Desde 1980, convocado a trabalhar como missionário leigo, experimentei uma das riquezas de nossas comunidades eclesiais: a hospitalidade. Já no Evangelho, Jesus instruíra seus enviados:
“Em qualquer cidade ou povoado em que entrardes, procurai saber quem ali é digno e permanecei com ele até a vossa partida. Se a casa for digna, desça sobre ela a vossa paz”. (Mt 10,11-12.)
Sem exagero, após 351 viagens missionárias (tenho todas elas bem catalogadas…), eu teria material para um livrinho bem interessante.Poderia recordar aquela família de Vilha Velha, ES, que encontrou uma receita de Dona Hermengarda (personagem de um de meus livros) e, na hora do almoço, serviu aquele mesmo risotto al zafferano citado em minha crônica. Notável delicadeza!
Ou aquela família que me acolheu no norte de Minas, sem ocultar a tristeza pela ausência do chefe da casa, que deixara as filhas e a esposa.
Ali tivemos um tempo de partilha e oração. Anos depois, com alegria, fiquei sabendo que o marido voltara a seu lar e fora bem recebido.
Outra vez, em São Mateus, ES, fui acolhido na residência de um casal de médicos. Como eu passara por uma cirurgia abdominal na segunda-feira anterior, terminado o encontro de fim de semana, o dono da casa aproveitou minha presença para retirar os pontos da costura.
Não me esqueço de uma passagem por Marabá, PA, quando um galo cantor, alojado bem debaixo de minha janela, não me deixou dormir.
Outra noite insone aconteceu em Tatuí, SP, cidade famosa por sua vocação musical. O som de um baile, à distância de 5 ou 6 quarteirões, parecia ressoar dentro do guarda-roupa.
Em geral, as comunidades que recebem o missionário fazem questão de mostrar as riquezas locais, sua culinária típica. Aí, o pregador acaba provando o creme de cupuaçu e o sorvete de mangaba. Pode ser também que tenha de dormir em uma rede na casa onde ninguém adota camas sulistas…
E não se esqueçam das notáveis demonstrações de fé do povo mais simples. Como naquelas “folhas” da Transamazônica, onde vi as capelas de madeira, bancos de madeira, sem o sacrário, sem uma única imagem de santos, onde o sacerdote passava uma ou duas vezes por ano, mas a comunidade se reunia em oração todas as noites.
E aquele inesquecível fim de semana em Marituba, PA, ao lado do hospital para hansenianos, naquela igrejinha pobre por onde passou João Paulo II, ajoelhando-se para rezar.Para não idealizar a realidade, devo citar também as poucas vezes em que nossa equipe de evangelização foi mal instalada, como naquele colégio abandonado, em Itabira, MG, onde as baratas fizeram uma longa procissão noturna e os chuveiros ficavam logo junto à porta do banheiro, exigindo que um de nós ficasse de guarda enquanto o outro tomava banho.
Na hora da chegada, às vezes éramos recebidos com faixas de boas-vindas. Na hora da partida, podiam surgir algumas lágrimas. Mas em todas as situações, o missionário ia descobrindo que formamos todos uma só família que o Espírito reuniu de todos os quadrantes…
Antônio Carlos Santini,
Comunidade Nova Aliança