Revista de Nossa Senhora
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Novembro de 2014

Revista Nossa Senhora - novembro - 14.indd

LIÇÃO DE CASA

Diz-se que um biblista apresentava sua fala numa comunidade e, em dado momento, afirmou que, pessoalmente, não compreendia o Salmo 22 (23), quando nele se afirmava que “O Senhor é meu
pastor, nada me faltará”.

Que o Senhor seja pastor, vá lá… mas
dizer que nada nos falta? Como?
Há tanto sofrimento no mundo, tanta carência…
Ele não podia entender.

Diante da afirmação, uma senhora, que tudo ouvia com atenção, dispara: “Dá licença, moço, muito
me admira que o senhor, um homem tão estudado não entenda isso. Nada falta, mesmo.
Nem o sofrimento! E ainda bem que é assim!
É ele que faz a gente andar e crescer.”

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Um prazo para o LUTO

Einsame WinterbankComentei em abril de 2011, por ocasião do triste episódio da escola do Realengo que, com raras exceções, o luto tem um prazo. Aos poucos, até de maneira inconsciente, a pessoa vai se adaptando à ausência da pessoa amada como se adapta às grandes feridas do corpo. Graves acidentes costumam exigir mais tempo para a cura, mas a dor passa, a ferida é sanada e as cicatrizes que ficam lembram o que houve, mas doem menos ou quase nada porque acabaram os dias de chaga viva.

Poucas pessoas cultivam luto prolongado. E não é nem nunca foi falta de amor. É dor superada. Aqui e acolá sabe-se daquela mãe, daquela namorada ou daquele pai para quem a vida acabou. Seu amor foi para o lado de lá e eles ou elas se trancaram do lado de cá. Ou jogaram as chaves fora, ou não as acham, ou não querem sair do seu isolamento. Dizem que não conseguem se controlar, mas é dor consentida e cultivada. Chegam a dizer que sair do luto é trair a memória do falecido. Nunca lhes ocorreu que cultivá-lo pode ser contra a vontade da pessoa que se foi! Afinal, se o céu existe e se a pessoa está com Deus, a ultima coisa que ela, marido, esposa, filho, filha desejam é ver que quem ficou decidiu parar de viver.

Para a maioria, o que era ferida, agora é marca que não dói; o que era perda, agora é paz. Se creem, entendem que haverá um reencontro. Como, ninguém sabe, mas haverá. O aqui que terminou para quem se foi também terminará para quem ficou. Haverá um depois e nele as almas se encontrarão numa dimensão que só quem morreu conhece.

Pregadores da fé, além de crer num depois, costumam fantasiá-lo. Crer é uma coisa, fantasiar é outra! Imaginam o Deus que nunca viram e imaginam o céu que também nunca viram. Vivem mais dessas imagens criadas do que da fé que afirma saber que há, mas não como é!
Magistralmente São Paulo propõe aos seus discípulos que se consolem com palavras de esperança. A carne irá para o túmulo, mas não nós. Somos mais do que nosso corpo. Haverá um depois não para o corpo, mas para a pessoa que somos. Quem perde as duas pernas não fica pessoa pela metade. Quando o corpo morre, a pessoa não morre. No dizer da igreja, a vida não é aniquilada, mas transformada. Seremos a mesma pessoa, mas não com os mesmos detalhes físicos. Jesus ressuscitou e atravessava portas. (Jo 20,26).

Para nossa fé a morte não é o nosso último ato e nem o túmulo o nosso último endereço; do corpo, sim, mas não da pessoa que somos! (1 ts 4,13-18) E não pedimos aos mortos que venham até nós. Esperamos sofridos, mas serenos, o dia de irmos até eles.

Cremos que os que morreram são os primeiros a pedir que paremos de cultivar sua morte. Não vestíamos luto enquanto viviam aqui; não vestiremos agora que se foram, sobretudo se cremos que estão na plenitude. Sabem mais do que nós: conhecem os dois lados do viver. Nós, apenas este… Deixar claro que só estaremos bem se eles se manifestarem não seria o mesmo que exigir que voltem. E isto não seria pensar mais em nós do que neles?…

Pe. Zezinho. SCJ, é músico e escritor. Tem aproximadamente 85 livros publicados e mais de 115 álbuns musicais.
www.padrezezinhoscj.com

A IGREJA esta acabando?

“Padre, ouvi num programa de TV  um comentarista afirmar que a religião está acabando na Europa e que estará acabando no resto do mundo à medida que as pessoas ficarem mais bem informadas pela educação, pela ciência e pela tecnologia. Seria verdade? O que o Sr. me diz.” Glauco Afonso  Meneses – Ribeirão Preto – por e-mail

Caro Glauco, vez por outra, a gente escuta pessoas, nem sempre bem informadas, externando opiniões sobre Igreja e religião. É verdade que a Europa, baluarte do cristianismo no ocidente, nos últimos anos, por conta do grande progresso e bem estar material, foi perdendo o antigo vigor a ponto de se falar em um início de descristianização. Em alguns países, por exemplo, se lê, nos ônibus, a inscrição: ”Deus provavelmente não existe”. Até mesmo na França, chamada “La fille ainée de l’Église’, a filha mais velha da Igreja, terra de grandes santos e sábios, católicos ilustres como Pasteur, Paul Claudel, Jérôme Lejeune e tantos outros, os cristãos têm sido vítimas de discriminação por parte de autoridades, isto sem falar de caricaturas de Cristo e zombaria anti-cristã no dia a dia dos meios de comunicação. Diante dos afagos às minorias judaicas, muçulmanas e budistas, os católicos se sentem os novos excluídos da sociedade…

Até aí, de fato, há nuvens sombrias no horizonte, mas não é de hoje que se prega a crença em um ateísmo universal, uma evolução a partir da educação e cultura para todos, algo que nunca se concretizou. Tais pregadores se esquecem de que as pessoas religiosas também se valem do progresso e usam com grande habilidade esses recursos da ciência e da tecnologia…

Em contraposição a essa situação de crise, sabe-se também que, segundo pesquisadores insuspeitos como Kathleen Norris, Eugene Peterson e outros, em países de maioria tradicionalmente atéia, como Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia, a porcentagem de ateus tem diminuído sensivelmente.Veja a Suécia: em 1999, 85% se diziam ateus;em 2001, eles eram 69% e, em 2004, 64% de ateus assumidos. De outro lado ou, como consequência disso, tem havido um número crescente de grupos cristãos fundamentalistas. Quem diria!

Contudo, Glauco, a Igreja também tem culpa no cartório. Explico-me: quantas diretrizes e inspirações do Vaticano II ficaram pelo caminho! Junte a isso os escândalos, os casos de pedofilia, durante tanto tempo acobertados pelas autoridades eclesiásticas; as posições inflexíveis sobre temas de sexualidade, contraceptivos, a situação de casais divorciados e o acesso à comunhão daqueles que se casaram de novo, casais homossexuais e outros casos mais. Numa palavra, é caso de conversão. Daí que o mundo olha com esperança o ministério do Papa Francisco, um homem sensível ao sofrimento das pessoas e aos problemas da família, razão pela qual, em boa hora, convocou o Sínodo Extraordinário dos Bispos, com enfoque especial nessa temática tão importante.

Glauco, vale lembrar aqui as palavras de São João XXIII, após a convocação do Concílio Vaticano II, quando muitos pensavam que sua finalidade principal fosse a união dos cristãos: “o primeiro e principal escopo do Concílio é apresentar ao mundo a Igreja de Deus em seu perene vigor de vida e de verdade… só depois poderemos dizer aos nossos irmãos separados: esta é a vossa casa, esta é a casa dos que levam o sinal de Cristo”. Pois é, conversão em primeiro lugar.

Padre Humberto Capobianco MSC, é Diretor do Colégio John Kennedy em Pirassununga, SP.

Diálogo inter-religioso, vocação da Igreja

interna01As diferentes tradições religiosas são uma realidade presente no mundo inteiro. Os grupos que há algum tempo ficavam mais nas suas mediações geográficas têm se espalhado por outros lugares. Além disso, a globalização e os veículos midiáticos permitem um maior entrosamento entre os povos. Este é um novo contexto social que, ao que tudo indica, tende a se firmar cada vez mais.

Os lugares onde o cristianismo e, dentro deste, o catolicismo, são maioria absoluta, já sentem o reflexo na vida eclesial desta transformação social. A Igreja se vê diante de um desafio que precisa ser pensado e refletido. Entre a presente realidade e suas exigências só há um caminho a seguir: o diálogo.

O diálogo inter-religioso tem uma importância singular para a humanidade. Não podemos pensá-lo apenas sob uma ótica de convivência harmoniosa e pacífica entre as religiões, mas ele precisa ser pensado também nas esferas da antropologia, da moral, da política e do contexto social e teológico. Se o diálogo tem se tornado uma exigência, ele precisa ser visto no todo.
Sabemos que o homem é essencialmente religioso. Esta dimensão está presente em todas as culturas e todos os homens carregam dentro de si este sentido. É o mistério, é a relação do ser humano com o transcendente que o faz ligar-se ao outro e ao mundo à sua volta, às suas questões e percepções acerca do seu meio e da sua existência. Um olhar cristão sobre as demais religiões permite perceber e reconhecer os elementos positivos existentes nelas, elementos essenciais para uma aproximação.

O diálogo inter-religioso é de suma importância na luta por uma sociedade de paz e de direitos iguais. O mundo precisa de testemunhas que se oponham à violência e que busquem a comunhão fraterna numa coerência com a fé professada. Este diálogo, neste aspecto, insiste na promoção e na colaboração da paz e da justiça como direitos de todos os seres humanos, pois cada homem e cada mulher são imagem de Deus e devem ter essa sua imagem respeitada.

O diálogo inter-religioso, sem dúvida, deve ser um testemunho coerente para o mundo, na firme compreensão de que Deus age onde e quando ele quiser. Deus não é posse de nenhuma instituição, é universal a sua manifestação e o seu desejo de que todos os homens encontrem a salvação.

É o Espírito Santo que paira sobre o mundo e abre os corações das pessoas para a ternura de Deus que abraça toda a criatura. Mas é importante lembrar que as instituições religiosas não são entidades metafísicas. Todas as religiões são formadas por pessoas e são justamente elas que devem se abrir à experiência e à prática do diálogo.

Na Igreja Católica, temos visto inúmeros esforços na busca de um diálogo de paz e de fraternidade com outras confissões religiosas, na certeza de que Deus age quando nos abrimos à sua ação em nós. No entanto, só teremos resultados ainda mais positivos quando a unidade for um sonho de toda a Igreja, contando com os esforços de todos os fiéis. Esta é uma missão de todos os povos. Esta é também a nossa missão.

Girley de Oliveira Reis, MSC é promotor vocacional da Província de São Paulo e cursa o 4ª ano de Teologia na PUC/São Paulo – SP.