Revista de Nossa Senhora
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Para Meditar…

Jesus,
Hoje me peguei olhando distraidamente
Para a uma imagem tua.

Te representaram com o olhar sereno,
um sorriso leve
E com uma das mãos apontadas
para o coração exposto.

Estranho.
Que ideia mais esquisita
De representar alguém com o coração de fora.
Seria o escultor, cardiologista? 

Ah, essa mania de olhar a vida sem poesia… 

Só quem amou poderia entender
O que é ter o coração exposto, vulnerável,
Entregue, acessível…
Em uma palavra, aberto. 

Um coração entregue,
Que se falasse, diria:
“Aqui estou. Meu coração é teu,
Faze o que quiseres,
Ouve-o ou ignora-o.
Independentemente do que fizeres,
Ele continuará sendo teu.” 

Olho novamente a imagem
(que de ensaio de anatomia não tem nada).
Quem me dera um dia
Estar tão inteiro diante de Ti
que pudesse dizer o mesmo…

“Aqui estou, meu coração é teu.” 

Fernando Clemente, MSC

Edição Janeiro de 2013

capa-janeiro

Caros Leitores (as)

editorialNão sei se vocês têm costume de colecionar os números de nossa revista, mas se tiverem, procurem o Editorial do número de julho de 2012, e leiam novamente o que escrevemos a respeito de nossa identidade missionária. Desde os primórdios, nosso Fundador, o Padre Júlio Chevalier, lutou com todas as suas forças, até mesmo contrariando seu Conselho, para que a Congregação enviasse missionários para as regiões desafiadoras do Pacífico, mais precisamente a Nova Guiné.

Lembramos o sonho do El Dorado, as missões no Equador, na América do Sul, onde em fins do século 19, padres franceses lá estiveram durante sete anos, uma obra aparentemente fracassada, mas que ainda assim produziu muito fruto de salvação. E recordávamos também, com alegria, a volta ao Equador, quase 100 anos depois, de missionários brasileiros que iniciavam um novo trabalho naquele belo país dos Andes. E entre esses pioneiros, focalizávamos a figura de nosso confrade, Padre Antônio Carlos de Meira, que depois de 13 anos, evangelizando comunidades indígenas nos páramos a mais de 3 mil metros de altitude, aceitou o novo desafio de descer até o litoral quente e úmido de Porto Viejo, em meio a uma população pobre e desassistida, reiniciando uma nova vida com o mesmo zelo e o mesmo ardor missionário.

Pois bem, caros leitores, nosso grande missionário, no último dia 29 de novembro, veio a falecer, no vigor de seus 50 anos. Foi juntar-se aos antigos confrades da mesma cepa, Navarre, Verjus, Boismenu e tantos outros que, do outro lado do mundo, mas com o mesmo espírito, há 130 anos, abriram caminhos para essa brilhante epopeia missionária.

Que lá do alto, onde foi receber a recompensa dos justos, Padre Antônio Carlos peça a Deus para que jamais deixemos apagar essa chama acesa pela inspiração de nosso Fundador, Padre Júlio Chevalier.

A REDAÇÃO

Viver o dia a dia

two butterfly on flowers Depois do meu AVC, do qual me recupero com paciência, entendi ainda mais o significado da palavra precariedade.

De fato, há coisas que de nós depende, há outras que acontecem e não prevíamos e há aquelas em que nos arriscamos. Mas, embora possamos colaborar com alguém maior que nós, se cremos que Deus existe, chega o dia em que a palavra cabal é “conformidade”. E passamos a viver do dia a dia. Cada dia é mais um trecho da estrada que não sabemos para onde seguirá. Só sabemos que é Ele quem decide.

Eu disse isso a um amigo meu, que também não sabe no que vai dar sua nova experiência de precariedade. Cada um reza e suplica como sabe, e aceita a sua maneira os fatos.

Mas, eu e meu amigo nos apegamos no Filho de Deus e pedimos sua misericórdia. Também oramos aos santos que nos precederam e principalmente à mãe de Jesus – que dele muito sabia; contamos com sua intercessão sabendo que o intercessor maior é seu Filho que nos disse para invocá-lo na alegria e nas aflições.

Nós sabemos que temos a certeza de que Deus nos ensina a viver e a morrer. Sabemos que não vivemos em vão. Acertamos e erramos, mas, a misericórdia do bom Deus é maior do que nossas misérias…

É uma graça saber que já não somos quem éramos e que há coisas que já não podemos como outrora podíamos… Então, de aprendizado vivemos do dia a dia.

Como São Paulo, também nós completamos a nossa parte e o coração de Cristo supre o que não podemos alcançar!

Pe. Zezinho, SCJ é músico e escritor. Tem aproximadamente 85 livros e 115 álbuns musicais. www.pezezinhoscj.com

Diário de Missão: Solidão

amazonasAo esmaecer do sol, crepúsculo envolvente, sigo caminhando pelas ruas de um conjunto de casas populares dentro dos limites de nossa paróquia. Ao meu lado um fiel ministro da Eucaristia, da etnia Tukana que atende pelo patrístico nome de Siríaco. As ruas do bairro denunciam a realidade sofrida e desassistida das pessoas que aqui vivem. Há por todos os lados poucos sinais de limpeza, organização e saneamento básico. Com passos cadenciados, vamos visitando os enfermos, os frágeis e vulneráveis deste lugar.

Numa das casas, um cenário chama a atenção. O silêncio parece uma abadia cartuxa. Após insistirmos, uma voz frágil convida-nos a entrar. Empurramos a porta lentamente. Passos brandos, vamos descobrindo o ambiente. Uma minúscula sala nos coloca num outro cômodo onde encontramos a origem da voz que nos chamava. Numa rede, armada a uma altura mínima do chão, está uma debilitada senhora. À sua direita há uma cuia com água; à esquerda outra, com farinha. Junto delas, uma terceira onde ambas as espécies são misturadas, formando o que aqui chamamos de xibé. Observando aquela senhora, vejo uma desgastada imagem de Maria ao pescoço, sinal da tradição cristã destes povos. Incomodado pela altura da rede, logo percebo que é para facilitar a descida da anciã, pois já não anda e tem que arrastar-se até o banheiro da casa e demais cômodos .

A sensação de solidão é palpável. Conversando com ela, descubro que as filhas todas já se casaram e não há ninguém – por ingratidão e/ou omissão – que possa viver com ela. Existe, contudo, uma filha que, ao raiar do dia, vem encher as cuias com água e farinha e parte para a roça com seu aturá e terçado em riste. O decorrer do dia aquela mulher passa sem companhia alguma. Apenas Deus, assegura ela. As necessidades mais elementares para qualquer pessoa tornam-se complexas, tudo é feito arrastando-se pelo chão da casa.

Paulatinamente, sua combalida voz vai denunciando traços de uma religiosidade intensa. A devoção filial à Virgem Maria nutre sua confiança em Deus. Seu olhar profundo, penetrante e, por vezes, perdido no horizonte revela uma confiança fiducial no Infinito, no transcendente, num Deus que é uma beleza tão antiga e tão nova. Seu sorriso tímido e discreto, revela que, não obstante a situação adversa, há uma felicidade em continuar vivendo.

Após a conversa, cumpro a minha missão: Ouço sua confissão e dou-lhe a Eucaristia. Despedimo-nos e retornamos para casa, desta feita com passos apressados, mas com o coração intimamente ligado ao daquela mulher. Como não rememorar aquela situação, como não pensar em sua vida solitária? Deus, contudo, consola-me e faz entender que solidão é, como diz o poeta, “quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa Alma”. Isso, acredito, certamente não é a situação daquela mulher que se sente

visceralmente ligada a Deus.

Pe. Reuberson Ferreira,mSC trabalha no Alto Rio Negro, Diocese de S. Gabriel da Cachoeira (AM).