Revista de Nossa Senhora
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Você acessou a Edição Março – 2011

PRA COMEÇO DE CONVERSA …

CAROS LEITORES,

Março chegou e nós nos lembramos de tanta coisa!

Primeiro, lembramos São José, o chefe da Sagrada Família, o homem justo, patrono da Igreja e tantos títulos e méritos enumerados na página da Ir. Maria da Luz.

Este mês nos lembra também o Tom Jobim e “as águas de março”, que este ano vieram em janeiro e, com tanta fúria que provocaram tragédias e feridas ainda não cicatrizadas, bem como belos gestos de solidariedade humana e cristã.

Março lembra o Carnaval e o início da Quaresma, um tempo de graça que nos prepara para a grande festa da Páscoa do Senhor. Sem nos esquecer de que, também nesse mês, teremos a sagração episcopal de nosso confrade, Padre Agenor Girardi, nosso festejado colaborador.

De certa maneira, todas essas lembranças estarão estampadas nas páginas de mais esse número da Revista de Nossa Senhora. Vocês vão se aprofundar também no conhecimento de Maria, segundo a teologia de Lucas, em mais um artigo do Padre Bovenmars, nosso confrade da Holanda.

E quem não aprecia os textos do Padre Zezinho? Ele está aqui outra vez, profeta teimoso que, em linguagem clara e contundente, nos mostra as mazelas de nossos programas de TV. Temos ainda uma página vigorosa, assinada pelo Padre Cortez, sobre o Coração de Jesus, de como transformar nossa dor e nossos sofrimentos em instrumentos de libertação. É o que nos ensina o apóstolo Paulo quando diz que nossas dores se tornam redentoras quando unidas aos sofrimentos da paixão de Jesus.

E vejam a curiosa constatação das ostras feridas que produzem pérolas… Vocês vão apreciar também mais uma colaboração do Padre Reuberson, jovem missionário que esbanja coragem e alegria em suas incursões pelas comunidades ribeirinhas do alto Rio Negro.

Tudo isto, sem falar de outros colaboradores que já vão se tornando familiares, como o Antônio Carlos Meira, o Padre Paulo Roberto, a Vera Lucia da liturgia, o Padre Humberto, o Michel e outros.

Pois é, nossa revista é o presente precioso que o Padre Air, nosso editor de conteúdo, nos oferece a cada mês.

Caros leitores, boa leitura e bom proveito!

Nossa vida, uma celebração…

Celebrar é um ato que nos coloca em relação com o divino. É expressar nossa necessidade de “falar para o divino o que existe em nosso coração e ao mesmo tempo ouvir o que Ele nos diz sobre isso”.

Texto: Fr. Michel dos Santos, mSC

CELEBRAR quer dizer comemorar, festejar, ressaltar o significado dos acontecimentos, reunir pessoas para a festa. Celebrar é uma atividade humana ( toda celebração ressalta a memória de algo importante na vida e o atualiza na comemoração), uma atividade religiosa (pois toda celebração é um meio de comunicação e intercâmbio de comunhão com Deus, com os outros e com a pessoa mesma, na expressão de símbolos, gestos e ritos), parte integrante da vida humana. A celebração nos recorda sempre que somos imagens de Deus, nos abre espaço para vivermos em comunhão, que é o anseio profundo de nosso ser social.

Se observarmos com certo cuidado, podemos ver igrejas e mais igrejas lotadas, cheias de pessoas em busca de alguma coisa. E eis aí a questão: se perguntarmos pelos motivos pelos quais as pessoas vão à igreja ou o que elas fazem na igreja, certamente muitas responderão que vão buscar algo, mas poucas conseguirão responder que vão para ter um encontro com Deus, com o Criador, no sentido de sintonizar-se com Ele, ouvir sua vontade para suas vidas na experiência da comunidade. Em geral, na sua maioria, as pessoas, hoje, buscam a Igreja, a religião, como se busca algo mágico que poderá resolver algum problema da vida; não se comprometem com a comunidade, com o caminhar de um grupo, buscam apenas o rito, uma forma de expressão. Por isso, também, qualquer forma serve. Até observamos hoje uma busca imensa por espiritualidade, mas tudo de uma forma muito ritual, mágica, normalmente para a busca de resolução dos problemas que o mundo moderno impõe.

O sagrado é parte da nossa vida. Sacraliza-se tudo, e muitas vezes sem se dar conta, pois o sagrado é o que dá sentido à vida. Corre-se muito atrás do material, gasta-se uma vida inteira acumulando, buscando os prazeres humanos, mas quando se busca o sentido profundo da vida, sabemos que este está no sagrado. Por isso dá-se a dimensão do sagrado até àquilo que não é sagrado, busca-se o sentido no que é passageiro.

Celebrar é um ato que nos coloca em relação com o divino. É expressar nossa necessidade de “falar para o divino o que existe em nosso coração e ao mesmo tempo ouvir o que Ele nos diz sobre isso”. É estar junto, bebendo do que melhor a divindade tem. É um voltar às nossas origens. É estar perto de quem descendemos. E é nesta relação que vamos encontrando o sentido da vida.

Para que se possa celebrar verdadeiramente, é preciso começar a entender que a vida toda é celebração. Se celebrar é encontrar-se com Deus, então em todo momento e em todo lugar se encontra Deus. Nesse sentido é que se pode dizer que toda celebração tem como função aproximar a pessoa de Deus e dos irmãos. Entendendo isso, mudamos a maneira de celebrar. Começamos a perceber que o mais importante não é o rito, o formalismo, como se a celebração fosse algo mágico ou repetitivo. Começamos a perceber que o mais importante é a mística, pois é esta que nos faz estar mais próximos de Deus e junto aos irmãos.

Fr. Michel dos Santos, mSC, É seminarista religioso e cursa o 3º. Ano de Teologia


Transformar nossas dores em instrumento de libertação

Em certos momentos sentimos a dor de não ser amados, de ser rejeitados, de ter sido abandonados ou maltratados pelos mais próximos. Em outros, uma desilusão amorosa ou os conflitos dentro do nosso próprio lar.

Texto: Pe. Benedito Ângelo Cortez, mSC

Estamos de volta e queremos continuar aprendendo as lições que brotam do Coração de Jesus. Em nosso primeiro e modesto artigo, falamos que nosso desejo, através dessa revista, é levá-los a ter um encontro cordial com Nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto, voltamos com mais alguns pensamentos que poderão ajudar-nos em nossa oração e experiência de vida. O que queremos é, com você, contemplar esse Divino Coração e seus segredos de amor e de esperança. Convido-os, agora, a refletir sobre uma lição extraordinária que Jesus nos deu quando se fez Carne e habitou entre nós e, principalmente, no silêncio da Cruz, quando a carne ferida se fez também Palavra de Salvação, “transformando os obstáculos em meios”. Voltemos nossos olhos da fé para Aquele que foi traspassado.

Quantas vezes não nos deparamos com verdadeiros obstáculos, sofrimentos e feridas que nos marcam profundamente. Quantas vezes carregamos por toda nossa vida uma dificuldade, uma dor, um obstáculo terrível que só nos faz padecer, viver com amargura e perder nosso foco existencial que é caminhar, atraídos pela fé no Ressuscitado, em busca do Amor infinito. Em certos momentos sentimos a dor de não ser amados, de ser rejeitados, de ter sido abandonados ou maltratados pelos mais próximos. Em outros, uma desilusão amorosa ou os conflitos dentro do nosso próprio lar. Quantos não padecem uma vida toda porque a doença o feriu gravemente ou deixou sequelas profundas? Muitos de nós padecemos, principalmente nos dias de hoje, do mal de se sentir solitário, depressivos, abandonados e sem ninguém ao nosso redor? Enfim, todos nós carregamos certas feridas, sejam afetivas, psicológicas, físicas.

Mas por que deixamos que a ferida seja a tônica de nossa vida, ou melhor, de nossa morte homeopática? Porque permitimos que a morte continue devorando nossa esperança, se ela foi derrotada por Cristo na Cruz? Não, não podemos permitir que a morte e o pecado do desânimo e do conformismo sejam as bandeiras de nossa existência. O fundador dos Missionários do Sagrado Coração, Pe. Chevalier, lapidou um pensamento que nos ajuda a entender uma lição extraordinária que brota da pedagogia do Coração ferido de nosso Redentor na Cruz: “quando Deus quer uma obra, os obstáculos se transformam em meios”. Isso mesmo! Essa é a lição do Coração traspassado de Jesus: transformar a morte em vida, a dor em esperança de amor, a ferida em fonte.

Humanamente, Jesus poderia ter se tornado vítima passiva do sofrimento que lhe foi imposto. Suas dores poderiam não ter servido para aliviar as nossas. Seus sofrimentos teriam se reduzido apenas a ressentimentos sem sentido; revolta e autopiedade que O tornariam o ser mais digno de pena e nossa fé num absurdo. Mas de modo nenhum! O segredo de sua vitória está justamente naquilo que parecia um obstáculo sem fim. Aquilo que poderia ser apenas uma ferida escancarada num coração moribundo se transformou numa fonte inesgotável de vida e de salvação. De seu coração ferido jorraram água e sangue (Jo 19,31-37). Dessa ferida brotou o manancial do Batismo e da Eucaristia. Eis a dor transformada em amor. Amor que nos regenera e que recria o universo todo. Amor que alimenta e que, na eucaristia, nos revigora. Corpo triturado e sangue derramado. Na moenda da dor seu corpo foi transformado em alimento, em pão vivo. Eis o mistério de nossa fé!

Outro dia, ouvi uma história que, apesar de não ter nenhuma formação para biologia marinha para checar sua veracidade, achei extraordinária e que, talvez, sirva para ilustrar nossa reflexão. Fiquei sabendo que a pequena ostra, isso mesmo, esse pequeno molusco, só produz a pérola quando foi ferida, ainda nova. Lá onde talvez um grão de areia a feriu, a proteção e a resistência de seu organismo produzirão uma das mais cobiçadas joias: a pérola. Somente as ostras feridas produzem pérolas. Transformar os obstáculos em meio. Que lição, hein?!

Deixemos o mundo marinho e voltemos ao nosso cotidiano. Que lições podemos tirar de tudo isso? Creio que contemplando o Coração de Jesus e a nossa vida, iremos descobrir que, graças a Ele, também nós podemos transformar nossas feridas em pérolas e em fonte de vida. Lá onde reside nosso maior obstáculo, nossa maior ferida, pode crer que essa sensibilidade tamanha é devido à fonte que quer vencer os desafios e borbulhar num estrondoso manancial de vida.

Prestemos mais atenção em nossa vida e naquilo que pode ser nosso maior obstáculo, mas sempre com o olhar fito no Coração de Jesus, pois, muitas vezes, só como Tomé (Jo 20,24-29), é botando o dedo na ferida que vamos acreditar que esses sinais de dor apontam para o transcendente, para a ressurreição e para a certeza de que esses obstáculos são apenas meio e não fim!

Pe. Benedito Ângelo Cortez, mSC é Superior da Província de São Paulo dos Missionários do Sagrado Coração