Revista de Nossa Senhora
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Você acessou a Edição Outubro 2011

LEIA ANTES

Caro(a) leitor(a),

Há pessoas que costumam ler livros e jornais começando de trás pra frente, acredita?

O ideal é ler antes a primeira página, a relação dos temas, o sumário que vai apontar e comentar as matérias. Trata-se de uma espécie de aperitivo que vai estimular a refeição para digerir as palavras, literalmente como diz o profeta: “ Vi tuas palavras e as devorei”.

Na sequência de artigos sobre o Coração de Jesus, Padre Cortez, atualmente fazendo uma experiência missionária em Angola, na África, comenta a palavra de Paulo apóstolo, na segunda carta aos Coríntios: “Charitas urget nos”, o amor de Cristo nos impele, nos impulsiona.

Ele nos ensina a plenitude do amor, que não se reduz apenas a um mandamento, mas se torna algo concreto e vital. Citando o Papa Bento XVI, lembra que o programa de Jesus é “um coração que vê”, que olha e observa onde há necessidade de amar e ali atua.

Em Atualidade Litúrgica, Frater Rodrigo fala da importância do silêncio em nossas celebrações. Quando acolhido, ele se torna oração.Padre Paulo Roberto, na catequese do Credo do povo de Deus, escreve sobre a nossa profissão de fé no Espírito Santo. É o Advogado, o Defensor, Aquele que ilumina, inspira e nos leva ao discernimento. O caro leitor vai encontrar tudo isso e ainda a coluna de Espiritualidade, da lavra de Dom Agenor Girardi, a página com sugestões para as celebrações litúrgicas, a sempre aguardada colaboração do Padre Zezinho e as notícias das missões do Equador.

Não sei se o nosso leitor está sabendo que, ultimamente, no prazo de menos de 20 dias, dois de nossos confrades MSC, ambos com a venerável idade de mais de 90 anos, tendo combatido o bom combate, foram bater à porta do céu a fim de receber aquela coroa dos justos, de que fala São Paulo. Trata-se do Padre Arlindo Giacomelli, o abnegado pastor que, por mais de 60 anos, pastoreou almas na região do sul de Minas, e do Padre Francisco Janssen, cuja rica biografia vai aqui retratada na pena do Padre José Roberto Bertasi.

Caros leitores, eis aí um prato cheio para uma leitura proveitosa e saudável.

A REDAÇÃO.

Um Sacerdote Feliz!

Padre Francisco Janssen partiu para a casa do Pai no dia 16 de agosto deste ano. Aos 98 anos de idade entregava a sua vida a Deus e marcava no coração da terra o seu sinal de otimismo, trabalho e esperança na vida. Fundador desta revista, idealizador do Santuário de Nossa Senhora do Sagrado Coração, ele recebe a nossa homenagem pelos frutos do trabalho que ainda hoje espalha esperança e alegria no coração dos que frequentam este Santuário. Padre José Roberto Bertasi, mSC, escreve sobre este missionário que, há mais de 70 anos, deixou a Europa para trabalhar em nossa terra e aqui viver uma vida fecunda de dedicação ao povo.

 “O VIGÁRIO FELIZ”

No ano de 2004, aos 91 anos, lúcido, alegre, disposto e com a mesma potência de voz quando mais jovem, ele voltou a encantar seus ouvintes, no domingo, dia 22 de setembro, no Santuário Nossa Senhora do Sagrado Coração. Foi uma breve visita a fim de matar a saudade, rever os amigos, ouvir novamente o carrilhão e contemplar o majestoso templo fincado na colina sagrada, do qual foi idealizador e construtor. Ele mesmo se sentiu surpreso com a acolhida dos fieis e como ainda era lembrado. Uns diziam: “Eu fui seu coroinha”; “o Sr. me convidou para fazer parte da Legião de Maria”; “o Sr. fez minha Primeira Eucaristia”; “o Sr. celebrou meu casamento”. Muitos queriam abraçá-lo ou apenas dizer uma palavra amiga. Tranquilo e humilde como sempre, atendia a todos com bondade e quando aplaudido, gesticulava com as mãos, pedindo um basta.

Toda esta admiração do povo de Vila Formosa tem uma motivação ímpar, ou seja, o padre idoso que estava ali, viveu longos anos por aqui desde quando era um jovem padre. Entusiasta, admirador da arte e de grandes ideais, não se conformou ao chegar aqui e constatar que a imagem de Nossa Senhora do Sagrado Coração estava entronizada numa antiga garagem de ônibus, transformada em capela. Ele que se considerava o “vigário feliz” de Nossa Senhora do Sagrado Coração, sem alarde, tomou a decisão de construir um belo e definitivo templo onde a Mãe de Deus fosse venerada com dignidade. As campanhas em prol da construção do Santuário ganharam receptividade em todo o Brasil e o “vigário feliz de Nossa Senhora” deu início às obras. Mas ele queria ir além e, com determinação, pediu que um artista holandês colocasse nas paredes do Santuário as lindas pinturas que não cansamos de admirar. Fez subir à torre um carrilhão com 47 sinos, o primeiro da América Latina. E quem não se lembra das paradas mariais, da coroação papal de Nossa Senhora, das tradicionais representações da Paixão durante a Semana Santa, do apogeu dos Anais, do negrinho Ximbó e de tantas outras iniciativas?

Hoje, com a venerável idade de 91 anos, ele continua seu trabalho diário como qualquer outro operário. Além de administrar a Pequena Obra, ele acha tempo para escrever livros. Este intrépido Missionário do Sagrado Coração, que nos deu a honra de sua visita, é o Padre Francisco Jassen, cujo nome está gravado perpetuamente nesta colina sagrada. Parabéns, Padre . Francisco! A maratona foi exigente e cansativa, mas o senhor é merecedor da medalha de ouro na Olimpíada da história de Vila Formosa.

Este texto foi escrito em 2004, quando era responsável pela formação dos teologantes MSC). Transferido para a cidade de Itapetininga, SP, durante dois anos fui acompanhante espiritual dos nossos seminaristas em Campinas, e lá me encontrava com o Padre Francisco todos os meses e Deus me proporcionou bons encontros com este sábio padre. Antes de qualquer atividade, entrava nos seus aposentos e lá estava ele sempre atarefado. Era uma oportunidade rara de ouvi-lo. E que sabedoria! Quando completou noventa e cinco anos, felicitei-o e imediatamente me disse: “Muito bom! Estou curioso para ver qual será o final de tudo isso”! Outra vez mencionou o seguinte: “Sabe, sinto já uma nostalgia do céu”! Uma frase que ficou para sempre gravada em minha memória, pois não entendi o significado da palavra “nostalgia”. Vez por outra este seu pensamento vinha a minha mente. Queria decifrar este enigma. Creio que somente uma vida dedicada aos outros, com alegria, já experimenta a eternidade aqui. Aliás, o céu começa aqui e desemboca em plenitude no momento de nossa PASSAGEM! É a Páscoa do Senhor e nossa também. Chegava a celebrar duas ou três missas em várias paróquias de Campinas. Sentado em carrinho de quatro rodas, celebrava como se fosse sua primeira missa. Encantava a Assembleia Litúrgica com sua possante voz e criatividade. Além disso, era uma maneira de se sentir útil e vender seus livros, cujo resultado enviava para a formação dos futuros Missionários do Sagrado Coração. Sempre com a cabeça fervilhando de ideias, escreveu mais de vinte e três livros com a colaboração de. Maria Astride Saad Corradi, paroquiana amiga dos tempos de São José do Rio Preto, a qual revisava e completava seus livros. No ano passado, já cansado pelo peso da idade e devido à perda parcial da visão, resolveu escrever seu último livro, e o título não poderia ser outro: “A verdadeira história de UM SACERDOTE FELIZ”! Vale a pena conferir. Nos últimos três anos, cada vez que terminava de escrever um livro dizia: “Penso que este será o último”. E realmente foi! Na madrugada deste 16 de agosto, um dia depois da festa de Maria assunta ao céu, a quem ele tanto amou, foi elevado ao céu o Padre Francisco Janssen, o ‘VIGÁRIO FELIZ DE NOSSA SENHORA DO SAGRADO CORAÇÃO”.

Padre Chico, com a veneranda idade de 98 anos, ao som dos coros dos Anjos, amante da música clássica e sacra, já vê e ouve o que Deus preparou para aqueles que o amam.

Pe. José Roberto Bertasi, mSC, Reitor do Santuário de N.Sra. da Agonia, Itajubá-MG

O milagre de APARECIDA

Texto: Fr. Fernando Clemente, mSC

O que se pretende ver quando se vai a Aparecida?

Não sei se vai ver uma fonte milagrosa onde mergulham os enfermos para da água saírem sãos, como em Lourdes. Tampouco se vai ao encontro de revelações maravilhosas sobre o futuro e sobre o presente, como em Fátima. Também não se tem notícia de quem vá a Aparecida esperando ouvir o choro da Mãe de Deus pelos pecados da humanidade, como em La Salette… Se não se vai a Aparecida em busca disso tudo, afinal, o que se vai buscar quando nos dirigimos a este lugar santo? O que há ali, de tão extraordinário, que possa atrair tanta gente?

Recordo-me que, certa vez, ao visitar o Santuário Nacional com um grupo de peregrinos estrangeiros, diante da magnitude da basílica, eles buscavam afoitos o nicho onde se encontra a imagem enegrecida da Virgem. Ao encontrarem-na, não puderam deixar de demonstrar certo desapontamento: “Como é pequena a Virgem!…”

Talvez seja precisamente este o motivo que leva tanta gente, todos os anos, a Aparecida: a pequenez da Virgem. De fato, impressiona que uma imagem tão pequena, de material tão pobre – barro! – possa movimentar tantos peregrinos até o Vale do Paraíba. A grandeza de sua casa chega mesmo a contrastar com as dimensões diminutas da imagenzinha em seu magnífico trono. Certa estava Maria, ao proclamar que sua alma glorificava a Deus, porque “ele viu a pequenez de sua serva” (Lc 1, 48). Sua profecia estava correta: todas as gerações continuam a proclamá-la santa. Assim, Aparecida torna-se uma grande lição de Evangelho. Ensina como aquilo “que é loucura de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1 Cor 1, 25), ou ainda, para usar as palavras da própria Virgem, como Deus “depôs poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou.” (Lc 1, 52).

Assim parece ser. A Deus não importam os grandes feitos, as apoteoses quase carnavalescas que às vezes montamos em nossa vida, esperando nelas encontrar a presença de Deus. Pessoalmente, acredito que se Deus tivesse um sobrenome, seria “Sutileza”. Elias soube mais que ninguém deste atributo do Senhor. Ao procurá-lo sobre o monte, não o encontrou no furacão, nem no terremoto, tampouco no fogo: Deus é brisa suave, discreta… quase imperceptível. Há que se ter o coração atento ao seu murmúrio. (Cf. 1 Rs 19) Com efeito, naquele final de tarde de outubro de 1717, muito pouca gente importante veio a saber do encontro da imagem de Nossa Senhora da Conceição, chamada Aparecida, pois apareceu das águas. Maria deixou-se encontrar por pescadores, gente comum do povo, como ela mesma foi.

As obras de Deus parecem ter uma característica comum: a humildade. Tal como no Natal de Jesus, vemos que o anúncio do anjo dirige-se aos pastores para que vão até Belém adorar o salvador (Cf. Lc 2,10), igualmente a perfeita discípula de Jesus vai ao encontro de pescadores e com eles vai dividir a vida e o teto. E mais. Num período em que grassava a crueldade da escravidão, submetendo milhares de africanos e africanas a condições sub-humanas, a Virgem aparece enegrecida…Quase um símbolo eloquente que diz: “Estou aqui, me ponho ao lado de vocês, os mais fracos”. E hoje a situação não difere muito de antes. Basta observar as pessoas que costumam ir ao Santuário Nacional. São pessoas comuns, membros das classes mais simples, trabalhadores e trabalhadoras que, por terem o coração voltado para a realidade humilde do Evangelho, sabem olhar além e ver a ação de Deus na vida humana. Pois Aparecida ensina o mistério de como Deus age na fraca realidade humana.

O barro com que foi modelada a imagenzinha de Aparecida não difere do barro de que é feito o homem mencionado na Escritura (Cf. Gn 2, 7). Sinal perfeito da fragilidade que nos constitui, mas que é amada por Deus e por ele valorizada. Maria, em sua vida terrestre, caminhou por todos os caminhos que caminha toda a humanidade, sem esquecer-se jamais d’Aquele que a habitou e a cujo serviço ela se pôs. Aparecida nos mostra que a ação de Deus não prescinde da nossa humanidade muitas vezes contraditória, mas que dela faz uso, como um pintor que dispõe dos mais diversos tipos de pincel para o seu trabalho. Pinceis nem melhores nem piores, se comparados uns com os outros, apenas diferentes, mas usados para o mesmo fim: expressar em cores a beleza que o artista traz no peito.

Deus deseja salvar. E isto Aparecida também nos ensina. Se ao chegar à basílica não se vê fonte milagrosa alguma a olho nu, temos a oportunidade de lá encontrar uma fonte maior e mais perfeita. A fonte da salvação na qual somos chamados a mergulhar, e dela beber, a transbordar e canalizar suas águas para nossas vidas. Salvação que foi proclamada por Maria em seu canto, e manifestada em sua vida. Salvação aberta a todos os que se dispõem a ter um coração de pobre, confiante em Deus e solidário para com o próximo.

Pois Aparecida é o triunfo dos pequenos, símbolo de uma realidade futura em que os mansos e humildes de coração herdarão a terra. Neste espírito, diante da pequena imagem celebramos todos os dias a Eucaristia, festa e banquete que antecipa a alegria do Céu onde não há melhores nem piores, mas Cristo será tudo em todos. Antecipamos com Maria, em Aparecida, o desejo de sermos todos pequenos como ela, diante do Pai. Filhos como o Filho que ela trouxe no ventre, irmãos entre irmãos, no Reino daquele que só pode amar…

Fr. Fernando Clemente, MSC, é seminarista e atualmente cursa Teologia.