Revista de Nossa Senhora
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Vamos ouvir a Igreja?

Publicado em 29 de agosto de 2013 / Reportagens >

intern21Há quase 25 anos, pertenço a uma comunidade católica cujo carisma é a obediência. Em detalhes: “obediência amorosa e incondicional à Igreja”. Por isso mesmo, encaro sempre com certo espanto a atitude – cada vez mais frequente – daqueles que se julgam no direito de contestar (ou ignorar) a voz da Igreja de Jesus Cristo. Como no caso daquela freira que, ao ouvir falar de nosso carisma, fez cara de nojo e exclamou: – “Obedecer à Igreja?! Mas é a Deus que nós devemos obedecer!”

Claro: é mais fácil obedecer aos deuses que habitam a ionosfera ou as escarpas do Olimpo do que obedecer ao Deus que fala por mediações humanas, como o coordenador de equipe, o senhor vigário, o excelentíssimo bispo diocesano ou um simples pai de família. O fato de serem essas mediações pessoas imperfeitas e pecadoras de nenhum modo lhes tira o caráter de falarem em nome de Deus.

Caso concreto de desobediência franca (e descarada) ocorre em relação ao Concílio Vaticano II, quando os Padres conciliares, iluminados pelo Espírito, produziram documentos solenes sobre a Igreja, sua natureza e missão, sua liturgia, suas relações com as outras religiões, a situação dos fiéis na cidade dos homens etc. Prontamente ergueram-se vozes dissonantes para discordar do Magistério eclesial ou, no mínimo, fazer a pergunta desajeitada: “Posso desconsiderar o Vaticano II?!”

No prefácio de seu livro [O que diz o Concílio Vaticano II, Ed. Cultor de Livros, São Paulo, 2012, 102p.], minha amiga Margarida Hulshof parte dessa constatação:

“O Concílio Vaticano II foi, sem dúvida alguma, um acontecimento extraordinário, que marcou profundamente os rumos de nossa Igreja. Mas tem sido também alvo de muitas controvérsias, debates e críticas. Tem sido, muitas vezes, mal interpretado, e usado como pretexto para diversos tipos de desvios e rebeldias que ele, na verdade, não autoriza.”

Margarida tem razão. Boa parte desses críticos nem chegou a ler (menos ainda: a meditar em oração) a íntegra dos documentos conciliares. Basta que um parágrafo desminta a vertente ideológica do eventual leitor para que este sofra um acesso de alergia intelectual e sua língua destile o veneno da rebeldia.

Escreve a Autora: “Algumas vezes, essa ‘rebeldia’ se manifesta na forma de um apego exagerado à tradição anterior ao Concílio, como se toda e qualquer renovação posterior a ele fosse prejudicial à Igreja e devesse ser combatida, ainda que à revelia da legítima autoridade.”

Aí está o nervo exposto. Em tempos de individualismo sem freios, a simples menção de uma “autoridade” desencadeia a síndrome de Gênesis 3: eu mesmo decido o que é bom e o que é mau… Ora, diante de uma Igreja que é Mãe e Mestra (ah! que saudade de João XXIII!), o fiel só pode agir como filho e discípulo. Mãe é para ser amada, não acusada nem condenada.

Essa recusa de uma atitude filial pode explicar muitas defecções, muitas resistências, muitas heresias. Procura-se por uma Igreja à moda da casa, uma Igreja “do meu jeito”, uma Igreja que se adapte à minha filosofia, à minha moral particular, a minhas comodidades. Não admira que muitos batizados andem saltando de galho em galho, em autêntica ginástica religiosa, passando de Igreja em Igreja, em busca da versão mais fácil do Evangelho.

Convido o leitor a examinar com atenção o novo livro de Margarida Hulshof. Com disciplina e carinho, ela nos fornece um resumo eficiente dos documentos conciliares – que a grande massa de fiéis ainda ignora – e nos ajudará a degustar com gratidão esse rico acervo de doutrina, alimento seguro para nossa caminhada entre pedras e espinhos.

Alguns vêm pedindo por um Vaticano III. Tudo bem. Mas não seria o caso de, antes, viver o Vaticano II?

Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.