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Diário de Missão: Ilha do Açaí

Publicado em 1 de abril de 2011 / Abril - 2011 > Edições >

A comunidade está em festa! Estão celebrando o Santo Padroeiro, por isso pessoas de todos os cantos, de todos os sítios estão ali.

Texto: Pe. Reuberson Ferreira, mSC

Após a infeliz estada na Comunidade Nossa Senhora Auxiliadora, por causa da falta de cristãos-católicos, e da frustração em São Filipe pela inexistência de pessoas, chegamos à Ilha do Açaí. Como o próprio nome denúncia, trata-se de uma pequena ilha onde pés de açaí estão fortemente fincados por todos os lados. Não há mais que quinze pessoas, divididas em duas famílias. Surpreendentemente, ao chegarmos somos ovacionados por uma multidão. O que teria acontecido? A comunidade está em festa! Estão celebrando o Santo Padroeiro, por isso pessoas de todos os cantos, de todos os sítios estão ali.

Os povos indígenas – nessa comunidade, Barés – são assíduos aos sacramentos e gostam de celebrar a festividade dos santos. É uma pluralidade de simbolismos. Há um esquema estrito para celebrá-la, uma herança cultural que remonta aos Carmelitas, aos Franciscanos e aos Salesianos que, em tempos diferentes, estiveram a seu modo, nesta região do Alto Rio Negro.

São, geralmente, três dias de festa. No primeiro dia ergue-se o mastro. Nos dois dias que antecedem a celebração são rezadas, piedosamente, em “latim indígena” a ladainha do Santo padroeiro e acesas uma quantidade enorme de velas. Após a oração, em fila indiana, beijam-se as fitas que estão atadas ao Santo e segue-se para o salão onde haverá muito Caximauará, dança típica da região. Durante o dia muita festa, muita bebida e comida distribuída, com fartura e gratuitamente, para todos. A bebida é um capítulo triste nessa história. Não poucas vezes, eles exageram e terminam embriagados, apontando para o alto nível de alcoolismo na região.

Alguns personagens nestas festas são dignos de nota: O Juiz de Mastro, o Mordomo, o Promesseiro, o rezador e o festeiro. O primeiro é aquele que levanta o Mastro e, no inicio da festa, auxiliado pelo Mordomo, é responsável por tirar esmola nas casas e servir comida durante o dia a todos. O promesseiro tem a obrigação de oferecer, para “pagar” ao santo a graça alcançada, comida e bebida durante todo o dia a quem chegar à comunidade, inclusive o Padre. Ao rezador, cabe a missão de, sem desafinar, enganar-se ou trocar alguma palavra, rezar a ladainha e as orações festivas. O festeiro é aquele que responde pelo último dia da festa, o mais importante. Por isso deve haver muita fartura desde comida, passando por bebidas até balas para as crianças. A ele cabe, também, pouco antes do fim da festa, lançar ao rio, com uma ritualidade singular, uma espécie de castelo feito de bambu e papel seda cheio de velas como oferenda a Deus que se manifesta através da Natureza.

Nesse universo do primeiro para o segundo dia fiquei na comunidade. Cheguei ao entardecer, passei a noite e no dia seguinte celebramos a missa. Todos passaram a noite dançando e divertindo-se ao som do Caximauará. Imaginei que a missa não tivesse boa frequência, contudo, ao dobrar dos sinos, uma multidão dirigiu-se à capela. Muitos com marcas de sono, outros com dificuldade para ficarem em pé, mas todos estavam lá, silenciosos, beneditinos. Tentava imaginar, nesse universo misterioso do povo indígena, a relação profunda que eles têm com a religiosidade. Mesmo imersos numa festa com traços pouco cristãos, dão-se conta da grandeza da Eucaristia, da altivez da fé, da magnitude de Deus. Prova disso era a intensidade com que participavam da oração eucarística, com que cantavam e com que faziam preces a Deus. Bendito seja o Senhor!

Pe. Reuberson Ferreira, mSC trabalha no Alto Rio Negro, Diocese de S. Gabriel da Cachoeira(AM).

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