Revista de Nossa Senhora
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Outubro de 2015

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Santidade

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A vocação do cristão é a santidade,

em todo o momento da vida.

Na primavera da juventude, na plenitude do

verão da idade madura, e depois também no

outono e no inverno da velhice, e por último,

na hora da morte.

 

João Paulo II

Paz para esta casa

interna-out-2Desde 1980, convocado a trabalhar como missionário leigo, experimentei uma das riquezas de nossas comunidades eclesiais: a hospitalidade. Já no Evangelho, Jesus instruíra seus enviados:

“Em qualquer cidade ou povoado em que entrardes, procurai saber quem ali é digno e permanecei com ele até a vossa partida. Se a casa for digna, desça sobre ela a vossa paz”. (Mt 10,11-12.)

Sem exagero, após 351 viagens missionárias (tenho todas elas bem catalogadas…), eu teria material para um livrinho bem interessante.Poderia recordar aquela família de Vilha Velha, ES, que encontrou uma receita de Dona Hermengarda (personagem de um de meus livros) e, na hora do almoço, serviu aquele mesmo risotto al zafferano citado em minha crônica. Notável delicadeza!

Ou aquela família que me acolheu no norte de Minas, sem ocultar a tristeza pela ausência do chefe da casa, que deixara as filhas e a esposa.

Ali tivemos um tempo de partilha e oração. Anos depois, com alegria, fiquei sabendo que o marido voltara a seu lar e fora bem recebido.

Outra vez, em São Mateus, ES, fui acolhido na residência de um casal de médicos. Como eu passara por uma cirurgia abdominal na segunda-feira anterior, terminado o encontro de fim de semana, o dono da casa aproveitou minha presença para retirar os pontos da costura.

Não me esqueço de uma passagem por Marabá, PA, quando um galo cantor, alojado bem debaixo de minha janela, não me deixou dormir.

Outra noite insone aconteceu em Tatuí, SP, cidade famosa por sua vocação musical. O som de um baile, à distância de 5 ou 6 quarteirões, parecia ressoar dentro do guarda-roupa.

Em geral, as comunidades que recebem o missionário fazem questão de mostrar as riquezas locais, sua culinária típica. Aí, o pregador acaba provando o creme de cupuaçu e o sorvete de mangaba. Pode ser também que tenha de dormir em uma rede na casa onde ninguém adota camas sulistas…

E não se esqueçam das notáveis demonstrações de fé do povo mais simples. Como naquelas “folhas” da Transamazônica, onde vi as capelas de madeira, bancos de madeira, sem o sacrário, sem uma única imagem de santos, onde o sacerdote passava uma ou duas vezes por ano, mas a comunidade se reunia em oração todas as noites.

E aquele inesquecível fim de semana em Marituba, PA, ao lado do hospital para hansenianos, naquela igrejinha pobre por onde passou João Paulo II, ajoelhando-se para rezar.Para não idealizar a realidade, devo citar também as poucas vezes em que nossa equipe de evangelização foi mal instalada, como naquele colégio abandonado, em Itabira, MG, onde as baratas fizeram uma longa procissão noturna e os chuveiros ficavam logo junto à porta do banheiro, exigindo que um de nós ficasse de guarda enquanto o outro tomava banho.

Na hora da chegada, às vezes éramos recebidos com faixas de boas-vindas. Na hora da partida, podiam surgir algumas lágrimas. Mas em todas as situações, o missionário ia descobrindo que formamos todos uma só família que o Espírito reuniu de todos os quadrantes…

Antônio Carlos Santini,
Comunidade Nova Aliança

Chorar diante do Sacrário

interna-out-3Duas irmãs foram ao mesmo templo, assistir às mesmas cerimônias, falar ao mesmo Deus e ouvir o mesmo pregador. Uma era emotiva e a outra reflexiva. A formação pessoal assimilada, o grau de escolaridade e o temperamento fizeram a diferença.

A emotiva, cujas lágrimas afloravam por qualquer mexida de alma, chorou cinco vezes, levou as mãos ao peito a cada novo comando, fechou os olhos quinze vezes. Obedecia a todas as sugestões do pregador que acentuava fortemente a religião do clamor. Molhou dois lenços. Voltou para casa sentindo que, outra vez fora tocada pelo Espírito Santo, pela Palavra de Deus e pela palavra do pregador.

Sua irmã, que veio com o marido e a filha adolescente, ouviu tudo serenamente, não pôs as mãos no peito, não fechou os olhos, discordou de algumas colocações do pregador sobre educação dos filhos e sobre política, concordou com outras e processou, ali mesmo, todas as informações que recebia.

Advogada que era, viu valor em algumas reflexões e achou outras simplistas demais. O pregador evidentemente não era versado nem em psicologia, nem em sociologia. Falou de demônio cinco vezes e em contexto questionável. Nem todo desvio de conduta é artimanha de satanás. Saiu de lá sentindo-se tocada por Deus, porque pôde refletir mais uma vez sobre a dor humana e porque, mesmo não tendo vertido uma lágrima, ouviu o suficiente para prosseguir sua luta diária na sua profissão de defender e aproximar pessoas.

Chorar e emocionar-se nem sempre é sinal de toque do céu, mas pode ser. Ficar impassível e não molhar, nem mesmo o canto dos olhos, não é sinal de que o fiel não foi tocado por Deus. Nem sempre religião rima com emoção e nem sempre piedade rima com impassibilidade. Cada caso deve ser analisado.

Quanto aos pregadores que carregam pesadamente na emoção do povo e lhe massageiam o coração, poderiam, ao menos algumas vezes, falar para a cabeça e massagear o cérebro. Precisamos de sentimentos preferivelmente profundos e não à flor da pele. Precisamos de pensamentos igualmente sólidos e profundos.

De um pregador americano de “revivals”, que acreditava em clamores e lágrimas e investia pesadamente no quesito lágrimas, comenta-se que, ao invés de dizer “oremos”, a depender do que dizia, exclamava “choremos”. Um painel na parede acendia com as letras “Let us pray” ou “Let us cry”. E o povo chorava alto, a cada novo comando. Ele rimava religião com emoção. Seus fiéis, também! Se era o melhor pregador aquela igreja? A resposta está em mais de vinte livros de psicólogos que analisam o sentimento e a emotividade das massas. Um dia eu talvez escreva um com o titulo: “Chorar diante do sacrário”. Podem ter certeza que não será negativo. Tudo depende do antes e do depois daquelas lágrimas…

Pe. Zezinho, SCJ, é músico e escritor. Tem aproximadamente 85 livros publicados e mais de  115 álbuns musicais.
www.padrezezinhoscj.com

Vinde e vede: Os três primeiros discípulos

interna-out-1A grande expectativa

É o terceiro dia desde o interrogatório feito a João Batista, o qual se encontra no mesmo local do dia anterior. Ele é um profeta estático. Não vai ao encontro das multidões. Não fica andando de um lugar para outro. Permanece ali no outro lado do rio Jordão, em Betânia, enquanto dura a sua missão, que só termina quando Jesus começa a sua. Assim que Jesus tiver passado adiante dele, não aparecerá mais nesse local. João Batista não está sozinho, mas acompanhado de alguns discípulos, que escutaram seu anúncio e receberam o seu batismo. O evangelista João diz que, naquele momento, João Batista estava acompanhado de dois discípulos. Eles pertencem a um grupo mais numeroso. Assim como João Batista, os discípulos também estão na expectativa. Ele já tinha reconhecido o Messias, mas os discípulos ainda não.

Jesus volta ao local  do seu batismo

A passagem de Jesus naquele local não é casual, pois tem uma força que atrai e cativa.. Jesus se coloca adiante, toma seu lugar já previsto por João Batista. É o momento da mudança. João Batista fica para trás. Ele deixa de ser precursor, porque Aquele que foi anunciado está começando o seu ministério público. João Batista pronuncia sua declaração solene na presença de dois discípulos. Repete o que já tinha afirmado a todo o povo: – “Eis o Cordeiro de Deus” (João 1,36). Nesta afirmação já está implícito, que este trará a libertação definitiva, pois a expressão “Cordeiro de Deus”, quer dizer, “Filho de Deus”. João Batista não fala aqui que, será ele que vai tirar o pecado do mundo.Aqui só define Jesus com duas palavras – “Cordeiro de Deus”. – Não faz um longo discurso para convencer seus discípulos. De uma forma livre e generosa, João Batista cede a Jesus seus discípulos e sai de cena

Os dois primeiros discípulos:

A reação dos dois discípulos é imediata. Eles entenderam a mensagem de João Batista. Um é André e o outro, pelo que podemos deduzir, é o próprio João, autor do evangelho. Seguir a Jesus indica o desejo de viver com ele e como ele, aceitar seus ensinamentos e fazer parte de sua missão. O verbo “seguir” significa caminhar junto com alguém que aponta o caminho e que dá uma direção na vida. Este verbo expressa a resposta dos discípulos diante da afirmação solene de João Batista. Os dois finalmente encontram a quem esperavam e, sem vacilar, a ele aderem imediatamente. Aqui no evangelho de João, não se fala que eram pescadores, como fazem os sinóticos (Mateus 4,18-22), mas são apresentados como discípulos já instruídos e preparados para o seguimento do Mestre. É uma decisão sem retorno.

O que estais procurando

Tem o mesmo sentido da pergunta: – O que buscais? – Jesus está consciente de que os dois o seguem. O caminho percorrido em silêncio marca a expectativa da novidade. A busca só alcança seu objetivo com a iniciativa de Jesus. A pergunta de Jesus está no presente e é válida para todos. É um convite para que cada um examine o motivo do seguimento. Aqui Jesus não faz nenhuma referência a sua pessoa e nem coloca condições para este convite implícito. É uma pergunta aberta a todos. Jesus quer saber os desejos que eles têm em seus corações. Pode haver motivos bem diversos para seguir alguém. Por isso, pergunta-lhes o que eles estão procurando; o que esperam dele e o que acreditam que ele lhes possa dar. O evangelho de João diz que há também seguimentos equivocados, adesões a Jesus que não correspondem ao que ele é e nem à missão que realiza (João 2,23-25). Como ressoa dentro de mim esta pergunta feita por Jesus? – Por qual motivo eu estou seguindo a Jesus?

Mestre, onde moras?

Os discípulos respondem com outra pergunta, que à primeira vista significa: – “Onde te alojas?” – Porém, em nível mais profundo tal pergunta investiga o grande mistério da morada transcendente de Jesus. Os dois dão a Jesus o título respeitoso de “Rabi”, que significa “um mestre qualificado”, indicando assim que o tomam por guia, dispostos a seguir suas instruções. Reconhecem que Jesus tem algo a ensinar-lhes que eles ainda não conhecem. Os discípulos querem agora saber onde Jesus mora, lugar diferente de onde estava João Batista. Deixam seu antigo mestre sem conflitos, competições ou disputas. João Batista é um homem livre e não prende ninguém em sua pessoa. Os dois, por sua vez, estão dispostos a dar o passo para estar com Jesus.

Vinde e vede

Jesus atende imediatamente ao pedido implícito feito na pergunta dos dois. Agora vem o convite direto e claro, o de experimentar a convivência com ele. É nesta convivência com o Mestre que eles encontrarão a resposta que estão procurando. Jesus reside no lugar onde ele acampou: – “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (João 1,14). Ele está no campo da vida, onde Deus está presente no meio da humanidade. Por isso, esse lugar não se pode conhecer por mera informação, mas unicamente por experiência pessoal: – “Vinde e vede”. – O lugar onde vive Jesus é a manifestação da luz e está em oposição às trevas. É o lugar da vida em plenitude e está em oposição ao mundo. Luz e treva estão sempre em oposição.

André reconquista seu irmão

A experiência de André, no seu contato com Jesus o tocou profundamente. Imediatamente sente necessidade de comunicar tal descoberta. Em primeiro lugar dará a notícia ao seu irmão Simão. O indicativo “primeiro” indica que a atividade de André não terminou com o convite feito ao seu irmão. Simão Pedro, embora, como André, fosse de Betsaida, no norte do país, encontra-se naquelas paragens, atraído pelo movimento das multidões, suscitado por João Batista, mas não escutara sua mensagem e nem tinha seguido Jesus. André dá a notícia ao seu irmão nestes termos: – “Encontramos o Messias”. – A experiência é comunitária. Simão Pedro também esperava o Messias. André anuncia-lhe que a espera terminou. Simão não se aproxima de Jesus por iniciativa própria, mas deixa-se conduzir por seu irmão André. Em toda a cena não pronuncia nenhuma palavra. Neste momento não demonstra nenhum entusiasmo pela pessoa de Jesus. Simão Pedro, embora estabeleça contato pessoal com Jesus, não diz nada. Sua atitude fica suspensa. É o único dos quatro mencionados que não expressa nada, que não fala nenhuma palavra.

Dom Agenor Girardi, MSC é Bispo Diocesano de União da Vitória – PR