Revista de Nossa Senhora
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Você acessou a Edição julho – 2011

CAROS LEITORES,

Embora junho seja o mês dedicado ao Coração de Jesus, este ano, excepcionalmente, sua festa vai acontecer no primeiro dia desse mês de julho, razão pela qual não poderia faltar nesse número de nossa revista, um artigo realçando Aquele que é o símbolo mais eloquente do amor de Deus.

E vamos encontrá-lo nas páginas vigorosas do Padre Ângelo Benedito Cortez, o qual, focalizando o aspecto da Reparação, vem resgatar esse culto de alto significado na melhor tradição da Igreja, mas para muitos, ultrapassado e “démodé”.

É verdade que, num passado, mais ou menos recente, a reparação foi cultuada em clave dolorista e cinzenta, um modo jansenista e medroso de aplacar a ira de Deus . . . Nada disso! Reparar, no seu sentido correto, significa desagravar a dor do Amor. Significa “amar o Amor que não é amado”.

No evangelho de João, nós lemos que “no mundo teremos muitas tribulações”, verdade que os Atos dos Apóstolos reafirmam quando dizem que “é preciso que passemos por muitos sofrimentos antes de entrar no Reino de Deus”. O sofrimento para nós cristãos, não é fim em si mesmo, não é exercício de masoquismo, algo patológico. Não! É o preço da coerência que pagamos pela fidelidade ao evangelho, na luta pela justiça, na compaixão pelos excluídos da sociedade.

Ou como diz o autor, esse sofrimento é OFERTA, é unir-se às dores da paixão do próprio Cristo.

Na página de Liturgia, vamos encontrar também um ato de consagração ao Coração de Jesus. Vocês, leitores, vão acompanhar também as peripécias do Padre Reuberson, bravo missionário, evangelizando nossos irmãos indígenas às margens do Rio Negro e seus afluentes; poderão aprender sempre mais com as sábias lições do Padre Paulo Roberto, sobre a catequese do Credo; os conceitos atualizados e vividos sobre missão, de nosso confrade de Porto Viejo, no Equador; as páginas sempre bem-vindas de Dom Agenor Girardi e aqueles temas costumeiros, mas enfocados com olhos sempre novos.

Tenham todos uma boa e proveitosa leitura!

A REDAÇÃO.

Ressuscitou ao terceiro dia

A ressurreição é a experiência feita pelos discípulos de Cristo após sua morte, na qual o perceberam como o Vivente no meio de nós. Não se trata da volta ou revificação de um cadáver, mas de uma transformação e transfiguração desse corpo mortal pelo poder de Deus num corpo glorioso e espiritual.

Para nós cristãos, um dado fundamental de nossa profissão de fé é a ressurreição de Cristo, que nos possibilita entender e crer na nossa ressurreição futura. Desde o Antigo Testamento vai crescendo, na consciência do Povo de Deus, a certeza de que nossa existência não se reduz ao aqui e agora. Aguardamos a justiça divina e a eternidade.

Os evangelhos, obras escritas para manter viva a fé da comunidade, anunciam que o Reino de Deus, ou seja, sua ação a nos governar acontece nesse mundo, direcionando-nos para as promessas futuras. Jesus, o profeta do Reino, fala de um mundo novo possível aqui, apontando para a plenitude vivida na eternidade.

A ressurreição é a experiência feita pelos discípulos de Cristo após sua morte, na qual o perceberam como o Vivente no meio de nós. Não se trata da volta ou revificação de um cadáver, mas de uma transformação e transfiguração desse corpo mortal pelo poder de Deus num corpo glorioso e espiritual (Cf. 1Cor 15,1-53). A Bíblia fala de ressurreição dos mortos e ressurreição do corpo para acentuar a continuidade da vida da pessoa. Na cultura bíblica o corpo é entendido como pessoa e a carne como criatura humana. O corpo biológico e corruptível será semeado no jardim do mundo. O corpo glorificado ou a carne – entendida como criatura humana – será recriado no poder de Deus.

Falar da ressurreição de Cristo significa afirmar que o Pai toma a defesa do justo, do inocente e do profeta que foi feito vítima por uma sociedade violenta e agressiva. Afirma a vitória da vida contra a morte, contra o pecado e o mal. Deus Pai, ao ressuscitar Jesus, toma sua defesa e confirma tudo o que Ele disse e fez.

Dizemos que Cristo ressuscitou ao terceiro dia. Sabemos que a ressurreição acontece no momento da morte como Lucas demonstra no episódio do ladrão crucificado (Cf. Lc 23, 39-43). Se contarmos a noite da sexta-feira, o sábado inteiro e o domingo pela manhã, não chegamos aos três dias cronológicos. Qual o significado então dos três dias? Os evangelistas utilizam Oséias 6, 2, que fala da esperança da ressurreição do povo, para dizer que em Cristo temos a certeza da nossa ressurreição. Portanto, professar a fé dizendo “ressuscitou ao terceiro dia” não é outra coisa senão professar nossa fé na ressurreição do Cristo e na ressurreição de todo o Povo de Deus. Esta é a nossa esperança que alimenta nossa fé na certeza que a vida, como Graça de Deus, jamais se perde.

Pe. Paulo Roberto Gomes, mSC é Teólogo e Pároco da Comunidade São Paulo, em Muriaé, MG

A Reparação e o Coração de JESUS

Há certas palavras que são fruto de uma época e, muitas vezes, não são mais compreendidas quando fora de certo contexto. Uma dessas palavras é REPARAÇÃO, no contexto da devoção ao CORAÇÃO DE JESUS. O contexto onde esta palavra surgiu, não é mais o mesmo, porém, na ausência de uma palavra mais adequada, continuamos utilizando-a. Muitos acham que o sentido de tal devoção é ultrapassado e muito dolorista ou juridicista. Isto é, entendem que, quando se fala de Reparação, estamos falando que temos que “consolar” e “refazer” “consertar”, “dar satisfação” a Deus por nossos erros. Deste modo, Deus seria um juiz implacável e que por nossos atos reparadores (nosso esforços) poderíamos aplacar a sua ira. Muitos aspectos da devoção ao Coração de Jesus precisam ser repensados e redescobertos.

Como já dissemos, as palavras são perigosas, porque sempre reduzem e empobrecem a grandeza da coisa a ser expressa. Com certeza, não é esse o conceito que as sagradas escrituras, Santo Agostinho, São Francisco, Santa Margarida Maria, Santa Teresa de Ávila e outros tantos queriam nos ensinar, ou seja: “o Amor não é amado”.

Esse é o sentido mais profundo da REPARAÇÃO em nossa devoção ao Coração de Jesus. Já sabemos que a devoção ao Coração de Jesus é uma síntese do amor de Deus. Na primeira carta de João, 4,8 lemos: “Deus é amor”. Portanto, Jesus sendo a imagem do Deus invisível (Cl1, 15) é o amor ao alcance de nosso coração humano. Tudo o que viveu, anunciou e sofreu por nós é a expressão mais genuína desse amor incomensurável de Deus. E Ele nos amou até o fim, ou melhor, pela ressurreição Ele destruiu o que seria o nosso fim: a morte. Portanto, ousamos dizer que Ele nos amou além do fim. Quando o Pai ressuscita Jesus, temos a certeza de que o amor triunfou. Mas, esse AMOR que tanto amou o mundo, como diz Santa Margarida Maria, tantas vezes só recebe ingratidão. Ou nas palavras de São Francisco e de Santa Teresa: “o Amor não é amado”.

Poderíamos nós REPARAR um pouco essa “dor do AMOR”. Poderíamos oferecer algo para aplacar esse grito de Jesus na Cruz: “tenho sede”? Seria um desperdício derramar, em oferenda, nossas dores, sofrimentos e sacrifícios aos pés de Jesus? Qual o sentido do sofrimento do dia a dia? Por que Jesus sofreu? Como completar em nossa carne o que faltou em sua paixão? Poderia ter faltado algo em tão perfeito sacrifício redentor? Enfim, uma multidão de perguntas nos levam ao encontro da questão da Reparação.

Deus não pode padecer, nos lembra o venerável são Bernardo de Claraval, mas, pode se com-padecer. Isso Ele fez quando assumiu nossa humana condição e por nós viveu e morreu apaixonadamente. Isso Ele continua fazendo quando abraça cada coração humano e sua miserável condição, principalmente nos que mais sofrem e são excluídos. Entendo a Reparação como nossa resposta de amor ao AMOR que nos criou, nos salvou e nos chama, constantemente, à santificação. Deus não busca explicar o amor, ama. Não procura explicar a razão do sofrimento, sofreu conosco e por nós, e assim, nos ensinou a romper com a espiral da violência, do ódio e de tudo que gera o verdadeiro sofrimento: a desumanização.

Entendo a Reparação como um sacrifício de amor. Isso quem me ensinou foi dona Laura e o Padre Romeo, num quarto de hospital, recebendo tratamento quimioterápico. Enquanto a medicação, gota a gota, penetrava as veias dos dois pacientes, falávamos sobre a vida, seu sentido e o porquê de tantos sofrimentos.

Dona Laura, tomada pela fraqueza, falava baixinho, mas o suficiente para que eu entendesse o sentido de sua esperança, força e vontade de lutar. Dizia ela: “graças a Deus entendo melhor agora o que é um sacrifício. Ultimamente, não posso falar muito de Deus. Muitas vezes, acho que não consigo nem rezar quando aperta a dor… Mas, minha missão tem sido oferecer um ofício sagrado: minha dor e meu sofrimento ao Coração de Jesus!”

Nessa hora pensei o que, por Cristo, com Cristo e em Cristo, rezamos em cada eucaristia: “Receba, Senhor, por suas mãos, este sacrifício, para a gloria de seu nome, para o nosso bem, e de toda a santa Igreja!” Quanta humanidade escondida na fragilidade física de cada um deste pacientes. Pensei sobre o quanto o mundo precisa de gente humana e humanizadora assim, e no verdadeiro sentido da eucaristia. Um Deus que se dá por amor e que aceita nosso amor como oferenda, também. Esta oferta gera comunhão!

Esta oferta é Reparação! Creio que podemos sim “oferecer” os pequenos sofrimentos do dia a dia, que nos ferem, com frequência, dando-lhes assim um sentido. O que significa “oferecer”? Assim, como para o Padre Romeo, dona Laura e tantos, “oferecer-se” é estar convencido de “poder inserir no grande “com-padecer de Cristo os seus sofrimentos diários”.

Entendo, também, que a solidariedade e a doação livre, muitas vezes, da própria vida, como os mártires, em favor dos pequenos, da justiça, da paz e de um mundo mais fraterno, são também comunhão no amor e resposta de amor: Reparação! Aliás, não nos esqueçamos de que esse é o grande critério de nossa salvação, segundo o evangelho de são Mateus, capítulo 25: “Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes”. Na sede, fome, nudez… do pequeno, Deus aí está! Oferecer um copo de água ao pobre é matar a sede de Deus. Que mistério! A solidariedade é Reparação.

Como Francisco de Assis, Tereza de Ávila, Júlio Chevalier e tantos outros, nunca nos cansemos de gritar, por toda a parte: Amado seja o AMOR, amado seja o Sagrado Coração de Jesus! Eternamente!

Pe. Benedito Ângelo Cortez, mSC é membro da Província de São Paulo dos Missionários do Sagrado Coração.