O povo deste lugar é bastante religioso, mas cresce, contraditoriamente, a indiferença com a religião.
Texto: Pe. Antonio Carlos Meira, mSC
Os latidos dos cachorros invadem nosso encontro. As pessoas que acompanham a pequena procissão, que se forma, estão em silêncio. Percebe-se que algumas senhoras que preparam um altar pequeno na frente da casa se sentem intimidadas pelo ambiente. Algumas recém-chegadas do campo, no meio do ambiente de insegurança da periferia, não estão à vontade.
Muita casa pequena de taquara tem um altar improvisado com uma vela que insiste em permanecer acesa apesar do vento que ainda sopra nesta temporada. É importante dar cada passo junto para participar juntos da oração, em forma de murmúrio que sai de maneira quase improvisada do coração. Desta maneira, as pessoas vão se reunindo na medida em que caminhamos de parada em parada.
Pois bem, adotamos uma maneira de animação missionária que custa muito a algumas animadoras ou animadores que estavam acostumados a esperar na igreja a participação dos fiéis.
ENCONTRAR O CAMINHO
Nesta semana, faz um ano que chegamos a este lugar para fundar um trabalho missionário, juntamente com o inicio da formação de uma paróquia. Desde o inicio, buscamos uma presença bem próxima da vida do povo daqui. Foi pouco tempo para conhecer esse lugar. Dá a impressão de que levará um bom tempo somente para saber onde estamos pisamos. Ainda não se consegue assimilar toda a riqueza do povo, nem tirar da vida as conseqüências pastorais que podem ajudar na inculturação do Evangelho.
Não sei se podemos chamar de reinicio da missão num lugar ou iniciar tudo novamente. Mas nossa pequena comunidade missionária está começando a trajetória nestas terras bastante desconhecidas até então. Encontramos uma variedade de adaptações neste primeiro ano aqui. É uma coisa que necessita paciência. Pisar no chão esburacado das ruas e deixar o tempo passar, escutar muito.
O povo deste lugar é bastante religioso, mas cresce, contraditoriamente, a indiferença com a religião. A pobreza é gritante em todos os sentidos: faltam escolas, centro de saúde, e cresce o consumo de droga. Ontem, quando voltávamos dos encontros de um conjunto habitacional, encontramos um casal que chorava na porta da igreja. Quando nos viram, um senhor bastante jovem veio ao nosso encontro e queria desafogar suas magoas; estava bêbado; cheguei a suspeitar que estivesse drogado. A mulher que estava toda suja, também chorava; uma criança estava no meio deles assustada em silencio. Depois de conversar, insistimos para que voltasse para casa, se acalmasse e passasse a noite tranquila e que outro dia voltasse para conversar.
A PRESENÇA DE DEUS
Como encontrar a presença de Deus no meio de situações-limites? Os sinais não demoram em se fazer sentir. A busca da catequese é muito grande, pessoas que buscam ajuda espiritual e confissões. Há uma sede de Deus. Não necessita muito convite; uma coisa interessante é a insistência de algumas crianças que, ante a indiferença de alguns pais que parecem abandonar toda a esperança para melhorar, buscam sozinhos a comunidade para integrar-se. Outro sinal importante é a presença de voluntarias e voluntários que assumem vários tipos de trabalho.
Uma coisa que se vê como esperança é a espiritualidade popular. Senhoras de idade avançada animam e participam dos grupos, ajudam na missão dos bairros rezando o tradicional terço, ensinam as crianças a rezar, outras que participam do grupo da terceira idade com o cuidado da saúde. Uma porta para entrar na vida da comunidade e ajudá-la a crescer.
Ainda encontramos vocações especiais: gente que organiza o atendimento dos pobres entre os pobres. São os aleijados, enfermos que estão sempre de cama e vivem em estado de abandono. E são muitos em nosso meio. Nesta região o número de gente prostrada em cama é grande. E para trabalhar no meio desta realidade não é para qualquer um. Encontram-se situações em estado chocante.
As celebrações, pouco a pouco, vão ganhando mais vida. Há momentos fortes e outros em que praticamente o povo desaparece. Mas vamos insistindo em construir uma comunidade viva, missionária, onde o encontro das pessoas e a solidariedade sejam sinal da presença de Deus. Mesmo não sendo fácil, o Espírito de Deus sopra e faz mudar as situações de morte em esperança de vida.
Pe. Antonio Carlos Meira, mSC é missionário no Equador.