Revista de Nossa Senhora
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Imaginemos Maria

Texto: Pe. Zezinho, SCJ

Falo a você que crê que Jesus salva e que ele já levou bilhões de pessoas para o céu. Levou também Maria, sua santa mãe. Se alguma religião ensinasse que ele ainda não conseguiu levar nem a própria mãe, tal religião estaria negando, ou o poder intercessor de Jesus e o valor da sua vitória sobre a morte, ou a santidade e a pureza de Maria.

Nem eu nem você sabemos como era Maria. Então temos que imaginar como era em Nazaré e como é hoje no céu. E é bem aí que precisamos tomar cuidado com a nossa imaginação. Não podemos colocar Maria nem acima, nem abaixo do lugar dela no Reino de Deus. Não podemos imaginá-la nem além, nem aquém do que a nossa Igreja ensina. Não podemos inventar recados que ela não deu, palavras que ela não disse nem diria, aparições que não aconteceram. Videntes erram e, não poucas vezes, também os sacerdotes que os aconselham. Alguém pode amar muito a Jesus e á sua mãe e, levado pelo entusiasmo, criar visões que não aconteceram. Muita gente já fez isso, para depois admitir que estava iludida. Não era a mãe de Jesus. A Igreja percebeu que era engano desse ou dessa fiel.

Por isso , se você garante que a vê e que ela lhe fala e, se a ama de verdade, não dê nenhum recado que acha que ouviu dela, sem primeiro consultar mais de um sacerdote. De preferência ouça um do seu grupo e outro de fora. O fato é tão sério que convém ouvir ainda um terceiro, indicado pelo bispo da diocese. Que os três tenham uma boa bagagem teológica e uma boa experiência pastoral. Não devem ser muito jovens. Se, de quebra, puder conversar com um psicólogo católico, faça isso.

Por que dou este conselho?. Porque tenho lido, visto e ouvido muita gente dar recados em nome de Maria, sem o conhecimento dos sacerdotes e dos bispos. A grande maioria sabe pouco de bíblia, de catecismo e de História da Igreja. Talvez por isso ande repetindo o que a Igreja já condenou e questionou no passado.

Nós, católicos, temos dezenas de escritos oficiais sobre Maria e o seu papel na nossa Igreja e no cristianismo. Mas temos também, circulando entre o povo milhares de folhetos e panfletos de irmãos e irmãs que dizem que Maria mandou publicar aquilo. Se não estão brincando de videntes e parecem assim tão certos de estarem ouvindo Maria, então que se deixem analisar por gente tão ou mais séria do que eles, que também não está brincando de ser bispo, teólogo ou pároco!  Imaginemos Maria , sim, mas aceitando os limites propostos pela nossa Igreja e pelo Santo Livro.  Você tem ouvido ultimamente algumas pregações sobre Maria? Alguns a diminuem e outros a superexaltam. E tudo o que ela quer é o respeito que certamente ela merece. Que tal lermos o que a Igreja disse sobre ela desde l950? Pelo menos é um discurso mais atual!  Entre as palavras de um piedoso livro do século XVI e  as do Vaticano II, mais as  dos papas do século XX, qual delas você divulgaria?  Ou aquilo tudo foi pensado e escrito para depois agirmos como se nada tivesse sido dito sobre Maria nos últimos 50 anos?

Pe. Zezinho, SCJ é músico e escritor. Tem aproximadamente 80 livros publicados e mais de115 álbuns musicais.

“Respondamos em Comunhão onde a vida clama”

INTRODUÇÃO

Desta vez, estou tentando fazer um retrato da realidade deste bairro onde estamos nos estabelecendo como Missionários do S. Coração. Desde que chegamos aqui, a fama de violência é a marca que o faz conhecido por todos. Trata-se de um comentário de quem vive fora; pra quem vive aqui dentro, toca viver a realidade cruamente.

Texto: Pe. Antonio Carlos Meira, mSC

 

É Possível viver  a missão num bairro marcado pela violência?
Ontem a noite estive na casa de uma animadora para um pequeno jantar de um batizado. Ainda não passava das dez da noite, quando pensei que devia voltar porque a insegurança tem aumentado, ultimamente. Nesta semana, uma pessoa foi morta numa vingança e outra foi baleada, não se sabe o motivo.

Outro dia, conversava com os policiais que trabalham na área, e me indicavam os perigos que encontram. A população tem medo de colaborar com as autoridades policiais, temendo represálias: nestes lugares a vida vale muito pouco.

Num inicio de noite, saí de casa para dar uma volta pela rua e observar a realidade e vi muito pouca gente andando. Apesar do calor, todo mundo está com as portas fechadas, desde à tardinha, parecendo que não vive ninguém no bairro, nesta hora. Até os sons das caixas de musica nas casas silenciam.

A insegurança é um pesadelo na vida da população porque ninguém está livre de ser morto por quase nada ou perder um familiar de uma hora para outra. O pior desta situação, é que um assalto por um drogado é imprevisível. Ninguém sabe a hora que o ladrão vai chegar. Isso não são histórias contadas, conhecemos muitos que ficaram paraplégicos para sempre com os golpes num assalto.

Como pequena comunidade MSC, buscamos iniciar e afirmar nossa presença aqui. Já iniciamos a construção da casa paroquial no centro do bairro, ao lado do templo central. Alguns dizem que estamos indo para a boca do leão.

A missão na periferia do mundo
Realmente, a violência é um sinal de nosso tempo. Um sinal da realidade atual, revelando a extrema pobreza, a exclusão. É necessário enfrentá-la com muita paciência e testemunho de vida. É uma situação extrema, onde a própria vida está ameaçada. Um contexto muito difícil e perigoso. Sentimo-nos impotentes querendo ser luz no meio das trevas da morte.

São situações de fronteira, onde necessitamos aprender realidades em que a vida clama, muitas vezes silenciosamente: fronteira do centro com a periferia, a fronteira cultural da pobreza com o consumo desordenado, a fronteira de gerações entre velho e o novo e outras.

A vocação missionária
Como missionários, estamos num oceano desconhecido de realidades que misturam vários paradigmas e no dia a dia encontramos luz e sombras, onde se dão os esforços para nos manter no caminho do evangelho.

A nossa pobreza é parte da bagagem missionária, pois fazemos do coração o lugar de muitas formas de riqueza: da experiência vivida, os fracassos, os encontros e os desencontros. As mesmas opções nos permitem sonhar alto para nos manter no discipulado onde tudo vai se construindo aos poucos. Alimenta-nos a fidelidade ao projeto de Jesus, o encontro com o pobre, as histórias partilhadas, o grito de dor no meio da violência, da morte precoce; aqui fazem sentido a esperança, a caridade e a fé.

Há lugares de missão onde o esforço tem que ser dobrado algumas vezes, dependendo-nos de muitas coisas ao mesmo tempo: a sobrevivência, a organização, a formação de lideres, sair ao encontro de pessoas, vocação para o compromisso com a comunidade.

A missão cristã neste momento de mudança de época nos convoca a acompanhar os pequenos que peregrinam em busca de vida, mesmo quando as condições reais não são nada favoráveis;

“Apaixonados por Jesus cristo, respondamos em comunhão, onde a vida clama”, afirma a CLAR, no seu plano de trabalho.

Estar diretamente no contexto onde a vida clama, não é uma situação muito romântica: há o desânimo, as obscuridades sempre nos deixam na duvida de que rumo seguir. Atravessar este caminho ou este deserto implica uma forte espiritualidade encarnada, uma confiança que vai além das soluções imediatas, é estar em sintonia com o projeto do evangelho, assumir a confiança de que o Mestre não nos abandona.

Tudo isso é uma experiência que nos alenta na caminhada, a força que vem de Deus. Como missionários do Sagrado Coração, estamos conscientes das dificuldades da missão, segundo o fundador; Julio Chevalier:

“O Coração do divino Mestre é o centro para onde tudo converge… o sol da Igreja, a alma das nossas almas, manancial dos nossos ministérios…., o remédio de todos os nossos males…”. (Julio Chevalier). São palavras bonitas que ganham um profundo sentido quando nos toca meditá-las desde nossa missão.

Pe. Antonio Carlos Meira, mSC é missionário no Equador.

Caros Leitores,

Aqui está nossa revista de abril, mês em que vivenciamos boa parte da Quaresma e celebramos a Semana Santa, com o Tríduo Pascal, coroado pela festa da ressurreição do Senhor. Vocês encontrarão de novo mais esclarecimentos sobre a devoção a Nossa Senhora do Sagrado Coração, agora  na pena do Padre José Roberto Bertasi, expert no tema, sobre o qual ele já tantas vezes discorreu nas páginas de nossa revista.

Na coluna do teólogo  Padre Paulo Roberto, mais catequese sobre a  Virgem Maria, lembrando-nos que, mais relevante do que ter sido mãe biológica de Jesus,  é a primazia do discipulado, ela que foi a imitadora fiel de seu filho. Ainda enfocando a Virgem, o seminarista Michel escreve sobre o caminhar peregrinante daqueles que  “põem o pé na estrada” rumo à casa do Senhor.

Há pouco, sagrado bispo da santa Igreja, nomeado Auxiliar da Arquidiocese de Porto Alegre, RS, Padre Agenor, agora Dom Agenor Girardi, nos brinda com ensinamentos sempre oportunos sobre espiritualidade. Fala-nos da necessidade da oração, da experiência de encontro com nosso interior, experiência de algo novo, mesmo que Deus saiba tudo o que somos, tudo aquilo  de que necessitamos. E esperamos que, apesar de suas novas responsabilidades como pastor da Igreja, Dom Agenor não nos prive de suas lições de Padre Antônio Carlos Meira, nosso bravo missionário do litoral equatoriano, fala da vida sofrida daquela gente pobre, uma postura feita não de conformismo acomodado, mas calcada na esperança de que a sua luta vai Padre Cortez continua suas reflexões sobre o Coração de Jesus, enquanto o Padre Zezinho aponta para o problema do alcoolismo e suas soluções.

Caros leitores, vocês terão ainda as páginas das festas litúrgicas, bem como a página missionária do Padre Reuberson, contando-nos suas incursões pelas regiões ribeirinhhas do Açaí.

Uma boa leitura e valemo-nos do ensejo para desejar a todos os leitores uma  santa e abençoada Páscoa no Senhor.

A Redação

Origem e significado da devoção

A primeira imagem, conhecida, apresentava o Menino Jesus, ainda menino aos pés de sua Mãe”

Texto: Pe. José Roberto Bertasi, mSC

Os primeiros Missionários do Sagrado Coração ficaram entusiasmados com a espantosa expansão da devoção, e sentiram a necessidade de explicar o significado real da invocação: “Nossa Senhora do Sagrado Coração, rogai por nós”. O Pe. Piperon, em sua humildade habitual, diz: “Um de nós foi encarregado dessa tarefa”. Daí, pode-se concluir que ele é o autor das primeiras páginas dedicadas a Nossa Senhora do Sagrado Coração.

O Pe. Piperon gostava de falar do acontecimento que o levara a publicar esse primeiro documento: sua visita ao Pe. Ramière, o conhecido diretor do Apostolado da Oração e do “Mensageiro do Coração de Jesus”. Quando o Pe. Piperon falou com ele sobre a devoção a Nossa Senhora do Sagrado Coração e ofereceu-lhe a estampa de propaganda devocional, o Pe. Ramière perguntou-lhe:

- “Há algum escrito impresso sobre a devoção a Nossa Senhora do Sagrado Coração?

- Até o momento, nada foi impresso sobre o assunto, foi a resposta do Pe. Piperon.

Abrindo a pasta, o visitante retirou dela um modesto manuscrito que o Pe. Ramière examinou com atenção, e disse:

- “Dê-me essas páginas, a fim de publicá-las no Mensageiro. Serão lidas com muito interesse”.

- É impossível, respondeu-lhe o Pe. Piperon. Lamento, muito, mas não são minhas. Transmitirei seu desejo ao meu Superior. Ele mesmo dar-lhe-á a resposta.

Então, o Pe. Chevalier entendeu que não devia deixar a outros o cuidado dessa publicação. Imediatamente, compõe um opúsculo, ao qual chama : “Nossa Senhora do Sagrado Coração, escrito pelo Rev. Padre Chevalier, missionário apostólico do Sagrado Coração”. Esta foi sua primeira obra.

Ele a publicou, em novembro de 1862, com a aprovação do Arcebispo de Bourges, Dom de La Tour d´Auvergne” (Pe. Piperon).
O “modesto manuscrito” do Pe. Piperon tornou-se, assim, a brochura do Pe. Chevalier. Nós não sabemos se há grandes diferenças entre ambos, mas é preciso destacar a influência do Pe. Piperon no tocante à primeira publicação. Essa brochura foi enviada aos bispos da França e dos países vizinhos. Mais de quarenta bispos apoiaram a publicação. O Arcebispo de Bourges dá-lhe seu beneplácito, no ano de 1862. Em 1863, chegaram aprovações de outros bispos, publicadas pelo Pe. Chevalier nas edições posteriores. Essas publicações datam do ano 1863.

Um exemplar foi, também, enviado ao Pe. Ramière que o publicou no “O Mensageiro do Coração de Jesus”, em maio de 1863. É a primeira publicação sobre Nossa Senhora do Sagrado Coração, redigida por aquele cuja intuição espiritual pôs em destaque esse aspecto da glória de Nossa Senhora. Com efeito, de um pequeno artigo, de uma pequena planta, surgiu uma grande árvore. Além desse escrito, o Pe. Chevalier escreveu muitas outras obras importantes.

Coroação papal

A imagem foi solenemente coroada, em nome do Santo Padre, o Papa Pio IX, no dia 8 de setembro de 1869. Vinte mil peregrinos estavam, em Issoudun, a fim de participar da festa. Contavam-se entre os participantes 30 bispos e cerca de setecentos sacerdotes. A devoção a Nossa Senhora do Sagrado Coração havia se estendido rapidamente.

Mas… Deus escreve certo por linhas tortas. Pessoas desejosas de apropriar-se da nascente devoção, apresentaram à Santa Sé um novo modelo de imagem, pedindo que fosse o único válido. A fim de conseguirem seu intento, apresentaram como perigosa para a devoção popular a imagem de Issoudun. O perigo consistia em que a imagem de Maria, já aprovada pelo Papa, parecia insinuar um domínio absoluto de Maria sobre o Filho. A primeira imagem, conhecida, apresentava o Menino Jesus, ainda menino aos pés de sua Mãe. Esta crítica infundada colocava em perigo a nascente devoção e mesmo a existência da Arquiconfraria, criada em honra de Nossa Senhora.

O Pe. Chevalier não perdeu tempo. Enviou, imediatamente, uma reprodução fiel do modelo original a Roma, acompanhada de uma carta do Arcebispo de Bourges e fazia a pergunta: “Como poderia estar em questão uma imagem que havia sido coroada em nome do Santo Padre e, há anos, era venerada por milhares de peregrinos?”

É importante tecer algumas considerações sobre o Pe. Piperon, nome que inúmeras vezes aparece neste artigo dos Anais.

O Pe. Carlos Piperon foi companheiro de estudos do Pe. Chevalier, no Seminário Maior de Bourges. Foi o co-fundador da Congregação dos Missionários do Sagrado Coração. Foi Assistente Geral, de 1869 a 1905. Amigo íntimo e fiel do Pe. Chevalier, ocupou cargos importantes na Congregação onde viveu 60 anos como MSC. Um de seus companheiros, assim o define: “Muito o amei e mais ainda o admirei. Não conheci ninguém mais humilde; não vi ninguém com o mesmo grau do genuíno sinal de santidade”. O Pe. Carlos Piperon trabalhou de maneira incansável na propagação da Arquiconfraria de Nossa Senhora do Sagrado Coração. O Pe. Chevalier se comprazia em chamá-lo: “O querido e venerado Padre Piperon”.

Pe. José Roberto Bertasi, mSC, trabalha em Itajubá, MG

Diário de Missão: Ilha do Açaí

A comunidade está em festa! Estão celebrando o Santo Padroeiro, por isso pessoas de todos os cantos, de todos os sítios estão ali.

Texto: Pe. Reuberson Ferreira, mSC

Após a infeliz estada na Comunidade Nossa Senhora Auxiliadora, por causa da falta de cristãos-católicos, e da frustração em São Filipe pela inexistência de pessoas, chegamos à Ilha do Açaí. Como o próprio nome denúncia, trata-se de uma pequena ilha onde pés de açaí estão fortemente fincados por todos os lados. Não há mais que quinze pessoas, divididas em duas famílias. Surpreendentemente, ao chegarmos somos ovacionados por uma multidão. O que teria acontecido? A comunidade está em festa! Estão celebrando o Santo Padroeiro, por isso pessoas de todos os cantos, de todos os sítios estão ali.

Os povos indígenas – nessa comunidade, Barés – são assíduos aos sacramentos e gostam de celebrar a festividade dos santos. É uma pluralidade de simbolismos. Há um esquema estrito para celebrá-la, uma herança cultural que remonta aos Carmelitas, aos Franciscanos e aos Salesianos que, em tempos diferentes, estiveram a seu modo, nesta região do Alto Rio Negro.

São, geralmente, três dias de festa. No primeiro dia ergue-se o mastro. Nos dois dias que antecedem a celebração são rezadas, piedosamente, em “latim indígena” a ladainha do Santo padroeiro e acesas uma quantidade enorme de velas. Após a oração, em fila indiana, beijam-se as fitas que estão atadas ao Santo e segue-se para o salão onde haverá muito Caximauará, dança típica da região. Durante o dia muita festa, muita bebida e comida distribuída, com fartura e gratuitamente, para todos. A bebida é um capítulo triste nessa história. Não poucas vezes, eles exageram e terminam embriagados, apontando para o alto nível de alcoolismo na região.

Alguns personagens nestas festas são dignos de nota: O Juiz de Mastro, o Mordomo, o Promesseiro, o rezador e o festeiro. O primeiro é aquele que levanta o Mastro e, no inicio da festa, auxiliado pelo Mordomo, é responsável por tirar esmola nas casas e servir comida durante o dia a todos. O promesseiro tem a obrigação de oferecer, para “pagar” ao santo a graça alcançada, comida e bebida durante todo o dia a quem chegar à comunidade, inclusive o Padre. Ao rezador, cabe a missão de, sem desafinar, enganar-se ou trocar alguma palavra, rezar a ladainha e as orações festivas. O festeiro é aquele que responde pelo último dia da festa, o mais importante. Por isso deve haver muita fartura desde comida, passando por bebidas até balas para as crianças. A ele cabe, também, pouco antes do fim da festa, lançar ao rio, com uma ritualidade singular, uma espécie de castelo feito de bambu e papel seda cheio de velas como oferenda a Deus que se manifesta através da Natureza.

Nesse universo do primeiro para o segundo dia fiquei na comunidade. Cheguei ao entardecer, passei a noite e no dia seguinte celebramos a missa. Todos passaram a noite dançando e divertindo-se ao som do Caximauará. Imaginei que a missa não tivesse boa frequência, contudo, ao dobrar dos sinos, uma multidão dirigiu-se à capela. Muitos com marcas de sono, outros com dificuldade para ficarem em pé, mas todos estavam lá, silenciosos, beneditinos. Tentava imaginar, nesse universo misterioso do povo indígena, a relação profunda que eles têm com a religiosidade. Mesmo imersos numa festa com traços pouco cristãos, dão-se conta da grandeza da Eucaristia, da altivez da fé, da magnitude de Deus. Prova disso era a intensidade com que participavam da oração eucarística, com que cantavam e com que faziam preces a Deus. Bendito seja o Senhor!

Pe. Reuberson Ferreira, mSC trabalha no Alto Rio Negro, Diocese de S. Gabriel da Cachoeira(AM).

PRA COMEÇO DE CONVERSA …

CAROS LEITORES,

Março chegou e nós nos lembramos de tanta coisa!

Primeiro, lembramos São José, o chefe da Sagrada Família, o homem justo, patrono da Igreja e tantos títulos e méritos enumerados na página da Ir. Maria da Luz.

Este mês nos lembra também o Tom Jobim e “as águas de março”, que este ano vieram em janeiro e, com tanta fúria que provocaram tragédias e feridas ainda não cicatrizadas, bem como belos gestos de solidariedade humana e cristã.

Março lembra o Carnaval e o início da Quaresma, um tempo de graça que nos prepara para a grande festa da Páscoa do Senhor. Sem nos esquecer de que, também nesse mês, teremos a sagração episcopal de nosso confrade, Padre Agenor Girardi, nosso festejado colaborador.

De certa maneira, todas essas lembranças estarão estampadas nas páginas de mais esse número da Revista de Nossa Senhora. Vocês vão se aprofundar também no conhecimento de Maria, segundo a teologia de Lucas, em mais um artigo do Padre Bovenmars, nosso confrade da Holanda.

E quem não aprecia os textos do Padre Zezinho? Ele está aqui outra vez, profeta teimoso que, em linguagem clara e contundente, nos mostra as mazelas de nossos programas de TV. Temos ainda uma página vigorosa, assinada pelo Padre Cortez, sobre o Coração de Jesus, de como transformar nossa dor e nossos sofrimentos em instrumentos de libertação. É o que nos ensina o apóstolo Paulo quando diz que nossas dores se tornam redentoras quando unidas aos sofrimentos da paixão de Jesus.

E vejam a curiosa constatação das ostras feridas que produzem pérolas… Vocês vão apreciar também mais uma colaboração do Padre Reuberson, jovem missionário que esbanja coragem e alegria em suas incursões pelas comunidades ribeirinhas do alto Rio Negro.

Tudo isto, sem falar de outros colaboradores que já vão se tornando familiares, como o Antônio Carlos Meira, o Padre Paulo Roberto, a Vera Lucia da liturgia, o Padre Humberto, o Michel e outros.

Pois é, nossa revista é o presente precioso que o Padre Air, nosso editor de conteúdo, nos oferece a cada mês.

Caros leitores, boa leitura e bom proveito!

Nossa vida, uma celebração…

Celebrar é um ato que nos coloca em relação com o divino. É expressar nossa necessidade de “falar para o divino o que existe em nosso coração e ao mesmo tempo ouvir o que Ele nos diz sobre isso”.

Texto: Fr. Michel dos Santos, mSC

CELEBRAR quer dizer comemorar, festejar, ressaltar o significado dos acontecimentos, reunir pessoas para a festa. Celebrar é uma atividade humana ( toda celebração ressalta a memória de algo importante na vida e o atualiza na comemoração), uma atividade religiosa (pois toda celebração é um meio de comunicação e intercâmbio de comunhão com Deus, com os outros e com a pessoa mesma, na expressão de símbolos, gestos e ritos), parte integrante da vida humana. A celebração nos recorda sempre que somos imagens de Deus, nos abre espaço para vivermos em comunhão, que é o anseio profundo de nosso ser social.

Se observarmos com certo cuidado, podemos ver igrejas e mais igrejas lotadas, cheias de pessoas em busca de alguma coisa. E eis aí a questão: se perguntarmos pelos motivos pelos quais as pessoas vão à igreja ou o que elas fazem na igreja, certamente muitas responderão que vão buscar algo, mas poucas conseguirão responder que vão para ter um encontro com Deus, com o Criador, no sentido de sintonizar-se com Ele, ouvir sua vontade para suas vidas na experiência da comunidade. Em geral, na sua maioria, as pessoas, hoje, buscam a Igreja, a religião, como se busca algo mágico que poderá resolver algum problema da vida; não se comprometem com a comunidade, com o caminhar de um grupo, buscam apenas o rito, uma forma de expressão. Por isso, também, qualquer forma serve. Até observamos hoje uma busca imensa por espiritualidade, mas tudo de uma forma muito ritual, mágica, normalmente para a busca de resolução dos problemas que o mundo moderno impõe.

O sagrado é parte da nossa vida. Sacraliza-se tudo, e muitas vezes sem se dar conta, pois o sagrado é o que dá sentido à vida. Corre-se muito atrás do material, gasta-se uma vida inteira acumulando, buscando os prazeres humanos, mas quando se busca o sentido profundo da vida, sabemos que este está no sagrado. Por isso dá-se a dimensão do sagrado até àquilo que não é sagrado, busca-se o sentido no que é passageiro.

Celebrar é um ato que nos coloca em relação com o divino. É expressar nossa necessidade de “falar para o divino o que existe em nosso coração e ao mesmo tempo ouvir o que Ele nos diz sobre isso”. É estar junto, bebendo do que melhor a divindade tem. É um voltar às nossas origens. É estar perto de quem descendemos. E é nesta relação que vamos encontrando o sentido da vida.

Para que se possa celebrar verdadeiramente, é preciso começar a entender que a vida toda é celebração. Se celebrar é encontrar-se com Deus, então em todo momento e em todo lugar se encontra Deus. Nesse sentido é que se pode dizer que toda celebração tem como função aproximar a pessoa de Deus e dos irmãos. Entendendo isso, mudamos a maneira de celebrar. Começamos a perceber que o mais importante não é o rito, o formalismo, como se a celebração fosse algo mágico ou repetitivo. Começamos a perceber que o mais importante é a mística, pois é esta que nos faz estar mais próximos de Deus e junto aos irmãos.

Fr. Michel dos Santos, mSC, É seminarista religioso e cursa o 3º. Ano de Teologia


Transformar nossas dores em instrumento de libertação

Em certos momentos sentimos a dor de não ser amados, de ser rejeitados, de ter sido abandonados ou maltratados pelos mais próximos. Em outros, uma desilusão amorosa ou os conflitos dentro do nosso próprio lar.

Texto: Pe. Benedito Ângelo Cortez, mSC

Estamos de volta e queremos continuar aprendendo as lições que brotam do Coração de Jesus. Em nosso primeiro e modesto artigo, falamos que nosso desejo, através dessa revista, é levá-los a ter um encontro cordial com Nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto, voltamos com mais alguns pensamentos que poderão ajudar-nos em nossa oração e experiência de vida. O que queremos é, com você, contemplar esse Divino Coração e seus segredos de amor e de esperança. Convido-os, agora, a refletir sobre uma lição extraordinária que Jesus nos deu quando se fez Carne e habitou entre nós e, principalmente, no silêncio da Cruz, quando a carne ferida se fez também Palavra de Salvação, “transformando os obstáculos em meios”. Voltemos nossos olhos da fé para Aquele que foi traspassado.

Quantas vezes não nos deparamos com verdadeiros obstáculos, sofrimentos e feridas que nos marcam profundamente. Quantas vezes carregamos por toda nossa vida uma dificuldade, uma dor, um obstáculo terrível que só nos faz padecer, viver com amargura e perder nosso foco existencial que é caminhar, atraídos pela fé no Ressuscitado, em busca do Amor infinito. Em certos momentos sentimos a dor de não ser amados, de ser rejeitados, de ter sido abandonados ou maltratados pelos mais próximos. Em outros, uma desilusão amorosa ou os conflitos dentro do nosso próprio lar. Quantos não padecem uma vida toda porque a doença o feriu gravemente ou deixou sequelas profundas? Muitos de nós padecemos, principalmente nos dias de hoje, do mal de se sentir solitário, depressivos, abandonados e sem ninguém ao nosso redor? Enfim, todos nós carregamos certas feridas, sejam afetivas, psicológicas, físicas.

Mas por que deixamos que a ferida seja a tônica de nossa vida, ou melhor, de nossa morte homeopática? Porque permitimos que a morte continue devorando nossa esperança, se ela foi derrotada por Cristo na Cruz? Não, não podemos permitir que a morte e o pecado do desânimo e do conformismo sejam as bandeiras de nossa existência. O fundador dos Missionários do Sagrado Coração, Pe. Chevalier, lapidou um pensamento que nos ajuda a entender uma lição extraordinária que brota da pedagogia do Coração ferido de nosso Redentor na Cruz: “quando Deus quer uma obra, os obstáculos se transformam em meios”. Isso mesmo! Essa é a lição do Coração traspassado de Jesus: transformar a morte em vida, a dor em esperança de amor, a ferida em fonte.

Humanamente, Jesus poderia ter se tornado vítima passiva do sofrimento que lhe foi imposto. Suas dores poderiam não ter servido para aliviar as nossas. Seus sofrimentos teriam se reduzido apenas a ressentimentos sem sentido; revolta e autopiedade que O tornariam o ser mais digno de pena e nossa fé num absurdo. Mas de modo nenhum! O segredo de sua vitória está justamente naquilo que parecia um obstáculo sem fim. Aquilo que poderia ser apenas uma ferida escancarada num coração moribundo se transformou numa fonte inesgotável de vida e de salvação. De seu coração ferido jorraram água e sangue (Jo 19,31-37). Dessa ferida brotou o manancial do Batismo e da Eucaristia. Eis a dor transformada em amor. Amor que nos regenera e que recria o universo todo. Amor que alimenta e que, na eucaristia, nos revigora. Corpo triturado e sangue derramado. Na moenda da dor seu corpo foi transformado em alimento, em pão vivo. Eis o mistério de nossa fé!

Outro dia, ouvi uma história que, apesar de não ter nenhuma formação para biologia marinha para checar sua veracidade, achei extraordinária e que, talvez, sirva para ilustrar nossa reflexão. Fiquei sabendo que a pequena ostra, isso mesmo, esse pequeno molusco, só produz a pérola quando foi ferida, ainda nova. Lá onde talvez um grão de areia a feriu, a proteção e a resistência de seu organismo produzirão uma das mais cobiçadas joias: a pérola. Somente as ostras feridas produzem pérolas. Transformar os obstáculos em meio. Que lição, hein?!

Deixemos o mundo marinho e voltemos ao nosso cotidiano. Que lições podemos tirar de tudo isso? Creio que contemplando o Coração de Jesus e a nossa vida, iremos descobrir que, graças a Ele, também nós podemos transformar nossas feridas em pérolas e em fonte de vida. Lá onde reside nosso maior obstáculo, nossa maior ferida, pode crer que essa sensibilidade tamanha é devido à fonte que quer vencer os desafios e borbulhar num estrondoso manancial de vida.

Prestemos mais atenção em nossa vida e naquilo que pode ser nosso maior obstáculo, mas sempre com o olhar fito no Coração de Jesus, pois, muitas vezes, só como Tomé (Jo 20,24-29), é botando o dedo na ferida que vamos acreditar que esses sinais de dor apontam para o transcendente, para a ressurreição e para a certeza de que esses obstáculos são apenas meio e não fim!

Pe. Benedito Ângelo Cortez, mSC é Superior da Província de São Paulo dos Missionários do Sagrado Coração

Caros leitores,

Está chegando às suas mãos o número de fevereiro da nossa publicação, Revista de Nossa Senhora (RNS), feita com o cuidado e o carinho que vocês merecem. Espiritualidade, liturgia, missões no Brasil e no exterior, notícias da Igreja, cartas dos devotos, uma vasta coletânea de temas de grande interesse para todos aqueles que procuram conhecer e viver os valores cristãos.

Vocês serão agraciados com as considerações do Padre Zezinho sobre a verdadeira amizade, dom de Deus; um sólido artigo de nosso confrade da Holanda, Padre Bovenmars, em boa tradução do Padre José R. Bertasi, discorrendo sobre a renovação da teologia marial; a página missionária do Padre Antônio Carlos Meira, depois de alguns anos nas alturas dos Andes, missionando, faz um ano, no clima quente e úmido do litoral do Equador; o jovem missionário, Padre Reuberson, sangue novo mourejando entre os irmãos indígenas do alto rio Negro, na Amazônia; as oportunas sugestões do Padre Francisco Tarcísio no âmbito das celebrações litúrgicas; uma alentada reflexão do Padre Cortez sobre a espiritualidade do Coração de Jesus; as considerações do teólogo, Padre Paulo Roberto, sobre a fé em Jesus Cristo:o que nos salva, liberta e humaniza não é o seu sofrimento, mas o amor.

Leiam ainda a página vocacional do Padre Lucemir, notícias da Igreja e outras coisas mais.

Mas, entre todas as matérias, a espiritualidade este mês tem uma coloração especial. Isto porque o Padre Agenor Girardi, nosso apreciado colaborador nesta coluna, acaba de ser nomeado bispo da Igreja: auxiliar da arquidiocese de Porto Alegre, RS. Essa nomeação tem sido motivo de alegria para todos nós, seus confrades, Missionários do Sagrado Coração, nós que o conhecemos de perto e podemos atestar suas qualidades para o honroso e espinhoso ministério.

Pedimos que todos os leitores de nossa revista se unam a nós para pedir a Deus que abençoe e fecunde o seu múnus de pastor.

Caros leitores, a mesa está posta. Fiquem à vontade!

A Redação.

Em busca do caminho de DEUS

O povo deste lugar é bastante religioso, mas cresce, contraditoriamente, a indiferença com a religião.

Texto: Pe. Antonio Carlos Meira, mSC

Os latidos dos cachorros invadem nosso encontro. As pessoas que acompanham a pequena procissão, que se forma, estão em silêncio. Percebe-se que algumas senhoras que preparam um altar pequeno na frente da casa se sentem intimidadas pelo ambiente. Algumas recém-chegadas do campo, no meio do ambiente de insegurança da periferia, não estão à vontade.

Muita casa pequena de taquara tem um altar improvisado com uma vela que insiste em permanecer acesa apesar do vento que ainda sopra nesta temporada. É importante dar cada passo junto para participar juntos da oração, em forma de murmúrio que sai de maneira quase improvisada do coração. Desta maneira, as pessoas vão se reunindo na medida em que caminhamos de parada em parada.

Pois bem, adotamos uma maneira de animação missionária que custa muito a algumas animadoras ou animadores que estavam acostumados a esperar na igreja a participação dos fiéis.

ENCONTRAR O CAMINHO

Nesta semana, faz um ano que chegamos a este lugar para fundar um trabalho missionário, juntamente com o inicio da formação de uma paróquia. Desde o inicio, buscamos uma presença bem próxima da vida do povo daqui. Foi pouco tempo para conhecer esse lugar. Dá a impressão de que levará um bom tempo somente para saber onde estamos pisamos. Ainda não se consegue assimilar toda a riqueza do povo, nem tirar da vida as conseqüências pastorais que podem ajudar na inculturação do Evangelho.

Não sei se podemos chamar de reinicio da missão num lugar ou iniciar tudo novamente. Mas nossa pequena comunidade missionária está começando a trajetória nestas terras bastante desconhecidas até então. Encontramos uma variedade de adaptações neste primeiro ano aqui. É uma coisa que necessita paciência. Pisar no chão esburacado das ruas e deixar o tempo passar, escutar muito.

O povo deste lugar é bastante religioso, mas cresce, contraditoriamente, a indiferença com a religião. A pobreza é gritante em todos os sentidos: faltam escolas, centro de saúde, e cresce o consumo de droga. Ontem, quando voltávamos dos encontros de um conjunto habitacional, encontramos um casal que chorava na porta da igreja. Quando nos viram, um senhor bastante jovem veio ao nosso encontro e queria desafogar suas magoas; estava bêbado; cheguei a suspeitar que estivesse drogado. A mulher que estava toda suja, também chorava; uma criança estava no meio deles assustada em silencio. Depois de conversar, insistimos para que voltasse para casa, se acalmasse e passasse a noite tranquila e que outro dia voltasse para conversar.

A PRESENÇA DE DEUS

Como encontrar a presença de Deus no meio de situações-limites? Os sinais não demoram em se fazer sentir. A busca da catequese é muito grande, pessoas que buscam ajuda espiritual e confissões. Há uma sede de Deus. Não necessita muito convite; uma coisa interessante é a insistência de algumas crianças que, ante a indiferença de alguns pais que parecem abandonar toda a esperança para melhorar, buscam sozinhos a comunidade para integrar-se. Outro sinal importante é a presença de voluntarias e voluntários que assumem vários tipos de trabalho.

Uma coisa que se vê como esperança é a espiritualidade popular. Senhoras de idade avançada animam e participam dos grupos, ajudam na missão dos bairros rezando o tradicional terço, ensinam as crianças a rezar, outras que participam do grupo da terceira idade com o cuidado da saúde. Uma porta para entrar na vida da comunidade e ajudá-la a crescer.

Ainda encontramos vocações especiais: gente que organiza o atendimento dos pobres entre os pobres. São os aleijados, enfermos que estão sempre de cama e vivem em estado de abandono. E são muitos em nosso meio. Nesta região o número de gente prostrada em cama é grande. E para trabalhar no meio desta realidade não é para qualquer um. Encontram-se situações em estado chocante.

As celebrações, pouco a pouco, vão ganhando mais vida. Há momentos fortes e outros em que praticamente o povo desaparece. Mas vamos insistindo em construir uma comunidade viva, missionária, onde o encontro das pessoas e a solidariedade sejam sinal da presença de Deus. Mesmo não sendo fácil, o Espírito de Deus sopra e faz mudar as situações de morte em esperança de vida.

Pe. Antonio Carlos Meira, mSC é missionário no Equador.

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