presente”

destaque1Entre os personagens próximos de Jesus, poucos como Maria. Dela não se diz muita coisa nos evangelhos, mas o que se diz é surpreendente. Mãe, testemunha, seguidora, servidora, presente… Uma mulher fiel a Deus e capaz de ver mais além do cotidiano e estabelecido; uma mulher capaz de ver diferente.

Onde outros viam uma loucura, Maria viu um horizonte; onde muitos tinham visto uma transgressão, ela intuiu a promessa de Deus; onde tantos teriam estremecido diante da proposta de Deus e teriam exigido mais provas, mais seguranças ou mais garantias, Maria exclamou: “faça-se”. Onde a lei era a referência e a condenação, ela foi capaz de cantar a grandeza do Deus que está com os mais simples e quebra as estruturas estabelecidas; onde tudo era convencional, Maria, com uma acolhida feita de valentia, confiança e entrega, foi capaz de colaborar com Deus de modo radical; onde todos viam o desenlace frustrante e triste de uma festa de casamento, ela “viu e antecipou a hora de seu Filho”… Porque estava sempre presente.

Porque estava presente a Deus, Maria fez-se presente nos momentos decisivos de seu Filho, bem como se fez presente na vida das pessoas. Uma presença que faz a diferença: presença solidária, marcada pela atenção, prontidão e sensibilidade, próprias de uma mãe.

Sua presença não era presença anônima, mas comprometida; presença expansiva que mobilizou os outros, assim como mobilizou seu Filho a antecipar sua “hora”. Nas bodas de Caná, a novidade está numa nova forma de presença de Maria, que não se encontra interessada, em princípio, em fazer coisas, em resolver problemas, senão em traçar uma presença. Ela não está aí para “arrumar” as coisas, mas para escutar e compartilhar um momento festivo. Ela se encontra presente, num gesto de solidariedade que transcende e supera toda atividade.

Trata-se de uma presença que é “música calada” nos lugares cotidianos e escondidos, que sabe enternecer-se e escutar as inquietações que procedem desses lugares. Uma presença que descobre o próximo no próximo, que sabe resgatar a solidariedade na vida cotidiana. Uma presença que se manifesta na ausência de recompensa ou de interesse próprio.

Em definitivo, Maria descobre que é chamada a dar de graça o que de graça recebeu. Sabe entrar em sintonia com os sentimentos dos outros e construir vida festiva, e vida em abundância. Sua presença revela um gesto profético de solidariedade e de anúncio: presença que aponta para uma outra presença, a de seu Filho. Sua presença dignifica e revela um novo sentido à presença de Jesus numa festa de casamento.

A presença silenciosa, original e mobilizadora de Maria desvela e ativa também em nós uma presença inspiradora, ou seja, descentrar-nos para estar sintonizados com a realidade e suas carências. Tal atitude nos mobiliza a encontrar outras vidas, outras histórias, outras situações; escutar relatos que trazem luz para nossa própria vida; ver a partir de um horizonte mais amplo, que ajuda a relativizar nossas pretensões absolutas e a compreender um pouco mais o valor daquilo que acontece ao nosso redor; escutar de tal maneira que aquilo que ouvimos penetre na nossa própria vida; implicar-nos afetivamente, relacionar-nos com pessoas, não com etiquetas e títulos; acolher na própria vida outras vidas; histórias  que afetam nossas entranhas e permanecem na memória e no coração.

Disto se trata: aprender dos outros; recarregar nossa própria história de um horizonte diferente, no qual cabem outras possibilidades e outras responsabilidades; descobrir uma perspectiva mais ampla que ajuda a formular melhor o sentido de nossa própria vida.

Evidentemente, nem toda presença é “saída de si”; uma pessoa pode passar pelos lugares sem que os lugares deixem pegadas; ela pode tocar a superfície das coisas e das vidas, mas esse contato deixa pouca memória e logo desaparece. Com isso não há encontro nem aprendizagem.

Quando a pessoa se faz presença que desemboca no verdadeiro encontro, ela se expõe, se faz vulnerável, se deixa afetar… Mas essa é a oportunidade para transformar os olhares e os gestos de quem se atreve a sair dos horizontes conhecidos.
São muitos os encontros que são fecundos para quem se faz presente e para quem acolhe esta presença. São muitas as pessoas cujas vidas ganham em seriedade, em profundidade, em compaixão e em alegria autêntica ao fazer esse caminho de saída de si. São muitas as pessoas que, em contato com vidas e histórias diferentes e reais, compreendem melhor suas próprias vidas e sua responsabilidade.

O seguimento de Jesus nos mobiliza e nos expande na direção dos outros.

“O discípulo-missionário é um descentrado: o centro é Jesus Cristo que convoca e envia. O discípulo é enviado para as periferias existenciais. A posição do discípulo-missionário não é a de centro, mas de periferias: vive em tensão para as periferias” (Papa Francisco)
O que significa “fronteiras geográficas e existenciais”. É preciso sair dos limites conhecidos; sair de nossas seguranças para adentrarmos o terreno do incerto; sair dos espaços onde nos sentimos fortes para arriscar-nos a transitar por lugares onde somos frágeis; sair do inquestionável para enfrentarmos o novo…

É decisivo estar dispostos a abrir espaços em nossa história a novas pessoas e situações, novas vivências, novas experiências… Porque sempre há algo diferente e inesperado que pode enriquecer-nos…
A vida está cheia de possibilidades; inumeráveis caminhos que podemos percorrer; pessoas instigantes que aparecem em nossas vidas; desafios, provocações, aprendizagens, motivos para celebrar… lições que aprenderemos e nos farão um pouco mais lúcidos, mais humanos e mais simples…

A fronteira passa a ser terra privilegiada onde nasce o “novo”, por obra do Espírito. Ali aparece o broto original do “nunca visto”, que em sua pequenez de fermento profético torna-se um desafio ao imobilismo petrificado e um questionamento à ordem estabelecida.

Isso pede de todos nós uma atitude de abertura e de deslocamento frente ao outro, o que implica colocar-nos em seu lugar, deixar-nos questionar e desinstalar por ele… Nosso desafio não é fugir da realidade, mas nos aproximarmos dela com todos os nossos sentidos bem abertos para olhar e contemplar, escutar e acolher, percebendo no mais profundo dela a presença ativa do Deus que nos ama com criatividade infinita, para encontrar-nos com Ele e trabalhar juntos por seu Reino.

O discípulo missionário não é aquele que, por medo, se distancia do mundo, mas é aquele que, movido por uma radical paixão, desce ao coração da realidade em que se encontra, aí se encarna e aí revela os traços da velada presença do Inefável. “Encontrar, experimentar Deus em todas as coisas… a Ele em todas amando e a todas n’Ele” (S. Inácio).

Deus emerge na densidade das coisas, das pessoas e dos acontecimentos.

Quem está em sintonia com esta Presença, vive uma festa permanente.
Pe. Adroaldo Palaoro, SJ 
Diretor do Centro de  Espiritualidade Inaciana – CEI