Revista de Nossa Senhora
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Junho de 2015

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A fé no Corpus Christi

inerna3Cultivemos o maior respeito ao corpo do Cristo. Isto mesmo. Ele teve um corpo e o manifesta ainda hoje. Não como naqueles dias em que aqui pregou a justiça e a paz, mas de um jeito que o católico aceita e assume. Somos convidados pelo dogma da eucaristia a, por causa do corpo de Cristo, cuidar bem do corpo humano e respeitá-lo em sua sacralidade, sem medo e sem tabus, mas também sem bandeiras erradas… O corpo humano é o que é, com seus valores e suas misérias. Nada de endeusá-lo ou demonizá-lo ou falar de nudez e de sexo como se fosse tudo pecado feio. O corpo humano é santo, o sexo pode ser santo, o prazer com que o casal amoroso e responsável se dá, é santo.

Nosso corpo não é sujo e não é lixo, porque Deus não cria nem a maldade nem a sujeira, nem o lixo. Se alguém o sujou, não culpe o Criador. Se tem medo dos seus instintos e da sua sexualidade não culpe Deus. O corpo e seus desejos têm seus limites, mas têm as suas possibilidades. Começa com o fato de que gera uma vida nova. O corpo da mulher e o do homem são instrumentos maravilhosos de alegria, de paz e de prazer.

Depende de como, por que, quando e com quem. É sem dúvida, uma complexa e maravilhosa máquina, um complexo e maravilhoso composto orgânico cheio de vida que mudou a face da terra, para o bem e para o mal. Foi esta máquina que fez o que fez neste planeta. A mente humana jamais teria conseguido isso sem os seus cúmplices: olhos, braços, pernas, boca, ouvidos, dedos, órgãos reprodutivos, pés circulação, sistema nervoso, juntas e articulações…

Por isso, faz enorme sentido festejar o corpo sagrado e puro do mais Filho dentre todos os filhos de Deus, alguém por cuja causa temos a coragem de chamar a Deus de Pai Nosso e nos declararmos filhos dele.

Nesta era do corpo humano nu, exposto nas telas, exibido, mostrado sob todos os ângulos, explorado, comprado, vendido, banalizado, endeusado, entronizado, erotizado, mercantilizado, cantado em verso e prosa, filmado, teatralizado, malhado e também torturado e massacrado, faz muito sentido, urgente até, buscar uma referência que eleve o conceito da corporeidade. Não basta ter um corpo sadio, malhado e bonito. Isso ainda não faz nem o homem nem a mulher. É apenas estrutura ou fachada do monumento que um ser humano é ou pode vir a ser. E podemos ser um monumento até quando o corpo tem limites.

De repente, um corpo oferecido em sacrifício e torturado numa cruz e outra vez, oferecido misticamente sob as espécies de pão e de vinho, -também eles esmagados e frutos do suor e do trabalho humano-, pode dar enorme sentido aos homens e mulheres de corpos pequenos, magros, mirrados, gordos, grandes, pesados, doídos, feridos, cansados, doentes ou bonitos, elegantes e encantadores. Se soubermos o que fazer com nossos corpos, certamente influiremos no mundo, para melhor. Se o usarmos como isca para ganhar fama, emprego, posição, dinheiro e vantagens, também influiremos, mas de maneira infeliz.

Nós, católicos, celebramos a festa do Corpo de Cristo, dado em comunhão para entender isso. É mais do que crer na Eucaristia. É assumir suas consequências. Na era do poder do corpo, temos feito o quê com o nosso ?
Pe. Zezinho. SCJ, é músico e escritor. Tem aproximadamente 85 livros publicados e mais de 115 álbuns musicais. www.padrezezinhoscj.com

As aventuras do Diálogo

interna2A referência ao diálogo como aventura, embora cause certo estranhamento, é algo a se considerar no estágio atual da situação sociopolítica, cultural e mesmo religiosa da sociedade brasileira. Cenários diversos revelam a dificuldade generalizada para se estabelecer diálogos. E o diálogo é condição sem a qual não se edifica a sociedade, particularmente a contemporânea, na sua constituição plural. Prejudica esse necessário processo de interação o enquadramento de pessoas e de situações que pode levar a arbitrariedades e a desrespeitos, criando, consequentemente, verdadeira anarquia.

As concepções monolíticas a respeito de situações plurais na política, na cultura e mesmo na vida religiosa, provocam grande confusão.

Evidentemente, é preciso observar certos parâmetros. Princípios éticos e valores inegociáveis devem sempre pautar as condutas. Porém, o diálogo só é exitoso quando se reconhece a pluralidade, compreendendo que ninguém é dono da verdade. O respeito ao outro e às diferenças são condições para se avançar em discernimentos e, assim, fazer escolhas acertadas, corrigir rumos e alcançar novas respostas. Só o diálogo e a capacidade de dialogar revelam e comprovam a envergadura moral e cidadã.

Uma das mais terríveis crises da sociedade brasileira é a generalizada incompetência para o diálogo entre instituições, grupos e pessoas. Para complicar esse quadro desafiador, aparecem os oportunistas e também aqueles que buscam travar as possibilidades do intercâmbio de ideias e opiniões. Prenúncio para radicalismos e outras perdas no necessário processo de se reconstruir a nação. Para superar a falta generalizada de diálogo, são necessários exercícios que alarguem corações e mentes, que iluminem visões capazes de contribuir para o enfrentamento dos muitos problemas que se abatem sobre a sociedade.

O Papa Francisco, na sua Exortação Apostólica, Alegria do Evangelho, fala sobre a crise do compromisso comunitário. O enfrentamento desse problema, com respostas assertivas, é que pode permitir o revigoramento da cidadania, em vista de uma nação civilizada, estabelecida nos trilhos da igualdade social, da justiça e da participação de todos. A solução não é simples e demanda mais que análises de caráter sociológico ou político. É necessário ultrapassar a defesa egoísta dos próprios interesses, de pequenos grupos ou classes, para empreender esforços e garantir soluções que gerem benefícios para a coletividade.

Essa nova postura é que possibilita um processo de interpretação de fatos e de acontecimentos capaz de suscitar nos corações o desejo e a prática do diálogo. Urgente é considerar os rápidos processos de desumanização em curso, muitos deles até com consequências irreversíveis. Uma conta a ser paga no restante da história desta sociedade que acata e acelera esses processos. Em vez de se defender interesses partidários ou de poucos, é preciso considerar os descompassos do mundo contemporâneo. Enormes avanços e conquistas, progressos científicos e inovações tecnológicas contracenam com a violência, a miséria e o medo.

É irracional aguçar a simples defesa de interesses particulares e não percorrer a circularidade existencial, exercício indispensável para conseguir ver a partir do lugar do outro, especialmente de quem é mais pobre. A sensibilidade necessária para enxergar, além do que é particular, constitui condição para abrir-se ao diálogo. Exercitar esse discernimento possibilita reconhecer que todos partilham a mesma estatura e merecem respeito. Assim, é possível o diálogo, caminho para superar a mesquinhez e a indiferença que alimentam, entre outros males, o desarvorado desejo de se acumular dinheiro e poder, verdadeira porta para a corrupção.

Para promover a abertura ao diálogo, em todos os níveis, na sociedade brasileira, vale a pena começar por dizer “não”, como ressalta o Papa Francisco, conselheiro admirável, na Exortação Apostólica Alegria do Evangelho: Não a uma economia da exclusão, pela superação da globalização da indiferença; não à nova idolatria do dinheiro, pelo reconhecimento de que a crise econômica é, acima de tudo, antropológica, pois é desconsiderado o primado da pessoa humana; não à desigualdade vergonhosa, fonte de violência, pois é necessária uma profunda reforma que inclua mais simplicidade nos gestos de ricos, que precisam ajudar os pobres. É preciso reduzir distâncias, aproximar-se do outro, para que se possa construir um futuro melhor. Essa tarefa tem dinâmica própria, que desafia a sociedade brasileira a entrar nas aventuras do diálogo.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo é Arcebispo de Belo Horizonte (MG)

Não deixemos que nos roubem o Evangelho

interna1Todos nós temos acompanhado o belo desempenho do Papa Francisco ao longo destes dois anos à frente da Igreja de Cristo. Suas palavras e seus gestos chamam a atenção de todas as pessoas, até mesmo daquelas que não crêem ou não professam nenhuma fé. O fato é que o Papa não está inaugurando nenhuma novidade, mas busca com simplicidade colocar em prática a fé que ele professa. Seus gestos nos lembram o Evangelho encarnado e ganhando vida. Tais atitudes não deveriam nos comover já que vivemos num país de maioria cristã e a vivência do Evangelho deveria ser uma prática do nosso dia a dia e não extraordinária.

Francisco tem tratado dos mais diversos assuntos sem fugir de nenhum deles; tem abordado assuntos polêmicos e delicados dentro da Igreja e que precisam ser pensados e discutidos; tem insistido numa Igreja compassiva e misericordiosa, mãe que acolhe e ama os seus filhos indistintamente. Essa Igreja que não pode perder de vista a sua vocação: ser a imagem de Deus nesta terra.

Para isso, a Igreja precisa ser santificada e santificante. Numa via de mão dupla, nós a santificamos com um testemunho autêntico do Evangelho e ela nos santifica com os sacramentos, com a Tradição e com as mesas da Palavra e da Eucaristia. Quiçá um dia a prática cristã não seja mais uma novidade em nosso meio por fazer parte do nosso cotidiano, esse é o tão sonhado Reino de Deus.

O papa nos alerta, enquanto Igreja, para o perigo de cairmos num mundanismo espiritual (cf. EG, 93), que nada mais é do que buscar a glória humana e o bem-estar pessoal ao invés da glória de Deus. É este mundanismo que nos coloca, muitas vezes sem nos darmos conta, na contramão do Evangelho e dos ensinamentos eclesiásticos. Esse mundanismo contamina as nossas relações comunitárias e pastorais, confunde e perverte a nossa prática cristã, de maneira que encobrimos a verdadeira face da Igreja e a sua vocação no mundo.

O mal ronda aqueles que são do Senhor e busca contaminar aqueles que ouvem a sua Palavra. O papel do inimigo é justamente contaminar a mente e o coração dos crentes para que Deus não seja o centro das suas ações e realizações. Para isso, o Santo Padre nos alerta: “não deixemos que nos roubem o Evangelho”. Tudo aquilo que nos afasta do caminho proposto por Cristo, rouba-nos os frutos do Evangelho em nós e manipula as nossas ações. Não podemos permitir que nos seja tirada ou mesmo roubada a verdade que habita nas palavras do Cristo e que são sinais de vida plena e abundante em nós. Portanto, avante na nossa busca de santidade e não deixemos que nos roubem o Evangelho.

Diac. Girley de Oliveira Reis, MSC trabalha na Paróquia Dom Bosco em São Gabriel da Cachoeira, AM