Revista de Nossa Senhora
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O Desafio: transformar desafios em experiência de Deus

Hoje vivemos uma situação complexa, onde o novo e o velho, o passado e presente se contradizem, e o futuro aparece como uma incógnita, sem se apresentar com muita clareza aonde tudo vai chegar. É o tempo de luzes e sombras. Andamos com as sombras do passado, e pior, com as sombras do futuro, que vem ao nosso encontro, apesar de não sabermos onde é o caminho. Aqui entra a confiança da resposta dada a Jesus por Tomé, quando este quis saber qual era o caminho e o Senhor lhe respondeu: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. (cf. Jo 14, 5-7). Essa é nossa confiança de seguir em frente quando é Ele que nos conduz pelos prados, campinas e cidades.

SOMBRAS E LUZES

Corremos o risco de viver da herança do passado num tempo onde tudo vai mudando com a rapidez da luz. “Tudo o que foi não será”, diz uma canção. Ante uma historia já vivida, podemos querer repeti-la como a única provada e possível de dar certo; ou, partir para experimentar outras possibilidades e inaugurar o novo. Com a primeira atitude, nosso olhar estaria sempre em manter as coisas como estão, sem adaptação, como um projeto imutável que desde sempre esteve ali. Esquecemo-nos de que um dia tudo foi iniciado e construído lentamente até chegar ao lugar conhecido.

Mas com a mudança do tempo, as necessidades vão sendo outras e a vida vai sendo remodelada de tal maneira que agora tudo necessita ser revisto. Necessitamos de novas maneiras para viver e dar sentido à vida.

Isso se passa com a vida na nossa missão; muita coisa feita anteriormente e com muito esforço, vai ganhando novas configurações. A gente escuta muita gente quando chega a um lugar novo e vai descobrindo os caminhos percorridos e uma serie de dificuldades já superadas que facilitam o caminho hoje. Mas também a dinâmica da vida nos coloca outros desafios que nascem dentro do processo pastoral e a realidade nos convoca à releitura constantemente. Os desafios estão sempre presentes.

MARCOS QUE ATRAVESSAM A REALIDADE

Se um dia a vida foi mais rural, hoje o mundo tem um jeito mais de cidade em todos os aspectos. Não encontramos lugar nenhum que não esteja influenciado pela tecnologia e pelo estilo de vida urbana. O campo e a cidade, hoje, estão cada vez mais parecidos. Em todo lugar, a televisão e os telefones estão presentes. Toda comunidade, seja de periferia, na cidade ou no campo, tudo está conectado à globalização. Ninguém pode se sentir separado ou atrasado com relação à evolução tecnológica. O mundo se urbanizou. As contradições se igualam em todos os níveis.

Mas o que isso significa para evangelização (a missão) e, sobretudo, para a vivencia do Evangelho?

No bairro onde moramos, quase todo mundo que ali vive, veio do “interior”, nos últimos 20 anos. Eles não tinham grandes propriedades, tampouco alguma forma de emprego garantido, o que os empurrou para a periferia da cidade. Naquele tempo, quando o bairro estava se formando, muitos armaram suas casas de madeira e taquara no meio do capinzal, antes das precárias ruas de hoje. Não carregavam nada, a não ser a esperança de vida melhor. Muitos eram recém-casados, por isso seus filhos/as somente conheceram a periferia e suas dificuldades. Os pais ainda traziam muito de suas crenças e sabedorias tradicionais e os filhos nasceram no ambiente de cidade.

Hoje ninguém fala de sair daqui. Dizem-se contentes com a vida e todas as dificuldades são superadas com esforço pessoal, sem nenhuma ajuda das autoridades. Não se identificam mais com o campo, perderam suas raízes religiosas. Muitos ainda carregam os antigos costumes como a bênção da casa quando morre uma pessoa; a confiança na água benta para deixar a casa longe dos maus espíritos, e, sobretudo, a relação familiar tradicional do campo. Mas as coisas seguem mudando porque os descendentes não acompanham os pais na tradição e são quase indiferentes à religião.

O trabalho de evangelização, agora, praticamente é uma situação que implica novas atitudes e busca de caminhos novos. Por isso, é necessário uma ação mais inserida, de menos resultados e com mais sondagem no intuito de saber por onde passam as novas experiências da fé. Numa complexidade que mistura os pais impotentes na condução de seus filhos/as, a entrada sem piedade para o mundo da droga, a inserção no mundo do consumo e uma multidão de novas gerações sem rumo. A evangelização é um tema complexo e difícil, mas cheio de desafios que nos aproximam mais da espiritualidade do caminho.

CONCLUSÃO

Agora, o desafio é transformá-los em experiência de Deus. Não vai ser diferente, mas a vocação exige a profundidade de espiritualidade para encarar as contradições da realidade atual e transformá-la em lugar de experiência do Evangelho.

Hoje, encontramos Jesus nascendo, se encarnando nas novas realidades da vida humana; onde há um sinal de solidariedade está nascendo a presença amorosa de Deus, naqueles que fazem alguma coisa para testemunhar a sua fé. Não é um tema de espetáculo como nos grandes shows religiosos, nem multidões nas procissões. Mas é a experiência religiosa que nos convoca para escutar a presença amorosa de Deus cada vez mais difusa no meio de novas formas de vida.

É o tempo das pequenas iniciativas, de insistir nos pequenos grupos e muita coordenação entre si, senão tudo se perde, fragmentando ainda mais a pouca união que existe. Mas isso dá trabalho e exige paciência.

Pe. Antonio Carlos de Meira, MSC, é missionário no Equador

 

CAROS LEITORES,

Vocês vão estranhar uma publicação de novembro, sem nenhuma matéria sobre Finados, não é mesmo?

Mas não é bem assim. Mais importante que falar de morte, é falar sobre a esperança na ressurreição, e isto é o que não falta nessas páginas que vocês vão ler.

Vejam, por exemplo, a coluna sobre Espiritualidade, de Dom Agenor Girardi, MSC, sobre a vocação de Mateus: àqueles que estavam mortos no pecado, Jesus vem trazer a vida, “Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores”.

Vejam o artigo sobre o Coração de Jesus, enfocando a virtude da gratidão, resposta amorosa do homem, retribuindo à misericórdia de Deus; leiam a página de Catequese, falando da Igreja-Comunidade, santa e pecadora, lugar onde experiências de morte nos levam à conversão que é vida e ressurreição; vejam ainda Maria, Mãe da esperança, ela que é chamada Virgem da Ressurreição.

Vocês vão ler ainda o Padre Zezinho, a página missionária, a liturgia e tantas outras que destilam gotas de esperança, de vida e ressurreição.

Caros leitores, envolvam-se com mais esse número de nossa revista e continuem crescendo cada vez mais como pessoas, e pessoas cristãs.

A REDAÇÃO.

Como definir a vocação…

Vocação é palavra que frequentemente tem sido usada para rotular um chamado ao sacerdócio ou à vida consagrada. Contudo, vocação, em sentido mais amplo, simplesmente quer dizer “chamado” e, como tal, o termo não pode ser confinado ao sacerdócio ou à vida religiosa somente. Outros modos de vida são tão vocacionais quanto o sacerdotal ou religioso. Portanto, se vocação é “um chamado”, devemos nos preocupar em dar atenção a isso, de modo que possamos conhecer o seu significado mais preciso.

Como pessoas, somos chamados pelo arranjo providencial das circunstâncias, pelas realidades da vida, pelas nossas próprias limitações e potenciais, pelo nosso momento histórico e pelas nossas próprias necessidades intelectuais e psicológicas.

Quando seguimos os ensinamentos dos padres e doutores da Igreja, quanto a este assunto, começamos a entender que a vocação encontra-se no arranjo providencial dos aspectos significativos da vida e pela graça que recebemos para fazer em face de tais situações. Assim, a origem da vocação está sempre no chamado divino. O processo de ouvir e passar pelo crivo do arranjo providencial dos aspectos significativos na vida pessoal, bem como a graça de buscar a verdade da situação individual e de determinar a resposta mais sincera ao amor de Deus é chamado “discernimento”.

Para discernir o chamado de uma pessoa para o sacerdócio, para a vida religiosa ou para o ministério religioso, torna-se extremamente importante ter em mente que essa vocação específica é, primeiramente, um chamado para a dedicação da vida ao serviço de Deus. Como tal, é muito diferente da simples decisão de escolher uma carreira em particular. Não é simplesmente um chamado para fazer algo, embora isso possa ser parte da resposta.

O processo para discernir o chamado de uma pessoa é o esforço, tanto humano como divino, de escolher um estilo de vida que expresse melhor resposta com respeito ao amor e ao cuidado providencial de Deus. Esse proceso nunca pode ser exercitado sozinho, visto que reclama pela interação de duas pessoas: a pessoa do vocacionado e a pessoa de Deus. Assim, o discernimento é algo inerente ao contexto do relacionamento pessoal com Deus.

Outro ponto importante no processo de discernimento vocacional é a oração. Estar sempre orante e na presença de Deus, é indispensável para um bom discernimento vocacional. Só assim, o vocacionado pode dar uma resposta a esse nosso Deus providente que o chama. Assim, podemos afirmar que vocação é a resposta de um Deus providente a uma comunidade orante. Aqueles(as) que ouvem o chamado devem procurar discernir e responder para que estão sendo chamados(as).

Pastoral Vocacional MSC

O bonito de ser católico

Texto: Pe. Zezinho, SCJ

Há poucos dias alguém me perguntava o que havia de bonito em ser católico. Comecei pelo “Senhor tem piedade” e terminei pelo “Cordeiro que tiras o pecado!” Acentuei a doutrina do perdão, dos bem-aventurados e salvos, dos perdoados e perdoadores, a universalidade, a busca permanente da unidade, o desejo sincero de auto-superação, os sacramentos e a eucaristia. Listei pelo menos cinquenta valores!

Posso imaginar o bonito de ser judeu, islâmico, ortodoxo ou evangélico. Se acho bonito ser católico, porque não seria bonito para eles ser membros das religiões e igrejas nas quais se sentem mais próximos de Deus? Um ex-crente afirmava, num artigo recente, que, agora, sua vida era mais livre e mais bonita. O ateísmo o libertara! Como não estou na pele dele, não o julgo. Sei de crentes e ateus felizes e de crentes e ateus infelizes. Ele parecia estar feliz! Bom para ele e bom para mim, que também sou feliz!

Mas não é tudo assim tão automático! Não é por comprar novos aros e novas lentes que enxergarei melhor. Não é por ir ao culto e sentir emoções que me torno automaticamente bom católico. Mas se as lentes me ajudarem a sair da minha miopia e, se a intervenção a laser me corrigir as distorções, certamente verei melhor e, se tiver uma boa visão de mundo e de pessoa, serei mais feliz. Isto de ser feliz tem muito a ver com as visões e abrangências do coração.

A religião pode ajudar oferecendo serenidade, posto que os serenos costumam ser mais felizes. Minha Igreja me oferece isto! Sinto pelos outros que não acham pedagogia e perdão no catolicismo. Eu acho!

Aqui entram as religiões e igrejas bonitas! Vão além da estética de seus cultos e da ousadia de suas promessas e milagres. Jesus caracteriza isso com os conceitos de mansidão, coragem, abertura de coração, defesa firme da vida em todos os seus estágios! Chega-se ao céu através do que se faz pela vida na Terra! Corre o risco de perder o céu quem brinca de dono da vida e da verdade!

Proclamo que é bonito ser católico não apenas por ver o que Deus fez e faz por meio dos seus santos, nem apenas pelos santos que ele fez e faz. Os santos são corolários. Essencial é a busca da justiça e da paz! Proclamo que é bonito ser católico não apenas pelas nossas doutrinas, que acho elevadas, exigentes e até difíceis de cumprir, mas pela compaixão e misericórdia implícitas nos cultos e nos sacramentos que celebramos. Proclamo, ainda, que é bonito ser católico quando olho para o Vaticano com suas enormes colunas em curva, que parecem dois braços abertos e sem portões. Entra quem quer e sai quem quer para ouvir nossa mensagem proclamada nas quartas feiras, pelo Sumo Fazedor de Pontes, o Papa.

Em cima daquelas colunas há inúmeras imagens de santos de ontem a lembrar aos de baixo, candidatos de hoje à santidade de sempre, que sem abertura de coração e de mente não vai dar certo! Não, num mundo carente de diálogo e cada dia mais distante dele!

Mais: gosto da coragem dos papas e dos bispos que não têm medo de dizer o que deve ser dito e conseguem dizê-lo de um jeito diplomático e humano. Diria muito mais, mas foi um pouco do que eu disse!

Pe. Zezinho, SCJ é músico e escritor. Tem aproximadamente 80 livros publicados e mais de 115 álbuns musicais.

LEIA ANTES

Caro(a) leitor(a),

Há pessoas que costumam ler livros e jornais começando de trás pra frente, acredita?

O ideal é ler antes a primeira página, a relação dos temas, o sumário que vai apontar e comentar as matérias. Trata-se de uma espécie de aperitivo que vai estimular a refeição para digerir as palavras, literalmente como diz o profeta: “ Vi tuas palavras e as devorei”.

Na sequência de artigos sobre o Coração de Jesus, Padre Cortez, atualmente fazendo uma experiência missionária em Angola, na África, comenta a palavra de Paulo apóstolo, na segunda carta aos Coríntios: “Charitas urget nos”, o amor de Cristo nos impele, nos impulsiona.

Ele nos ensina a plenitude do amor, que não se reduz apenas a um mandamento, mas se torna algo concreto e vital. Citando o Papa Bento XVI, lembra que o programa de Jesus é “um coração que vê”, que olha e observa onde há necessidade de amar e ali atua.

Em Atualidade Litúrgica, Frater Rodrigo fala da importância do silêncio em nossas celebrações. Quando acolhido, ele se torna oração.Padre Paulo Roberto, na catequese do Credo do povo de Deus, escreve sobre a nossa profissão de fé no Espírito Santo. É o Advogado, o Defensor, Aquele que ilumina, inspira e nos leva ao discernimento. O caro leitor vai encontrar tudo isso e ainda a coluna de Espiritualidade, da lavra de Dom Agenor Girardi, a página com sugestões para as celebrações litúrgicas, a sempre aguardada colaboração do Padre Zezinho e as notícias das missões do Equador.

Não sei se o nosso leitor está sabendo que, ultimamente, no prazo de menos de 20 dias, dois de nossos confrades MSC, ambos com a venerável idade de mais de 90 anos, tendo combatido o bom combate, foram bater à porta do céu a fim de receber aquela coroa dos justos, de que fala São Paulo. Trata-se do Padre Arlindo Giacomelli, o abnegado pastor que, por mais de 60 anos, pastoreou almas na região do sul de Minas, e do Padre Francisco Janssen, cuja rica biografia vai aqui retratada na pena do Padre José Roberto Bertasi.

Caros leitores, eis aí um prato cheio para uma leitura proveitosa e saudável.

A REDAÇÃO.

Um Sacerdote Feliz!

Padre Francisco Janssen partiu para a casa do Pai no dia 16 de agosto deste ano. Aos 98 anos de idade entregava a sua vida a Deus e marcava no coração da terra o seu sinal de otimismo, trabalho e esperança na vida. Fundador desta revista, idealizador do Santuário de Nossa Senhora do Sagrado Coração, ele recebe a nossa homenagem pelos frutos do trabalho que ainda hoje espalha esperança e alegria no coração dos que frequentam este Santuário. Padre José Roberto Bertasi, mSC, escreve sobre este missionário que, há mais de 70 anos, deixou a Europa para trabalhar em nossa terra e aqui viver uma vida fecunda de dedicação ao povo.

 “O VIGÁRIO FELIZ”

No ano de 2004, aos 91 anos, lúcido, alegre, disposto e com a mesma potência de voz quando mais jovem, ele voltou a encantar seus ouvintes, no domingo, dia 22 de setembro, no Santuário Nossa Senhora do Sagrado Coração. Foi uma breve visita a fim de matar a saudade, rever os amigos, ouvir novamente o carrilhão e contemplar o majestoso templo fincado na colina sagrada, do qual foi idealizador e construtor. Ele mesmo se sentiu surpreso com a acolhida dos fieis e como ainda era lembrado. Uns diziam: “Eu fui seu coroinha”; “o Sr. me convidou para fazer parte da Legião de Maria”; “o Sr. fez minha Primeira Eucaristia”; “o Sr. celebrou meu casamento”. Muitos queriam abraçá-lo ou apenas dizer uma palavra amiga. Tranquilo e humilde como sempre, atendia a todos com bondade e quando aplaudido, gesticulava com as mãos, pedindo um basta.

Toda esta admiração do povo de Vila Formosa tem uma motivação ímpar, ou seja, o padre idoso que estava ali, viveu longos anos por aqui desde quando era um jovem padre. Entusiasta, admirador da arte e de grandes ideais, não se conformou ao chegar aqui e constatar que a imagem de Nossa Senhora do Sagrado Coração estava entronizada numa antiga garagem de ônibus, transformada em capela. Ele que se considerava o “vigário feliz” de Nossa Senhora do Sagrado Coração, sem alarde, tomou a decisão de construir um belo e definitivo templo onde a Mãe de Deus fosse venerada com dignidade. As campanhas em prol da construção do Santuário ganharam receptividade em todo o Brasil e o “vigário feliz de Nossa Senhora” deu início às obras. Mas ele queria ir além e, com determinação, pediu que um artista holandês colocasse nas paredes do Santuário as lindas pinturas que não cansamos de admirar. Fez subir à torre um carrilhão com 47 sinos, o primeiro da América Latina. E quem não se lembra das paradas mariais, da coroação papal de Nossa Senhora, das tradicionais representações da Paixão durante a Semana Santa, do apogeu dos Anais, do negrinho Ximbó e de tantas outras iniciativas?

Hoje, com a venerável idade de 91 anos, ele continua seu trabalho diário como qualquer outro operário. Além de administrar a Pequena Obra, ele acha tempo para escrever livros. Este intrépido Missionário do Sagrado Coração, que nos deu a honra de sua visita, é o Padre Francisco Jassen, cujo nome está gravado perpetuamente nesta colina sagrada. Parabéns, Padre . Francisco! A maratona foi exigente e cansativa, mas o senhor é merecedor da medalha de ouro na Olimpíada da história de Vila Formosa.

Este texto foi escrito em 2004, quando era responsável pela formação dos teologantes MSC). Transferido para a cidade de Itapetininga, SP, durante dois anos fui acompanhante espiritual dos nossos seminaristas em Campinas, e lá me encontrava com o Padre Francisco todos os meses e Deus me proporcionou bons encontros com este sábio padre. Antes de qualquer atividade, entrava nos seus aposentos e lá estava ele sempre atarefado. Era uma oportunidade rara de ouvi-lo. E que sabedoria! Quando completou noventa e cinco anos, felicitei-o e imediatamente me disse: “Muito bom! Estou curioso para ver qual será o final de tudo isso”! Outra vez mencionou o seguinte: “Sabe, sinto já uma nostalgia do céu”! Uma frase que ficou para sempre gravada em minha memória, pois não entendi o significado da palavra “nostalgia”. Vez por outra este seu pensamento vinha a minha mente. Queria decifrar este enigma. Creio que somente uma vida dedicada aos outros, com alegria, já experimenta a eternidade aqui. Aliás, o céu começa aqui e desemboca em plenitude no momento de nossa PASSAGEM! É a Páscoa do Senhor e nossa também. Chegava a celebrar duas ou três missas em várias paróquias de Campinas. Sentado em carrinho de quatro rodas, celebrava como se fosse sua primeira missa. Encantava a Assembleia Litúrgica com sua possante voz e criatividade. Além disso, era uma maneira de se sentir útil e vender seus livros, cujo resultado enviava para a formação dos futuros Missionários do Sagrado Coração. Sempre com a cabeça fervilhando de ideias, escreveu mais de vinte e três livros com a colaboração de. Maria Astride Saad Corradi, paroquiana amiga dos tempos de São José do Rio Preto, a qual revisava e completava seus livros. No ano passado, já cansado pelo peso da idade e devido à perda parcial da visão, resolveu escrever seu último livro, e o título não poderia ser outro: “A verdadeira história de UM SACERDOTE FELIZ”! Vale a pena conferir. Nos últimos três anos, cada vez que terminava de escrever um livro dizia: “Penso que este será o último”. E realmente foi! Na madrugada deste 16 de agosto, um dia depois da festa de Maria assunta ao céu, a quem ele tanto amou, foi elevado ao céu o Padre Francisco Janssen, o ‘VIGÁRIO FELIZ DE NOSSA SENHORA DO SAGRADO CORAÇÃO”.

Padre Chico, com a veneranda idade de 98 anos, ao som dos coros dos Anjos, amante da música clássica e sacra, já vê e ouve o que Deus preparou para aqueles que o amam.

Pe. José Roberto Bertasi, mSC, Reitor do Santuário de N.Sra. da Agonia, Itajubá-MG

O milagre de APARECIDA

Texto: Fr. Fernando Clemente, mSC

O que se pretende ver quando se vai a Aparecida?

Não sei se vai ver uma fonte milagrosa onde mergulham os enfermos para da água saírem sãos, como em Lourdes. Tampouco se vai ao encontro de revelações maravilhosas sobre o futuro e sobre o presente, como em Fátima. Também não se tem notícia de quem vá a Aparecida esperando ouvir o choro da Mãe de Deus pelos pecados da humanidade, como em La Salette… Se não se vai a Aparecida em busca disso tudo, afinal, o que se vai buscar quando nos dirigimos a este lugar santo? O que há ali, de tão extraordinário, que possa atrair tanta gente?

Recordo-me que, certa vez, ao visitar o Santuário Nacional com um grupo de peregrinos estrangeiros, diante da magnitude da basílica, eles buscavam afoitos o nicho onde se encontra a imagem enegrecida da Virgem. Ao encontrarem-na, não puderam deixar de demonstrar certo desapontamento: “Como é pequena a Virgem!…”

Talvez seja precisamente este o motivo que leva tanta gente, todos os anos, a Aparecida: a pequenez da Virgem. De fato, impressiona que uma imagem tão pequena, de material tão pobre – barro! – possa movimentar tantos peregrinos até o Vale do Paraíba. A grandeza de sua casa chega mesmo a contrastar com as dimensões diminutas da imagenzinha em seu magnífico trono. Certa estava Maria, ao proclamar que sua alma glorificava a Deus, porque “ele viu a pequenez de sua serva” (Lc 1, 48). Sua profecia estava correta: todas as gerações continuam a proclamá-la santa. Assim, Aparecida torna-se uma grande lição de Evangelho. Ensina como aquilo “que é loucura de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1 Cor 1, 25), ou ainda, para usar as palavras da própria Virgem, como Deus “depôs poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou.” (Lc 1, 52).

Assim parece ser. A Deus não importam os grandes feitos, as apoteoses quase carnavalescas que às vezes montamos em nossa vida, esperando nelas encontrar a presença de Deus. Pessoalmente, acredito que se Deus tivesse um sobrenome, seria “Sutileza”. Elias soube mais que ninguém deste atributo do Senhor. Ao procurá-lo sobre o monte, não o encontrou no furacão, nem no terremoto, tampouco no fogo: Deus é brisa suave, discreta… quase imperceptível. Há que se ter o coração atento ao seu murmúrio. (Cf. 1 Rs 19) Com efeito, naquele final de tarde de outubro de 1717, muito pouca gente importante veio a saber do encontro da imagem de Nossa Senhora da Conceição, chamada Aparecida, pois apareceu das águas. Maria deixou-se encontrar por pescadores, gente comum do povo, como ela mesma foi.

As obras de Deus parecem ter uma característica comum: a humildade. Tal como no Natal de Jesus, vemos que o anúncio do anjo dirige-se aos pastores para que vão até Belém adorar o salvador (Cf. Lc 2,10), igualmente a perfeita discípula de Jesus vai ao encontro de pescadores e com eles vai dividir a vida e o teto. E mais. Num período em que grassava a crueldade da escravidão, submetendo milhares de africanos e africanas a condições sub-humanas, a Virgem aparece enegrecida…Quase um símbolo eloquente que diz: “Estou aqui, me ponho ao lado de vocês, os mais fracos”. E hoje a situação não difere muito de antes. Basta observar as pessoas que costumam ir ao Santuário Nacional. São pessoas comuns, membros das classes mais simples, trabalhadores e trabalhadoras que, por terem o coração voltado para a realidade humilde do Evangelho, sabem olhar além e ver a ação de Deus na vida humana. Pois Aparecida ensina o mistério de como Deus age na fraca realidade humana.

O barro com que foi modelada a imagenzinha de Aparecida não difere do barro de que é feito o homem mencionado na Escritura (Cf. Gn 2, 7). Sinal perfeito da fragilidade que nos constitui, mas que é amada por Deus e por ele valorizada. Maria, em sua vida terrestre, caminhou por todos os caminhos que caminha toda a humanidade, sem esquecer-se jamais d’Aquele que a habitou e a cujo serviço ela se pôs. Aparecida nos mostra que a ação de Deus não prescinde da nossa humanidade muitas vezes contraditória, mas que dela faz uso, como um pintor que dispõe dos mais diversos tipos de pincel para o seu trabalho. Pinceis nem melhores nem piores, se comparados uns com os outros, apenas diferentes, mas usados para o mesmo fim: expressar em cores a beleza que o artista traz no peito.

Deus deseja salvar. E isto Aparecida também nos ensina. Se ao chegar à basílica não se vê fonte milagrosa alguma a olho nu, temos a oportunidade de lá encontrar uma fonte maior e mais perfeita. A fonte da salvação na qual somos chamados a mergulhar, e dela beber, a transbordar e canalizar suas águas para nossas vidas. Salvação que foi proclamada por Maria em seu canto, e manifestada em sua vida. Salvação aberta a todos os que se dispõem a ter um coração de pobre, confiante em Deus e solidário para com o próximo.

Pois Aparecida é o triunfo dos pequenos, símbolo de uma realidade futura em que os mansos e humildes de coração herdarão a terra. Neste espírito, diante da pequena imagem celebramos todos os dias a Eucaristia, festa e banquete que antecipa a alegria do Céu onde não há melhores nem piores, mas Cristo será tudo em todos. Antecipamos com Maria, em Aparecida, o desejo de sermos todos pequenos como ela, diante do Pai. Filhos como o Filho que ela trouxe no ventre, irmãos entre irmãos, no Reino daquele que só pode amar…

Fr. Fernando Clemente, MSC, é seminarista e atualmente cursa Teologia.

Pra Começo de Conversa…

Os caros leitores já perceberam que nossa revista, com o DNA de nosso Fundador, Padre Júlio Chevalier, sempre focalizou em suas páginas, o tema Missões. Nos primórdios de nossa fundação, quando eram ainda pouco numerosos os seus membros, a Congregação recebeu de Roma um apelo, um desafio que era quase uma provocação: assumir as difíceis missões da Micronésia, no Pacífico!

Os padres conselheiros achavam impossível atender ao pedido da Propaganda Fidei, mas o Padre Chevalier, homem dotado de grande coragem e generosidade, teimosamente conseguiu persuadir seus confrades e, em 1881, enviava seus primeiros missionários àquela misteriosa região da Oceania. E aí a pequena Congregação começa a florescer…

Já faz 130 anos que nossos missionários trabalham naquela região, já com clero nativo, padres e bispos, e muitas vocações. Por lá passaram figuras extraordinárias da envergadura de Mons. Navarre, Mons. Verjus, Dom Alan de Boismenu e tantos outros, É a razão pela qual nossa Revista de Nossa Senhora continua mantendo esse compromisso de honra, trazendo sempre em suas páginas esse tema tão importante e tão caro à Igreja.

Atualmente, tempos novos e contextos diferentes, os confrades Antônio Carlos Meira e Reuberson, respectivamente no Equador e na Amazônia, são nossos representantes e interlocutores, contando a cada mês, um pouco da bela obra de evangelização que eles e seus companheiros realizam com destemor e generosidade.

Evangelizar a partir dos pobres: respeitar as tradições e os ritmos próprios desses povos ainda permanece o grande desafio. É a reflexão de nosso confrade que hoje trabalha em Porto Viejo, no litoral do Equador.

E vocês, leitores, encontrarão ainda nessas páginas, aqueles temas e aqueles colaboradores que já estão se tornando tão familiares nossos.

Pra todos uma proveitosa leitura!

A REDAÇÃO.

 

Julgar os vivos e os Mortos

A cada momento estamos diante do juízo de Deus. No entanto, julgamento – na Bíblia – não se assemelha a um tribunal humano, no qual nós somos o réu. Trata-se de discernimento, clareza, percepção e transparência. Como criaturas, somos limitados em nossa consciência e liberdade, não sabemos tudo e não conseguimos prever toda consequência de nossos atos. Não podemos tudo. Somos condicionados e determinados pela educação, pela família, pelo meio social, pela nossa condição de seres carentes, imperfeitos e inacabados, pelo nosso inconsciente. Somos carnais. Na Bíblia, carne significa criatura humana e ao mesmo tempo fragilidade.

Temos a capacidade de decidir e escolher como seremos, mas sempre com a liberdade situada num contexto de múltiplas influências e condicionamentos. Somos finitos, imperfeitos, marcados pela ambiguidade e pelo pecado. Pecado refere-se a tudo o que nos desumaniza, ao fechamento a Deus e ao outro, ao mal infligido a nós e às pessoas, ao meio ambiente e à sociedade através de nossas relações interesseiras e egoístas.

Quando tomamos uma decisão, agimos, fazemos o bem ou o mal, dizemos alguma coisa, nos relacionamos com as mais diversas pessoas, não conseguimos perceber a nossa influência, as consequências do que fazemos sobre os outros e sobre o nosso mundo. Uma simples palavra, gesto ou atitude repercute para o bem ou para o mal. Lembro-me de um fato acontecido: uma pessoa comentou com a outra sobre uma celebração eucarística no final de semana em que se abordava o tema da abertura e do fechamento usando como símbolo uma chave. Esta segunda pessoa comentou com uma terceira. Isto ressoou tão forte e positivamente sobre a terceira pessoa, que ela voltou para a Igreja depois de um bom tempo de afastamento. Não sabemos o que podemos provocar no sentido positivo ou negativo na outra pessoa como fruto de nossas relações. Podemos aproximar as pessoas de Deus ou afastá-las definitivamente. Podemos causar-lhes um grande bem ou um grande mal.

Dizer que Deus virá julgar os vivos e os mortos, significa afirmar: Deus virá nos dar a clareza, o discernimento, a percepção e a transparência a respeito de todos os nossos atos, sobre a validade de nossa vida, a repercussão de nossas atitudes e palavras. O que somos tornar-se-á claro.

O Deus que virá julgar/ajudar a discernir é o Deus Pai de Jesus Cristo. Um Deus de amor e carinho, beleza e compaixão, misericórdia e ternura. Alguém que nos envolve em sua bondade e deseja que o ser humano tenha vida em plenitude, seja feliz e se realize como a obra prima que Ele mesmo criou. Portanto, o julgamento ou discernimento do juízo final não traz medo para aqueles que sempre viveram na luz, na esperança. Traz a certeza de que os verdugos não triunfam sobre a vítima e desmascara toda falsidade e toda hipocrisia. Torna o obscuro revelado.

Pe. Paulo Roberto Gomes, mSC é teólogo e pároco da comunidade São Paulo em Muriaé , MG.

 

Evangelizar a partir dos pobres

Fé, trabalho e muita bênção

No meio de tanto pó, grupos de mulheres e crianças caminham pelas estradas, atravessando os montes, carregando lenha. São os últimos bosques de eucaliptos que estão tirando desta região semi-deserta de Palmira. Uma região onde nunca houve florestas naturais devido à altitude. Muita gente, antes da chegada do gás, cozinhava com palha seca do campo. Hoje o gás facilitou a vida e os restos de bosques plantados ainda esquentam a casa nas madrugadas frias.

As mulheres passam sentadas ao lado de um fogão, que é feito de uma mistura de pedra com pedaços de ferro, para manter o fogo aceso. Como a palha queima rápido, elas estão alimentando o fogo constantemente com o capim. A vida no alto das montanhas passa a ser uma aventura: além do frio constante, as dificuldades causadas pelas distâncias e as necessidades fizeram dos indígenas homens e mulheres fortes. Situações difíceis que exigem adaptação e confiança sobre-humana.

Em geral, as pessoas são muito religiosas. A fé se expressa nos sinais e cuidados com a vida de uma criança, por exemplo. A proteção para um recém-nascido não passa pela higiene, por mais que se insistia nesse ponto. A confiança e a esperança estão em Deus para que livre os pequenos das enfermidades. Numa celebração com muitos batizados e alguns matrimônios, a maioria das pessoas está à espera da água benta antes de sair da igreja. Quando termina a celebração, ao sair do altar, é comum a formação de uma fila de crianças de uns seis anos carregando outras menores amarradas nas costas que chegam correndo para pedir a bênção.

Viver com confiança

O tema da religião no mundo indígena é complexo e delicado. Sua maneira de viver passa por uma cosmovisão das crenças nos perigos que estão nas montanhas, como na esperança num Deus que sempre é uma ameaça com seus castigos. É uma relação de temor e confiança, proteção e maldição. Nas alturas, por exemplo, há muitos casos de gente que morre vítima de raios, com as chuvas que vêm do oriente amazônico. As mortes são interpretadas como destino, fatalidade para a vida humana.

Por outro lado, Deus também é amigo e presenteia com a chuva, a vida das crianças, como a defesa da saúde. As montanhas também esperam sacrifícios, oração e respeito sagrado, como podem, também, representar castigo para as pessoas. Há dois ou três anos que um catequista está com a filha doente e ninguém tira de sua cabeça que ela dormiu numa destas montanhas e foi castigada por um espírito mau. A solução, para ele, está nos curandeiros.

Há que passar pelas provas

Tivemos uma assembleia de catequistas, em Palmira, na qual se conversou de tudo, desde a razão pela qual ainda precisamos do sacerdote para fazer um casamento, como as crises que eles vivem nos seus lugares: falta apoio da comunidade para certos trabalhos de evangelização; reuniões dominicais parecem difíceis para alguns catequistas porque não conseguem atrair mais gente. As divisões políticas implantadas pelo governo repercutem na vida das lideranças indígenas.

A mentalidade nas comunidades está muito misturada com uma série de mudanças que acontecem hoje em dia. Assim como a comida vai deixando de ser cozida no fogão de palha, substituído pelo gás, também a juventude vai exigindo mudanças nos métodos de ensino e nas formas de celebrar. A realidade vem carregada de contradição. Internamente, muitos permanecem num esquema mental de celebrar com uma lista de coisas tão grande que se levam horas e horas para realizar uma celebração. Outras mentalidades querem menos palavras e mais animação. Nisso os evangélicos colocam problemas para os catequistas, dizendo que não valem nada porque não mudam a maneira de organizar e celebrar. Alguns lutam intensamente para não cair no desânimo.

Evangelizar a partir dos pobres

Esta região está marcada pela pobreza. A agricultura familiar ainda proporciona algo para viver. Na feira ou no mercado os produtos agrícolas e animais não têm preço. O indígena ainda carrega o estigma marginal de que pouco vale socialmente. É explorado no trabalho. Na vida cotidiana, as mudanças da sociedade chegam como um vendaval. Os terrenos comunitários estão sendo divididos, família por família, para evitar problemas. Cada um cuida do seu pedaço de chão. A realidade impõe a migração como forma de vida; as famílias ficam debilitadas e as relações na comunidade perdem força.

A Igreja sempre trabalhou no meio indígena sem levar em conta as diferenças culturais. Hoje se discute muito como ser presença missionária nas comunidades. Nem sempre se chega a um consenso sobre este assunto. Quando o assunto era ajudar com o desenvolvimento econômico, parece que as coisas tinham um rumo mais claro. Porém, entrar na realidade cultural, pouco se avançou nesses anos. Respeitar suas tradições e ritmos próprios, ainda permanece um grande desafio.

Pe. Antonio Carlos de Meira, mSC, é missionário no Equador.

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