Revista de Nossa Senhora
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Amado seja por toda a parte o Sagrado Coração de Jesus

Quando falamos de “coração”, não estamos falando de algo puramente sentimental, emocional ou romântico. A Bíblia nos ensina que o coração é o centro do homem.

Texto: Pe. Benedito Ângelo Cortez, mSC

Querido irmão e irmã, com alegria peço licença para chegar até você e propor-lhe um diálogo de “coração para coração”. Tenho certeza de que, através de nossa fé, nos encontramos sempre diante do Coração do divino mestre. Portanto, mais do que uma leitura, meu desejo é que esse texto tão singelo nos ajude a contemplar o Coração transpassado de Cristo. Queremos aprender desse Coração que é manso e humilde (Mt 11,29). Ele tem a pedagogia da misericórdia e da compaixão.

Pelo batismo fomos “regenerados” (1Pe. 1,23), nascemos pela água que brotou do Coração de Cristo pendente na cruz. O Padre Júlio Chevalier, um extraordinário missionário francês, que fundou a Congregação a qual pertenço, gostava de dizer, quando contemplava o Coração ferido de Jesus na Cruz: “vejo nascer desse Coração um homem novo, uma mulher nova, um mundo novo…”

Somos filhos e filhas dessa fonte inesgotável de amor. Na cruz, o Coração de Jesus se transforma em útero, onde fomos regenerados. A ferida se transforma em fonte de um manancial que jorrou abundantemente para nos purificar de nossos pecados. Não fomos lavados por uma água qualquer, mas na pia batismal fomos mergulhados nessa torrente sagrada e sacramental. Pelo batismo nosso coração foi abraçado pela misericórdia do Coração de Deus.

Quando falamos de “coração”, não estamos falando de algo puramente sentimental, emocional ou romântico. A Bíblia nos ensina que o coração é o centro do homem. O coração é o núcleo mais profundo de nossa vida psíquica e espiritual. O coração é o amor íntimo e profundo do homem, onde ele se encontra com o mais sólido, verdadeiro e genuíno de si mesmo. O coração é o lugar do encontro, onde a relação e o contato com as coisas, com os outros, consigo mesmo e com Deus, se convertem em encontro ardente e luminoso. O coração é o templo de Deus. No coração habita o Espírito de Deus, enchendo o homem de seu amor e de sua sabedoria. “Não sabeis que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1Cor 3,16). Desde o coração se irradiam o ser íntimo do homem e o Amor infinito de Deus.

Deus sempre está a nossa procura, chama por nós, como no paraíso chamava por Adão. Nós, envergonhados pela mancha do pecado, nos escondemos de Deus. Quantas vezes, iludidos pela serpente de nosso egoísmo, de nosso louco desejo de ser “como deuses” e não humanos, ainda fugimos de Deus como nossos primeiros pais no paraíso. Mas, graças ao SIM de Maria, a Serva do Senhor e Nossa Senhora, o Verbo se fez carne. O humano e o divino se abraçaram no Coração de Jesus. Nele, nosso coração sedento de vida e de salvação, é alcançado pela graça de Deus. Ele verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus, nos ensina que, quanto mais humanos formos, mais perto de Deus estaremos.

O apostolo Paulo não tem dúvidas ao afirmar que nossa “vida e identidade estão escondidas em Cristo” (Col. 3,3). Em outras palavras, podemos dizer que só no Coração de Jesus encontraremos o sentido mais profundo de nossa existência, de nossa humanidade, de nossa salvação e de nossa missão como cristãos no meio deste mundo em que vivemos. Mundo marcadamente insensível e desumano. Mundo “sem Coração”, como costumamos dizer, porque não aprendemos ainda a viver com o coração.

Confiemos no Coração de Jesus. Falemos com ele, em nossas orações, apaixonadamente; falemos de coração para coração. Que o Coração de Jesus seja para cada um de nós, fonte de graças e escola de mansidão e humildade, para, assim, levarmos adiante a missão que nos propôs.

Façamos do título desse artigo nossa oração. Durante esse mês, rezemos:

“Amado seja por toda a parte o Sagrado Coração de Jesus! Eternamente!”

Pe. Benedito Ângelo Cortez, mSC é Superior Provincial da Província de São Paulo dos Missionários do Sagrado Coração


APRESENTANDO . . .

JANEIRO está aí e não poderíamos estar em melhor companhia do que começar o ano lembrando a maternidade divina de Maria, festa relativamente nova no calendário litúrgico, iniciativa do Papa Pio XI, em 1931, a fim de celebrar o quinto centenário do Concílio de Éfeso. Louvando a Virgem, Ir. Marta, FNSSC, escreve sobre Maria, a bem-aventurada. Discorrendo sobre Deus todo poderoso, Padre Paulo Roberto nos lembra que o poder de Deus não é algo abstrato, mas relacional.

Caro leitor, continue que você vai apreciar ainda a tão aguardada coluna do Padre Agenor, desta vez falando sobre o exercício da liderança.

Na página Santuário em seu Lar, vamos encontrar a nova série OLHARES, a saga de leigos que, na década de 50, vieram do interior para Vila Formosa, São Paulo, e aqui tomaram conhecimento do santuário e se encantaram com a devoção e com a comunidade.

Padre Antônio Carlos, missionário no Equador, sobre o interessante resultado de uma pesquisa sobre práticas e costumes da terra na celebração de Finados.

Você vai ler ainda os comentários litúrgicos do Padre Tarcísio Francisco, o artigo do Padre Zezinho sobre a influência de uma certa mídia invasiva que violenta nossa juventude, bem como um texto do Padre Alex, sobre a esperança, focalizando o drama dos mineiros do Chile, no deserto de Atacama. E no finzinho, página colorida, a esperada coluna do Padre Reuberson, jovem missionário na Amazônia, contando-nos cenas pitorescas de um dia de desobriga às margens do rio Negro.

Caro leitor(a), que essa leitura lhe faça bem.

A Redação.

“O essencial é invisível aos olhos”

A frágil rosa amarela parece falar-nos de uma realidade que é muito nossa, está em cada um de nós, mas que parece estar soterrada por uma avalanche de coisas e trabalhos que nos consomem dia após dia.

Texto: Pe. Lucemir Alves Ribeiro, mSC

Gratuidade! Essa parece ser a palavra que melhor encontro para tentar definir algo simples, quase estranho, mas cheio de uma beleza misteriosa que salta aos olhos de quem ousa perder tempo para contemplar pela manhazinha, o desabrochar de um pequeno botão de rosa amarela ainda salpicado do orvalho do dia que está iniciando. O movimento de “desabrochar” que parece ter sua origem dentro mesmo do pequeno botão, vai aos poucos, bem devagar, tomando conta de todas as suas pétalas, ainda escondidas e protegidas uma sobre a outra. A impressão que se tem, é que este movimento que aos poucos vai dando forma a uma jovem rosa, faz com que ela se entregue toda, com tudo aquilo que nela havia sido guardado, gestado, deste o momento em que um pequenino broto tomou forma e foi crescendo. Já não há mais nada escondido. As folhas amarelas, com pequenas diferenças de tonalidade de cor nas pétalas, estão abertas, generosas, doadas, exalando beleza e perfume simplesmente porque foram criadas para isso, sem esperar nada em troca! Gratuitamente!

Estranha lógica, poderíamos pensar. Como ela pôde expor tudo o que tinha, num espetáculo único, sem mesmo querer ter uma pequena plateia para admirar sua beleza? Como pôde não se importar com elogios, mais do que merecidos? E o pior: que utilidade tem tudo isso, se dentro de poucos dias, não haverá mais rosa nenhuma, e talvez nem mesmo a lembrança de que ela existiu?

A frágil rosa amarela parece falar-nos de uma realidade que é muito nossa, está em cada um de nós, mas que parece estar soterrada por uma avalanche de coisas e trabalhos que nos consomem dia após dia. Ela é admirada por nós no seu oferecer tudo o que é, porque nos fala da singeleza da gratuidade. Uma das características mais indeléveis do amor: dar sem esperar nada em troca. Doar-se porque se ama. Perder tempo, porque isso torna o outro mais feliz. Estender as mãos porque elas foram feitas especialmente para isso: ir de encontro com o outro, doando-se. Em meio a tantos interesses escusos, a uma busca sempre desconfiada de terceiras intenções nos relacionamentos, a um frenesi utilitarista que somente vê lucro, interesses de poder e status, somos convidados a contemplar rosas! Estranho, não?… Mas é isso mesmo. Aprender com as coisas simples. Ter gosto e prazer em reaprender a amar em gestos pequenos, descomplicados, como um sorriso, o preparo de uma mesa, o dar lugar de assento a outra pessoa, o escutar com atenção quem nos dirige a palavra, o desejo consciente de diminuir o ritmo acelerado da fala e das atividades. Quanta coisa teríamos.

Alguém já nos ensinou tudo isso com maestria. Alguém já perdeu tempo em ir de encontro de pessoas que aparentemente não tinham nenhum valor. Perdeu tempo contando estórias de pardais e lírios dos campos, de ovelhas e semeadores, de vinhas e moedas perdidas. Alguém nos ensinou que amar é assim mesmo, se aprende na vida, amando e amando de novo, recomeçando todo dia… gratuitamente. Jesus de Nazaré viveu e morreu assim. E continua vivo entre nós, se de novo vivemos essa realidade, cultivamos esse sonho, essa aventura de continuar a plantar sementes que transformem o mundo num jardim, num constante Éden, de preferência com muitas rosas amarelas para serem vistas e admiradas. Continuar este sonho depende de nós, que dizemos segui-lo. Que seu Espírito continue a suscitar em nós a ousadia de “perder tempo” com o que de fato importa, com o que pode nos ajudar a sermos pessoas mais livres no amor, simples e desapegadas, descomplicadas e próximas, confiantes e capazes de se oferecerem com gratidão e gratuidade.

Pe.Lucemir Alves Ribeiro, mSC é Diretor da Casa de Filosofia, em Campinas, SP.

Nossa Memória viva e celebrada

A missa é comum nos relatos, dos mais sofisticados da cidade até os antigos onde as tumbas se perdem na historia do tempo.

Texto: Pe. Antonio Carlos Meira, mSC

Introdução

Estimado leitor, faço uma ligação do fato de celebrar a esperança no dia de Finados e a historia que vivemos como Missionários do Sagrado Coração. Na verdade, podemos dar muitas voltas na vida, mas não podemos perder a esperança. Para isto, a celebração recorda o passado e é motivo para arrancar a coragem dos primeiros que iniciaram o caminho, deixam marcas no chão para que assumamos a missão com o mesmo entusiasmo daqueles sonhadores de primeira hora.

Celebrar a Esperança com os Finados

Fazer memória de nossa história. Uma tarefa importante para as novas gerações num tempo em que o presente passa quase absoluto, esquecendo-se dos antepassados. Olhar o passado não significa voltar atrás, senão avançar conhecendo o espírito de nossas origens. Um dos grandes problemas que encontramos na formação da juventude hoje é a perda do significado da historia. Contenta-se com o viver o hoje, sem passado e sem futuro. (conf. DA 44)

Quero comentar uma pesquisa que mandei como tarefa de casa para os alunos leigos com quem trabalho, dando aula aos sábados, no seminário diocesano. Um grupo heterogêneo, com gente de todas as classes da cidade e do campo, e de todos os níveis de formação: de universitário a gente simples. Para Finados, pedi uma tarefa investigativa de observação dos cemitérios, e que buscassem dar a sua interpretação, como matéria de escatologia.

Ontem, li mais de cinquenta trabalhos que relatavam uma variedade de experiências baseadas em crenças, lendas e sentimentos das pessoas entrevistadas. Por exemplo, numa comunidade um pouco distante daqui, um fato curioso chamou a atenção de todos. Nesse dia os mortos são recordados com uma comida familiar, cozinhada a dois metros de profundidade embaixo da terra, ou seja, num buraco. Estas comidas são assadas, distribuídas entre os familiares, uma parte é deixada para que o morto venha comer durante a noite.

Noutros lugares, preparam, de igual maneira, iguarias para os mortos, acreditando que na noite do dia 02 de novembro, eles voltem a comer, participando da comida feita para toda a família, ou seja, Finados é celebrado como parte da família. Por isso, ganha importância para todos, o significado da continuidade da historia desta vida para a outra. Ao mesmo tempo, em que num cemitério uns celebram a memória dos que se foram, noutro cemitério, numa cidade não muito longe, o costume é deixar o nome dos familiares escrito na tumba; outros contratam cantores com suas musicas tristes ou alegres, para cantar nas tumbas.

A missa é comum nos relatos, dos mais sofisticados da cidade até os antigos onde as tumbas se perdem na historia do tempo. Uma das crenças é que cada vez que se celebra uma missa para o finado, a alma vai se livrando das penas no purgatório.

Seria bastante recordar outras historias. O mais importante foi recordar e meditar com os alunos como o passado nos faz viver a esperança no futuro, com os compromissos no presente. A tarefa de sonhar e viver a vida, aqui e agora, com alegria na fé da ressurreição.

Nosso Passado, Presente e Futuro

Essa dinâmica do passado, do presente e do futuro, fez-me pensar ao celebrar a nossa historia como MSC, no meio de uma variedade de culturas, desde a realidade brasileira. Nestes cem anos de presença dos MSC no Brasil, o mundo deu um giro que os primeiros missionários levariam um susto ao ver as realidades onde começaram e sonharam com a fundação da congregação. O mundo rural quase desapareceu nas ultimas décadas, as fronteiras escolhidas como desafios missionários, de repente foram invadidas pela cidade, por uma cultura quase incompreensível para quem não acompanhou as mudanças. Os desafios missionários mudaram de lugar e agora pedem novas respostas para as gerações presentes.

Contudo, o desconhecimento do processo faz com que fixemos os ideais olhando para trás, pensando que aquele mundo era ideal e que devemos permanecer no sonho dos primeiros. O itinerário missionário foi forçado a mudar de enfoque com os novos ventos do mundo atual e do processo da historia. Voltar às raízes é uma das tarefas nesta celebração dos cem anos. Mas, é perigoso cair na tentação de querer repetir as mesmas obras daqueles primeiros missionários. No entanto, é preciso assumir com valentia e coragem os novos desafios que marcam a identidade do carisma missionário, como batizados e como consagrados à vida religiosa. Sobretudo, fortalecer a identidade de nossa vida própria como Missionários do Sagrado Coração de Jesus. Sonhar e festejar o passado heróico de nossos antepassados significa antecipar o futuro, numa feliz esperança de que tudo se completa em Jesus Cristo, no amor ao seu coração que sangra com os que sofrem com a miséria o abandono nas ruas, os excluídos da terra.

Nas celebrações festivas, encontramos base para meditar nossa trajetória na historia do mundo. Na consciência popular está presente a transição de nossa peregrinação na terra, nossa passagem por lugares diferentes, onde morremos e renascemos com os sofrimentos do povo.

Pe. Antonio Carlos Meira, mSC é missionário no Equador

Pra começo de conversa

Dezembro, é Natal outra vez.

Com Maria e José vamos acolher o Menino da manjedoura, o Emanuel, Deus Conosco. É o tema que perpassa as páginas de nossa revista, como lemos na coluna sobre Maria, assinada pelo Padre Bertasi, onde o filho primogênito, no presépio, é a imagem mais eloquente da bem-aventurança dos pobres. Esse Deus vem com poder, atributo divino cuja descrição podemos apreciar na página de Catequese, do Padre Paulo Roberto: o Deus que é pobre, que é amor e misericórdia.

Na Página Missionária, Padre Antônio Carlos Meira nos conta detalhes curiosos da devoção aos santos, por ocasião de sua estada em Chiapas, no México, para participar de um congresso de Antropologia.

Na Amazônia, nosso jovem missionário, Padre Reuberson, narra fatos pitorescos de sua experiência de itinerância, evangelizando nossos irmãos indígenas às margens do rio Negro.

No capítulo Espiritualidade, na apreciada coluna do Padre Agenor Girardi, aprendemos o que vem a ser a verdadeira liderança, que é feita de sabedoria, maturidade, sobriedade e modéstia.

Caro leitor, não para aí a variedade de artigos de nossa Revista de Nossa Senhora: tem a página sempre esperada do Padre Zezinho, tem o Santuário em seu Lar, Notícias da Igreja e um interessante artigo da palavra do Padre Alex, “ A Era dos Extremos”, baseado em obra de Erick Hobsbawn, mostrando os contrastes do século XX (guerras e alta tecnologia) e como essas fases cíclicas poderão se repetir no terceiro milênio. E tudo isto, sem falar do santuário da Agonia, em Itajubá, Liturgia, Pode Perguntar, Testemunhos e muito mais.

Como você pode perceber, muitas mãos ajudaram a preparar pra você essa bela edição natalina.

Faça uma proveitosa leitura. Que o Menino Deus nasça em seu coração e no coração de todos os seus.

UM SANTO E FELIZ NATAL !

A Redação.

O exercício da liderança

A tarefa de liderança pressupõe maturidade espiritual e humano-afetiva. O verdadeiro líder precisa ser amadurecido pela chuva e pelo sol e ter sido entregue às provações da vida.

Texto: Pe. Agenor Girardi, mSC

A capacidade de liderar: - A tarefa de liderar outras pessoas tem como base a capacidade de saber lidar consigo mesmo em primeiro lugar. Quem não aprendeu a lidar consigo mesmo não está preparado para lidar com outras pessoas. Tal pessoa tem que saber lidar em primeiro lugar com seus pensamentos e sentimentos, com suas necessidades e paixões. Sem princípios humanos e éticos, não é possível exercer dignamente a liderança. Caso contrário, vai misturar sua tarefa de liderança com suas necessidades não resolvidas. E suas paixões reprimidas acabam determinando suas emoções. Quanto tempo perdido por causa de inveja e rivalidade, por causa de agressões recalcadas e imaturidade da liderança que está à frente de uma comunidade. Quem assume um cargo de liderança deve passar em primeiro lugar por este treinamento de si mesmo.

A virtude da sabedoria: - A primeira condição para exercer bem a liderança é ter a sabedoria de coração. Tal sabedoria não provém apenas do grau acadêmico, do estudo adquirido. A pessoa sábia é sensata e sabe ponderar as questões envolventes. Na língua latina temos a palavra “sapiens” e tem o sentido de experimentar, saborear, ter entendimento e compreensão. Somente quem experimenta as coisas como elas são, se tornará sábio. A sabedoria está ligada com a experiência de vida. Mas não se trata apenas de um saber exterior, mas sim da sensibilidade interna. Sábio é aquele que tem senso prático e fineza no trato com as pessoas. Ser pessoa é tratar o outro como pessoa.

A liderança supõe maturidade: – A tarefa de liderança pressupõe maturidade espiritual e humano-afetiva. O verdadeiro líder precisa ser amadurecido pela chuva e pelo sol e ter sido entregue às provações da vida. Somente assim tal pessoa pode ser apreciada por aqueles os quais deve liderar. Quando a pessoa soube enfrentar o calor do dia e a escuridão da noite, a rejeição do mundo e a crítica adversa, a semente que traz dentro de si, vai se transformando lentamente. Os critérios da maturidade humana passam a ser a paz interior, a serenidade e a integração com sua própria pessoa e com os demais. Aquele que está em contato com seu centro, não se deixa abalar facilmente e nem ser levado pelas adversidades.

A sobriedade: – É uma característica da liderança. Na língua latina a palavra “sobrius” significa não estar embriagado, mas tem também o sentido de não perder o controle de seu cargo. É cultivar a virtude da temperança, tão necessária em todos os tempos e circunstâncias. É estar sóbrio e não se deixar dominar pelos desejos. A pessoa sóbria é imparcial nos seus julgamentos e decisões. Sabe avaliar as coisas de forma objetiva e não se deixa levar pelas emoções do momento. A pessoa imparcial é uma pessoa amadurecida espiritualmente. Muitas pessoas não percebem as coisas como realmente são, mas somente através de suas necessidades reprimidas, de suas emoções, de seus medos e desconfiança.

A modéstia: – É outra característica de uma liderança amadurecida. A maneira como comemos diz muito sobre a nossa relação com as pessoas e conosco mesmos. Durante o ato de comer, muitas vezes torna-se claro que existe um “animal voraz” em nosso interior. Nós simplesmente devoramos os alimentos. Quem realmente saboreia os alimentos, nunca comerá muito, mas vai aprender a saborear os alimentos como dádivas de Deus. Quem apenas devora o que come, nunca vai estar em harmonia consigo mesmo. Aquele que come de forma voraz também vai “devorar” as pessoas e se aproveitará delas. Tal pessoa fará uso de tudo somente para si mesmo. Da mesma forma, será alguém ganancioso por dinheiro e tenderá a aumentar sempre suas posses e seu poder dominador. Esta pessoa vai utilizar todos os meios apenas para aumentar seu prazer, em vez de

servir aos outros no exercício da liderança. Não se importa com o bem comum, mas apenas com suas próprias necessidades desmedidas. Tal pessoa pode engolir muitas coisas e nunca ficar satisfeita. Contaminará seus colaboradores com sua insatisfação. Será cega aos deveres de liderança no serviço e amor à sua comunidade.

Pe. Agenor Girardi, mSC é Pároco da Paróquia São José em Francisco Beltrão,PR. Escreve regularmente para diversos periódicos ligados a Vida Religiosa Consagrada.

E Ela deu à luz o seu Filho primogênito

Maria e José testemunharam-nos a grande verdade de que só Deus basta. Nas horas amargas daquela noite, na solidão e no desprezo dos grandes, havia a certeza de que Deus estava ali.

Texto: Pe. José Roberto Bertasi, mSC

Enquanto aí estavam, completaram-se os dias para o parto, e ela deu à luz o seu Filho primogênito. Envolveu-o em faixas e reclinou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eleshospedaria” (Lc 2, 6-7).

César Augusto, imperador de Roma, ordenou que todos fizessem o recenseamento em sua cidade natal. Desejava saber quantos súditos tinha para cobrar os impostos que sustentavam o império. José e Maria foram até Belém. Ela estava grávida. Chegara o momento culminante, decisivo para toda a humanidade. Anuncia-se a vinda do Reino de Deus na força da pobreza. Nessa hora histórica, Maria e José vivem com muita intensidade o êxodo, a peregrinação. O Filho de Deus deve nascer como peregrino e na periferia de Belém, porque não havia lugar para seus pais no centro de Belém. Na escuridão da noite, o pobre casal abriga-se sob o teto de uma estrebaria. Na simplicidade e na pobreza de um estábulo, mas ricos na fé e no amor, Maria e José vivem esse momento de extrema importância para a história humana. A extrema pobreza tem o seu significado: nada deve desviar o olhar daquele que é tudo para nós, do maior presente do Pai para toda a humanidade e para toda a criação. Jesus, deitado na pobre manjedoura, é a criança mais esperada do mundo; a ele pertence todo o amor do Pai. A criança reclinada no presépio é o Príncipe da Paz, é o Rei dos reis.

Este momento revela-nos o verdadeiro sentido da bem-aventurança dos pobres. Maria e José testemunharam-nos a grande verdade de que só Deus basta. Nas horas amargas daquela noite, na solidão e no desprezo dos grandes, havia a certeza de que Deus estava ali. Presença amorosa e consoladora. Que mais poderiam desejar do que ver e conhecer aquele a quem Deus deu um nome insuperável, nome de Filho bem-amado, que podemos chamar de Jesus, Salvador, Deus conosco?

Jesus é chamado o Primogênito de Maria. É o Primogênito da criação. Por ele, o Verbo eterno do Pai, foram criadas todas as coisas, e tudo foi criado para ele, que vem ao mundo como verdadeira luz e vida. Sua alegria será levar a Boa Nova a muitos, para que possam com ele invocar a Deus e chamá-lo de Pai. É o Primogênito de Maria, mãe de todos nós, irmãs e irmãos dele.

O texto de Lucas mostra o anjo se revelando aos pastores, que ficaram envolvidos pela glória de Deus. São pastores, gente simples, não são comerciantes, escribas, letrados, líderes. São gente comum do povo. Nessa época, a profissão de pastor não era bem vista. Lucas apresenta os pastores de maneira simpática. Já nos acostumamos com esses relatos dos fatos do Natal que nem imaginamos o quanto eles podem ser questionadores. Essas pessoas que são as destinatárias da revelação evangélica possivelmente hoje corresponderiam a grupos que nossa sociedade não consideraria dignos de tal destaque. Deus escolhe os simples para mostrar que seus critérios são bem outros. De certa forma, nos convida a aprender com aqueles que nem costumamos ouvir porque pensamos que sabemos ou merecemos mais. Os pastores foram os primeiros a acolher o anúncio do nascimento do Menino Deus.

A alegria pelo nascimento do Deus Menino é para todo o povo. Se Deus escolheu os pastores como primeiros mensageiros, ele não exclui ninguém. Se alguém se exclui é por conta própria, não por escolha de Deus que quer que todos se salvem e descubram o caminho da justiça, da fraternidade, da caridade.

O sinal apontado pelo anjo combina com a simplicidade dos outros. Os pastores não são convidados a ir ao encontro de um majestoso senhor, de um chefe guerreiro. O sinal é exatamente aquela situação em que somos todos iguais: um menino que acaba de nascer, envolto em faixas.

Diante do mistério do Natal, invoquemos Maria como filhos afetuosos. Diante de Deus, Pai santo, nós nos ajoelhamos e louvamos seus desígnios. Adoramos o Primogênito de Maria como seu Filho único. Nele podemos invocar Deus, nosso Pai. Louvemos nosso Deus, pelo modo maravilhoso com que revelou seu amor paterno, dando-nos Jesus como irmão e Maria como mãe. Com Maria, rejubilamo-nos, vendo a grandeza do amor do nosso Deus. Pedimos que o Espírito Santo nos torne gratos, para que glorifiquemos com Jesus e Maria o excelso nome de Deus.

Lembremo-nos, também, da alegria de Maria naquela hora. As dores do parto, a insegurança do êxodo e a pobreza do estábulo são apenas o pano de fundo da sua alegria e gratidão.

Maria não tem outra riqueza além do seu Primogênito, e nenhuma outra esperança senão ver-nos como seus filhos e irmãos. A alegria de Maria é que encontremos nossa esperança e nossa alegria em Jesus, o Emanuel. Procuremos nele a nossa salvação e nos confiemos a ele.

Pe. José Roberto Bertasi, mSC é Reitor do Santuário de Nossa Senhora Aparecida do Sul, em Itapetininga, SP.

Finados

Em algumas culturas e tribos a celebração dos mortos pode até nos chocar. Há tribos que cultuam os mortos por dias seguidos, outras lamentam incansavelmente a partida de alguém, e outras ainda, dançam, brincam e vão, dias depois, festejar ao lado da lápide com comidas e bebidas. O que para alguns é estranho, para outros é a essência da vida, a continuidade da memória.

Neste mês em especial, celebramos Finados, expressão da piedade popular, ocasião em que as pessoas vão até os túmulos de seus entes queridos para rezar e fazer memória. Não é fácil porque nós, latino-americanos, somos emocionais, viscerais mesmo quando se trata da perda de alguém.

Tratando desse tema, a revista de Nossa Senhora conversou com o Pe. Valmir Teixeira, Missionário do Sagrado Coração, Reitor do Santuário das Almas, em São Paulo, uma igreja muito procurada todas as segundas-feiras e em especial por ocasião do dia 02 de novembro, celebração de Finados.

A Redação

Diário de Missão: Cué cué…

Dada a partida, começamos a singrar o volumoso, misterioso e turvo Flumen Nigrum. Serão quinze dias visitando as comunidades. A lógica inicial é simples. Chega-se à aldeia, avisa-se o dia em que haverá missa e parte-se para outra.

Texto: Pe. Reuberson Ferreira, mSC

Precisamente às sete da manhã ronca estrondosamente, interrompendo a divina orquestra das corredeiras do rio, o motor de um pequeno barco chamado “voadeira”. Às margens do majestoso Rio Negro, já estão embarcadas algumas malas, cerca de duzentos litros de gasolina e um motorista (Prático). Faltam somente o Padre e o noviço devidamente equipados e com muita ansiedade, curiosidade, expectativa e , por que não, algum medo. Trata-se, pois, do início de uma itinerância, isto é, a visita que é feita a inúmeras comunidades ribeirinhas que fazem parte da paróquia onde os Missionários do Sagrado Coração atuam no alto Rio Negro, no coração da Amazônia.

Dada a partida, começamos a singrar o volumoso, misterioso e turvo Flumen Nigrum. Serão quinze dias visitando as comunidades. A lógica inicial é simples. Chega-se à aldeia, avisa-se o dia em que haverá missa e parte-se para outra. De aldeia em aldeia, uma após outra, ao final do dia chega-se à última comunidade a ser avisada e visitada, onde passaremos a noite e o dia seguinte, até que partamos para a próxima comunidade. Trata-se, pois, de Cué-cué. Um lugar simples, que leva esse nome devido à mitologia indígena que diz que nessa parte do rio há uma pedra, semelhante a um sapo, que emite um som igual ao que dá nome à comunidade: Cué-Cué.

Ao desembarcamos nesse povoado, somos logo acolhidos por algumas crianças indígenas da etnia Baré. Elas tomam conta de nós e ajudam a carregar nossas malas. Caminhamos por uma pequena trilha às margens do rio e avistamos todas as casas – sete, no máximo. São precisamente quatro horas da tarde. Não enxergamos viv’alma. Conduzidos pelos pequeninos Barés, que ora falam português, ora falam sua língua nativa (Nhengatu), fomos levados à casa do Catequista, autoridade religiosa local. A mulher dele nos recebe muito bem e logo nos leva ao barracão comunitário, onde ataremos nossas redes e dormiremos à noite.

O sol declina, a noite aproxima-se, e os membros da comunidade regressam de suas roças. Não demora muito e o catequista aparece no barraco onde estamos alojados e oferece-nos um lauto jantar. No cardápio, xibé, quinhapira (peixe apimentado) e café. Bendizemos a Deus pelo pão que nos oferecia, pois acreditávamos que naquela noite dormiríamos com fome mesmo.

Na manhã seguinte, cedo, levantamos-nos. Trata-se de um dia especial para a comunidade. Visita dos padres implica em mudança de rotina, dia de oração e festa. Nada de roça! Todos com a sua melhor roupa, após o desjejum, ajuntam-se na capela. Homens, mulheres e crianças todos estão lá. Alguns chegam cedo, pedem o sacramento da penitência. Confessam-se com uma piedade invejável. Na simplicidade de cada um, percebe-se que são mais sofredores que pecadores.

Cantos ensaiados, confissões atendidas, começamos a celebração. O olhar atento e o silêncio monástico, revelam o amor que as pessoas têm à Eucaristia, a Cristo, à Igreja e a Deus. Uma fé sincera e inocente, mas, ao mesmo tempo, resistente às intempéries da vida e à parca assistência religiosa a eles dispensada pela Igreja.

Ao fim da missa, as mulheres saem em disparada e recolhem-se nas suas casas. Os homens ficam na Maloca comunitária, conversando com o Padre, sobre a fé, sobre a vida, sobre as dores, sobre as alegrias…..sobre a política. Quanto menos se espera, as apressadas mulheres, vão se aproximando-se da Maloca comum, com uma bacia na cabeça, onde trazem beiju, xibé, mugeca, japurá, arroz, farinha, peixe cozido (apimentado, quinhapira) e outras iguarias. Num verdadeiro ágape fraterno, numa celebração que se faz comunhão, partilhamos o pão, fruto do suor e do trabalho de homens e mulheres, calejados pela lida na roça, pelo manejo do facão, da enxada e do remo da canoa.

Após a partilha do pão, recolhemos nossas coisas, saudamos afetuosamente o povo e nos pomos, novamente, em nossa nau, a singrar o caudaloso Rio Negro, rumo a uma nova comunidade que já nos aguarda ansiosamente.

Pe. Reuberson Ferreira, mSC , trabalha no Alto Rio Negro, Diocese de S. Gabriel da Cachoeira(AM).

Se Jesus me aparecesse

Se Jesus me aparecesse, talvez eu lhe pedisse um tempo para pensar. Mas imagino que ele saberia explicar por que fez isso com um pecador!

Texto: Pe. Zezinho, SCJ

Se Jesus voltasse do céu antes da parusia e me aparecesse em caráter particular, eu acho que teria mais medo do que os três apóstolos que, mesmo convivendo com ele, esconderam o rosto diante do seu brilho. ( Mt 17,2 ).

Ele sabe das minhas incertezas e do quanto não me sinto digno disso. Por isso, como aos discípulos de Emaús, (Lc 24,13) que, certamente, eram melhores do que eu e, como a Tomé ( Jo 20,27 ), que o amava mais do que eu o amo, ele teria que  me provar ser ele e não uma ilusão minha. Eu apostaria na ilusão da minha parte, porque milhares se iludiram. Duvidaria, como os discípulos duvidaram do que viam.

Mas se, de fato, Jesus me quisesse dizer alguma coisa e me aparecesse eu pediria licença para consultar meus superiores. Oriento-me melhor pela sabedoria deles. Já vi o que acontece com videntes que não se deixam orientar por ninguém e com iluminados que consultam os outros, mas depois fazem exatamente o que querem.

Se Jesus me aparecesse, talvez eu lhe pedisse um tempo para pensar. Mas imagino que ele saberia explicar por que fez isso com um pecador! Os que dizem que Jesus lhes apareceu têm uma enorme responsabilidade pela frente. Imagino que saibam o que estão dizendo! Se for verdade, Deus seja louvado por mais este vidente! Se não for, Deus o perdoe por usar Jesus e seu santo nome!

Como Jesus nunca me apareceu até agora, nem nunca falou comigo, eu vivo da catequese, da teologia e da ascese que aprendi. Aceito as conclusões da Igreja na qual fui batizado, dos teólogos e estudiosos da fé que certamente sabem mais do que eu. Sou um dos 99,99% de cristãos que nunca viram nem receberam visita ou aviso de ninguém do céu. Vivo de crer sem ver! Sobre isto Jesus afirma que é um bom caminho!(Jo 20,29).

Pe. Zezinho, scj é músico e escritor. Tem aproximadamente 80 livros publicados e bem mais de 115 álbuns musicais.

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