Revista de Nossa Senhora
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Quaresma: tempo de relações verdadeiras!

Publicado em 28 de janeiro de 2015 / Reportagens >

Cross with purple drape or sash for EasterDiz o livro do Eclesiastes 3,1: “Debaixo do céu há um tempo para cada coisa”. A delicadeza do autor deste livro, nos ajuda a entrar no tempo da Quaresma, buscando encontrar nele sentido para nossa vida, para nossa caminhada de fé. “Este é o tempo favorável, o dia da salvação”, diz 2 Cor 6,2. Fixando o olhar no mistério pascal, onde contemplamos e vivenciamos o núcleo de nossa experiência espiritual, a entrega de amor do Senhor na Cruz e sua vitória sobre a morte na Ressurreição, queremos fazer deste tempo, um tempo fecundo, tempo de “converter”, de mudar rumos e apurar as relações, para que fique somente o que de fato, for firmado na verdade que nos faz crescer!

Neste sentido, o trecho do Evangelho que ouvimos na liturgia de quarta-feira de cinzas, pode nos orientar durante toda a caminhada quaresmal, lançando luzes sobre nossa forma de conduzir nossos relacionamentos. Parece que a Palavra de Deus (Mt 6, 1-6.16-18), nos orienta a uma tríplice atenção: nossa relação com Deus, nossa relação com os outros e nossa relação conosco mesmos. Ao apresentar aí as três práticas quaresmais do jejum, da esmola e da oração e abrir assim o tempo quaresmal, recebemos um itinerário seguro para refazer nossas práticas relacionais.

A primeira é a vida de oração. A oração ao Pai de amor, no “escondido do quarto”, diante daquele que vê o coração como ele é, sem hipocrisias, é o caminho seguro para um relacionamento que a cada dia pode crescer e amadurecer. A qualidade de nossa relação com Deus depende de nossa vida de oração pessoal e comunitária. A quaresma nos dá a chance de intensificar essa vivência de oração através, quem sabe, de um projeto de oração, um roteiro ou esquema que nos ajude a não nos perdermos na correria do dia a dia, e assim relegarmos a segundo plano nossa vida de oração. Precisamos estar na presença dEle para ouvi-lo. Nossa oração precisa ser encontro, entrega, local de confiança e amizade com Deus. Desta forma nossa relação com Deus, em Jesus, encontrará nesses quarenta dias da quaresma um momento especial para se revigorar.

A segunda prática quaresmal que nos é proposta é o jejum. Jesus pede que não o façamos com hipocrisia, para sermos vistos, mas como um mergulho no nosso coração, para perceber aí o que nos arrasta e desintegra interiormente. A fome, consequência física do jejum, é uma possibilidade de nos encontrarmos com uma necessidade básica de todo ser humano: alimentar-se. Mas nos remete a todas as outras necessidades que trazemos e que, se não nos cuidamos, podem se transformar em vícios que não nos deixam livres para viver de forma mais plena o projeto de Deus para cada um de nós. O jejum é um exercício de ascese. De busca de Deus e de controle de si.

É, portanto uma forma de melhorar nossa relação conosco mesmos. Mas como toda ascese que não leva em conta a ação da Graça, pode nos levar à falsa ideia de que somos nós, com nossas forças e méritos, que conseguimos permanecer no caminho da fé. Esse engano deve ser substituído, sobretudo neste tempo quaresmal, por uma real noção de nossa fragilidade humana, de nossa capacidade de pecar e ao mesmo tempo de perceber aí a oportunidade de uma entrega de toda minha vida a Deus. “E de reconhecer que não tenho garantia alguma de não pecar mais. Se Deus não me sustentar, sempre tornarei a cair no pecado. Posso fazer o que quiser, mas, sem a graça de Deus, eu sou incapaz de resistir ao pecado. Quando isto chega ao meu coração, não me resta outra saída senão entregar-me a Deus” (Anselm Grün. Espiritualidade a partir de si mesmo).

Por fim, ao nos propor a prática da esmola, que podemos dizer aqui, da caridade, Jesus nos coloca na direção do outro, fazendo-nos pensar na qualidade cristã de nossas relações com aquelas pessoas que estão na nossa vida, povoando nosso caminho de todos os dias. Jesus pede que façamos com gratuidade, ou seja, sem esperar nada em troca e de forma que não chamemos a atenção para nós mesmos. Talvez dito de outra forma, nossas relações devem ter como finalidade o bem do outro e não nossa boa fama e nosso desejo secreto de cumprirmos com uma obrigação religiosa ou ficarmos com a consciência livre pelo bem feito.

A Palavra de Deus, desta forma, nos apresentando a proposta de Jesus, coloca diante de nós um itinerário bonito, mas exigente para que renovemos nossas relações. Que nossa quaresma, à luz desta Palavra, seja tempo de recomeçar, confiando no amor de Deus ou como diria São Bento “sem jamais desesperar da misericórdia de Deus” e buscando viver desde já, na nossa experiência cotidiana de fé o mistério de morrer com Cristo (tanta coisa precisa morrer em nossas relações) para com Ele ressuscitarmos.

Pe. Lucemir Alves Ribeiro, MSC, Reitor do Santuário de Nossa Senhora da Agonia – Itajubá- MG