Revista de Nossa Senhora
  • Administração: Rua Angá, 994 – VI. Formosa – São Paulo – SP
  • Telefax: (11) 2211-7873 – E-mail: contato@revistadenossasenhora.com.br

Você acessou a Edição Julho – 2012

Edição Julho de 2012

CARO LEITOR (a),

Há pouco, neste espaço, falávamos da vocação missionária dos Missionários do S. Coração, um desejo que, desde os primórdios, invadiu o coração de nosso Fundador, o Padre Júlio Chevalier. Sua convicção era tamanha que, embora contasse com um pequeno grupo de companheiros, mesmo assim teve a coragem de persuadir seu Conselho e enviar os primeiros missionários para a obra de evangelização da Nova Guiné. Isto foi em 1881.

Alguns anos depois, convidado por um bispo do Equador, Chevalier aceita o pedido para que, naquele país da América do Sul, os MSC, além da evangelização propriamente dita, cuidassem da edificação e direção espiritual de um Santuário Nacional dedicado ao Sagrado Coração de Jesus. Por conta de vários fatores, entre os quais a falta de um contrato bem definido e pouco empenho do arcebispo, o empreendimento não atingiu todos os seus objetivos e se encerrou melancolicamente em 1893.

Pouco mais de 100 anos depois, mais precisamente em julho de 1996, os MSC voltam àquele belo país dos Andes, desta vez representados por três confrades brasileiros, Antônio Carlos Meira, Aílton Izaías da Silva e Moacir Goulart Figueiredo, os pioneiros dessa empreitada missionária. Mais tarde, seguiram outros e, enquanto alguns permaneceram em Quito, capital, outros buscaram o interior do país, galgando os páramos a mais de 3 mil metros de altitude …

Mais de 15 anos trabalhando naquele país, compensadora tem sido a colheita, inclusive com alguns vocacionados, jovens que ingressaram em nossa família religiosa.Mas eu queria falar em especial sobre um confrade que lá está desde o início, o Padre Antônio Carlos Meira. Isto porque houve um leitor que estranhou e se incomodou com o fato de este padre, muitas vezes, mesclar seus

artigos com citações em espanhol. Caro leitor, antes que você julgue o caro confrade, saiba que essa prática é aquilo que os franceses chamam “défaut de qualité”

(defeito de uma qualidade). Não é falta, é virtude. Virtude de quem se inculturou e assumiu de tal modo o jeito daquela gente, a ponto de achar mais fácil expressar-se na língua deles. Um pouco como São Paulo, que era judeu com os judeus, e grego com os gregos.

Pois bem, Padre Antônio Carlos, após 13 anos evangelizando comunidades indígenas no frio intenso das montanhas, aceita o desafio de desmanchar sua tenda e levantá-la de novo na região de clima úmido e tropical de Portoviejo, no litoral do país, em meio a uma população pobre e esquecida. E com o mesmo entusiasmo

e o mesmo zelo! Assim, caro leitor, esses nossos irmãos da vanguarda missionária vão se entregando à obra da evangelização, fazendo amado sempre mais e por toda a parte o Sagrado Coração de Jesus.

A REDAÇÃO.

 

Religião pela metade

Um dos maiores especialistas em linguagem portuguesa, na região onde eu morava, tinha um enorme problema: prolação. Sabia tudo sobre gramática e como escrever o português, mas não sabia falar de maneira inteligível, comia todos os finais das palavras porque baixava demais a voz no encerramento da pronúncia. Assim, o homem que sabia português a ponto de ensiná-lo, até mesmo a outros professores, não sabia falar, pois um vício de linguagem deixava as palavras pela metade.

O que aconteceu com este professor de português acontece com muitos de nós que sabemos tudo sobre o catecismo, sobre teologia ou sobre liturgia, mas, na hora de viver o que sabemos ou expressar aquilo que conhecemos, temos dificuldade. Um cardiologista, amigo meu, não conseguia se livrar do cigarro e sofria do coração e do pulmão. Um médico que conheci, desaconselhava bebida a todos, mas ele mesmo exagerava na dose. E pode acontecer e acontece que o pregador ensina para os outros, mas ele mesmo não vive.

A expressão é de Jesus: “médico, cura-te a ti mesmo.”, Ele a usou repetindo um adágio do seu tempo. Temos, todos, a tendência de ensinar os outros a viver, mas, quanto toca a nossa vez, vivemos apenas um pouco daquilo que cremos ou ensinamos, faz parte da condição humana. Ensinar a perfeição é uma coisa, coerência é outra.

Pe. Zezinho, SCJ é músico e escritor. Tem aproximadamente 80 livros publicados e mais de 115 álbuns musicais.

www.padrezezinhoscj.com

Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes

Esta frase poderia muito bem estar num manifesto político. É bem forte e soa quase como um slogan de campanha, mas é uma frase dos Evangelhos e, certamente, você já a ouviu antes. Trata-se do versículo 52 do primeiro capítulo do Evangelho segundo Lucas.

Acompanhando todo o texto vemos que é uma frase colocada na boca de Maria, mãe de Jesus, logo depois da saudação que Isabel faz a ela. Faz parte do discurso maior de Maria, que tradicionalmente chamamos Magnificat, por conta das palavras iniciais deste texto em latim (Magnificat anima mea Dominum – Minha alma engrandece o Senhor).

Pois bem, agora que você já sabe desses pormenores, vamos em frente. Longe de ser, como já disse, um discurso de propaganda política ou figura de linguagem, o Magnificat resume a ação salvadora de Deus manifestada na história. A palavra da Mãe de Jesus, carregada de poesia, é profética. Aliás, poesia e profecia não rimam apenas no som, mas no significado. Lendo atentamente a Escritura, a gente vai percebendo que todo profeta é meio poeta, mas isso já é um outro assunto…

Maria, diante do mistério da Encarnação, do perceber-se morada do Altíssimo, justamente ela, pobre jovem de uma cidadezinha do interior, entende a desconcertante maneira de agir de Deus. Ele não é um deus que se coloca do lado dos poderosos que constroem seu poder pisando nos fracos, pelo contrário, é um Deus que se coloca ao lado dos necessitados. E mais, coloca-se ao lado dos fracos fazendo-se fraco­ com eles (Cf. Fl 2). A jovem de Nazaré compreendeu isso em sua própria carne, pois, para fazer vir à Terra o Filho Eterno, o Pai poderia muitíssimo bem ter escolhido a mais rica, a mais bonita, a mais inteligente e a mais popular filha de Israel, nascida em algum bairro bom de Jerusalém, a capital. Não escolheu. Preferiu a menina da periferia do Reino, pobre e desconhecida. Lógica, no mínimo, esquisita de Deus, a quem nos acostumamos a imaginar como Altíssimo e Onipotente.

Mas talvez esquisita seja a nossa lógica, e não a de Deus…

Desde o início Ele parece ter sempre uma predileção pelo desfavorecido (Is 66, 2). Escolhe um povo pequeno, desconhecido, para ser o seu povo (Dt 7, 7-8). Elege, no meio desta gente, os mais desprezados, aparentemente incapazes para serem líderes ou profetas. Moisés, gago (e assassino, diga-se de passagem), tornou-se libertador (Ex 4,10; 2,12). Eliseu era careca (II Rs 2, 23). Davi e Samuel, jovens demais (I Sm 16, 1-13; 3, 1-21). Oseias casou-se com uma prostituta (Os 1) e Jonas fugiu de Deus! (Jn 1)

Tudo isso porque Deus não vê as aparências, mas o coração. A Deus não importa nem um pouco o que parecemos ser: ele nos conhece mais do que nós mesmos. Importa o que trazemos no íntimo e nas nossas intenções.

Mas Maria não faz, em seu cântico, apenas uma constatação de que Deus age assim e pronto, acabou. Seguindo a mais bela tradição profética (e poética) ela vai além: Deus é o Deus que sacia os famintos. Ora, infelizmente não vemos mais chover pão, como choveu maná no deserto. E não é porque Deus não possa fazer isso, mas porque ele deseja a nossa contribuição no cumprimento desta profecia dita por Maria. Os famintos se encherão de pão, sim, mas pelas nossas mãos. Por isso é mais do que necessário estarmos atentos ao mundo ao nosso redor. Não se pode dizer que amamos a Deus se fechamos o nosso coração ao irmão. Nossos louvores e pregações devem estar acompanhados imprescindivelmente do testemunho de vida, como Maria que, ao saber da gravidez de Isabel, apressou-se a ir ao encontro da prima para ajudá-la nos dias da gestação. “Recebemos de Deus este mandamento: aquele que ama a Deus, ame também o seu irmão”(Cf. I Jo 4, 21).

Contemplando Maria, fica-nos sempre a sensação de estar ainda longe de sermos modelos. Mas vamos tentando; o importante é não desistir. Que Ela nos alcance de Deus a iluminação pela luz do Magnificat, e construtores do Reino de Deus que começa aqui e se completará quando estivermos todos juntos, Maria, nós e a Trindade, na festa que nunca tem fim.

Fr. Fernando Clemente, MSC, é graduado em Filosofia e atualmente cursa o 2º ano de Teologia.