Revista de Nossa Senhora
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Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes

Publicado em 3 de julho de 2012 / Reportagens >

Esta frase poderia muito bem estar num manifesto político. É bem forte e soa quase como um slogan de campanha, mas é uma frase dos Evangelhos e, certamente, você já a ouviu antes. Trata-se do versículo 52 do primeiro capítulo do Evangelho segundo Lucas.

Acompanhando todo o texto vemos que é uma frase colocada na boca de Maria, mãe de Jesus, logo depois da saudação que Isabel faz a ela. Faz parte do discurso maior de Maria, que tradicionalmente chamamos Magnificat, por conta das palavras iniciais deste texto em latim (Magnificat anima mea Dominum – Minha alma engrandece o Senhor).

Pois bem, agora que você já sabe desses pormenores, vamos em frente. Longe de ser, como já disse, um discurso de propaganda política ou figura de linguagem, o Magnificat resume a ação salvadora de Deus manifestada na história. A palavra da Mãe de Jesus, carregada de poesia, é profética. Aliás, poesia e profecia não rimam apenas no som, mas no significado. Lendo atentamente a Escritura, a gente vai percebendo que todo profeta é meio poeta, mas isso já é um outro assunto…

Maria, diante do mistério da Encarnação, do perceber-se morada do Altíssimo, justamente ela, pobre jovem de uma cidadezinha do interior, entende a desconcertante maneira de agir de Deus. Ele não é um deus que se coloca do lado dos poderosos que constroem seu poder pisando nos fracos, pelo contrário, é um Deus que se coloca ao lado dos necessitados. E mais, coloca-se ao lado dos fracos fazendo-se fraco­ com eles (Cf. Fl 2). A jovem de Nazaré compreendeu isso em sua própria carne, pois, para fazer vir à Terra o Filho Eterno, o Pai poderia muitíssimo bem ter escolhido a mais rica, a mais bonita, a mais inteligente e a mais popular filha de Israel, nascida em algum bairro bom de Jerusalém, a capital. Não escolheu. Preferiu a menina da periferia do Reino, pobre e desconhecida. Lógica, no mínimo, esquisita de Deus, a quem nos acostumamos a imaginar como Altíssimo e Onipotente.

Mas talvez esquisita seja a nossa lógica, e não a de Deus…

Desde o início Ele parece ter sempre uma predileção pelo desfavorecido (Is 66, 2). Escolhe um povo pequeno, desconhecido, para ser o seu povo (Dt 7, 7-8). Elege, no meio desta gente, os mais desprezados, aparentemente incapazes para serem líderes ou profetas. Moisés, gago (e assassino, diga-se de passagem), tornou-se libertador (Ex 4,10; 2,12). Eliseu era careca (II Rs 2, 23). Davi e Samuel, jovens demais (I Sm 16, 1-13; 3, 1-21). Oseias casou-se com uma prostituta (Os 1) e Jonas fugiu de Deus! (Jn 1)

Tudo isso porque Deus não vê as aparências, mas o coração. A Deus não importa nem um pouco o que parecemos ser: ele nos conhece mais do que nós mesmos. Importa o que trazemos no íntimo e nas nossas intenções.

Mas Maria não faz, em seu cântico, apenas uma constatação de que Deus age assim e pronto, acabou. Seguindo a mais bela tradição profética (e poética) ela vai além: Deus é o Deus que sacia os famintos. Ora, infelizmente não vemos mais chover pão, como choveu maná no deserto. E não é porque Deus não possa fazer isso, mas porque ele deseja a nossa contribuição no cumprimento desta profecia dita por Maria. Os famintos se encherão de pão, sim, mas pelas nossas mãos. Por isso é mais do que necessário estarmos atentos ao mundo ao nosso redor. Não se pode dizer que amamos a Deus se fechamos o nosso coração ao irmão. Nossos louvores e pregações devem estar acompanhados imprescindivelmente do testemunho de vida, como Maria que, ao saber da gravidez de Isabel, apressou-se a ir ao encontro da prima para ajudá-la nos dias da gestação. “Recebemos de Deus este mandamento: aquele que ama a Deus, ame também o seu irmão”(Cf. I Jo 4, 21).

Contemplando Maria, fica-nos sempre a sensação de estar ainda longe de sermos modelos. Mas vamos tentando; o importante é não desistir. Que Ela nos alcance de Deus a iluminação pela luz do Magnificat, e construtores do Reino de Deus que começa aqui e se completará quando estivermos todos juntos, Maria, nós e a Trindade, na festa que nunca tem fim.

Fr. Fernando Clemente, MSC, é graduado em Filosofia e atualmente cursa o 2º ano de Teologia.

 

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