Revista de Nossa Senhora
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CARO LEITOR (a),

Há pouco, neste espaço, falávamos da vocação missionária dos Missionários do S. Coração, um desejo que, desde os primórdios, invadiu o coração de nosso Fundador, o Padre Júlio Chevalier. Sua convicção era tamanha que, embora contasse com um pequeno grupo de companheiros, mesmo assim teve a coragem de persuadir seu Conselho e enviar os primeiros missionários para a obra de evangelização da Nova Guiné. Isto foi em 1881.

Alguns anos depois, convidado por um bispo do Equador, Chevalier aceita o pedido para que, naquele país da América do Sul, os MSC, além da evangelização propriamente dita, cuidassem da edificação e direção espiritual de um Santuário Nacional dedicado ao Sagrado Coração de Jesus. Por conta de vários fatores, entre os quais a falta de um contrato bem definido e pouco empenho do arcebispo, o empreendimento não atingiu todos os seus objetivos e se encerrou melancolicamente em 1893.

Pouco mais de 100 anos depois, mais precisamente em julho de 1996, os MSC voltam àquele belo país dos Andes, desta vez representados por três confrades brasileiros, Antônio Carlos Meira, Aílton Izaías da Silva e Moacir Goulart Figueiredo, os pioneiros dessa empreitada missionária. Mais tarde, seguiram outros e, enquanto alguns permaneceram em Quito, capital, outros buscaram o interior do país, galgando os páramos a mais de 3 mil metros de altitude …

Mais de 15 anos trabalhando naquele país, compensadora tem sido a colheita, inclusive com alguns vocacionados, jovens que ingressaram em nossa família religiosa.Mas eu queria falar em especial sobre um confrade que lá está desde o início, o Padre Antônio Carlos Meira. Isto porque houve um leitor que estranhou e se incomodou com o fato de este padre, muitas vezes, mesclar seus

artigos com citações em espanhol. Caro leitor, antes que você julgue o caro confrade, saiba que essa prática é aquilo que os franceses chamam “défaut de qualité”

(defeito de uma qualidade). Não é falta, é virtude. Virtude de quem se inculturou e assumiu de tal modo o jeito daquela gente, a ponto de achar mais fácil expressar-se na língua deles. Um pouco como São Paulo, que era judeu com os judeus, e grego com os gregos.

Pois bem, Padre Antônio Carlos, após 13 anos evangelizando comunidades indígenas no frio intenso das montanhas, aceita o desafio de desmanchar sua tenda e levantá-la de novo na região de clima úmido e tropical de Portoviejo, no litoral do país, em meio a uma população pobre e esquecida. E com o mesmo entusiasmo

e o mesmo zelo! Assim, caro leitor, esses nossos irmãos da vanguarda missionária vão se entregando à obra da evangelização, fazendo amado sempre mais e por toda a parte o Sagrado Coração de Jesus.

A REDAÇÃO.

 

Religião pela metade

Um dos maiores especialistas em linguagem portuguesa, na região onde eu morava, tinha um enorme problema: prolação. Sabia tudo sobre gramática e como escrever o português, mas não sabia falar de maneira inteligível, comia todos os finais das palavras porque baixava demais a voz no encerramento da pronúncia. Assim, o homem que sabia português a ponto de ensiná-lo, até mesmo a outros professores, não sabia falar, pois um vício de linguagem deixava as palavras pela metade.

O que aconteceu com este professor de português acontece com muitos de nós que sabemos tudo sobre o catecismo, sobre teologia ou sobre liturgia, mas, na hora de viver o que sabemos ou expressar aquilo que conhecemos, temos dificuldade. Um cardiologista, amigo meu, não conseguia se livrar do cigarro e sofria do coração e do pulmão. Um médico que conheci, desaconselhava bebida a todos, mas ele mesmo exagerava na dose. E pode acontecer e acontece que o pregador ensina para os outros, mas ele mesmo não vive.

A expressão é de Jesus: “médico, cura-te a ti mesmo.”, Ele a usou repetindo um adágio do seu tempo. Temos, todos, a tendência de ensinar os outros a viver, mas, quanto toca a nossa vez, vivemos apenas um pouco daquilo que cremos ou ensinamos, faz parte da condição humana. Ensinar a perfeição é uma coisa, coerência é outra.

Pe. Zezinho, SCJ é músico e escritor. Tem aproximadamente 80 livros publicados e mais de 115 álbuns musicais.

www.padrezezinhoscj.com

Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes

Esta frase poderia muito bem estar num manifesto político. É bem forte e soa quase como um slogan de campanha, mas é uma frase dos Evangelhos e, certamente, você já a ouviu antes. Trata-se do versículo 52 do primeiro capítulo do Evangelho segundo Lucas.

Acompanhando todo o texto vemos que é uma frase colocada na boca de Maria, mãe de Jesus, logo depois da saudação que Isabel faz a ela. Faz parte do discurso maior de Maria, que tradicionalmente chamamos Magnificat, por conta das palavras iniciais deste texto em latim (Magnificat anima mea Dominum – Minha alma engrandece o Senhor).

Pois bem, agora que você já sabe desses pormenores, vamos em frente. Longe de ser, como já disse, um discurso de propaganda política ou figura de linguagem, o Magnificat resume a ação salvadora de Deus manifestada na história. A palavra da Mãe de Jesus, carregada de poesia, é profética. Aliás, poesia e profecia não rimam apenas no som, mas no significado. Lendo atentamente a Escritura, a gente vai percebendo que todo profeta é meio poeta, mas isso já é um outro assunto…

Maria, diante do mistério da Encarnação, do perceber-se morada do Altíssimo, justamente ela, pobre jovem de uma cidadezinha do interior, entende a desconcertante maneira de agir de Deus. Ele não é um deus que se coloca do lado dos poderosos que constroem seu poder pisando nos fracos, pelo contrário, é um Deus que se coloca ao lado dos necessitados. E mais, coloca-se ao lado dos fracos fazendo-se fraco­ com eles (Cf. Fl 2). A jovem de Nazaré compreendeu isso em sua própria carne, pois, para fazer vir à Terra o Filho Eterno, o Pai poderia muitíssimo bem ter escolhido a mais rica, a mais bonita, a mais inteligente e a mais popular filha de Israel, nascida em algum bairro bom de Jerusalém, a capital. Não escolheu. Preferiu a menina da periferia do Reino, pobre e desconhecida. Lógica, no mínimo, esquisita de Deus, a quem nos acostumamos a imaginar como Altíssimo e Onipotente.

Mas talvez esquisita seja a nossa lógica, e não a de Deus…

Desde o início Ele parece ter sempre uma predileção pelo desfavorecido (Is 66, 2). Escolhe um povo pequeno, desconhecido, para ser o seu povo (Dt 7, 7-8). Elege, no meio desta gente, os mais desprezados, aparentemente incapazes para serem líderes ou profetas. Moisés, gago (e assassino, diga-se de passagem), tornou-se libertador (Ex 4,10; 2,12). Eliseu era careca (II Rs 2, 23). Davi e Samuel, jovens demais (I Sm 16, 1-13; 3, 1-21). Oseias casou-se com uma prostituta (Os 1) e Jonas fugiu de Deus! (Jn 1)

Tudo isso porque Deus não vê as aparências, mas o coração. A Deus não importa nem um pouco o que parecemos ser: ele nos conhece mais do que nós mesmos. Importa o que trazemos no íntimo e nas nossas intenções.

Mas Maria não faz, em seu cântico, apenas uma constatação de que Deus age assim e pronto, acabou. Seguindo a mais bela tradição profética (e poética) ela vai além: Deus é o Deus que sacia os famintos. Ora, infelizmente não vemos mais chover pão, como choveu maná no deserto. E não é porque Deus não possa fazer isso, mas porque ele deseja a nossa contribuição no cumprimento desta profecia dita por Maria. Os famintos se encherão de pão, sim, mas pelas nossas mãos. Por isso é mais do que necessário estarmos atentos ao mundo ao nosso redor. Não se pode dizer que amamos a Deus se fechamos o nosso coração ao irmão. Nossos louvores e pregações devem estar acompanhados imprescindivelmente do testemunho de vida, como Maria que, ao saber da gravidez de Isabel, apressou-se a ir ao encontro da prima para ajudá-la nos dias da gestação. “Recebemos de Deus este mandamento: aquele que ama a Deus, ame também o seu irmão”(Cf. I Jo 4, 21).

Contemplando Maria, fica-nos sempre a sensação de estar ainda longe de sermos modelos. Mas vamos tentando; o importante é não desistir. Que Ela nos alcance de Deus a iluminação pela luz do Magnificat, e construtores do Reino de Deus que começa aqui e se completará quando estivermos todos juntos, Maria, nós e a Trindade, na festa que nunca tem fim.

Fr. Fernando Clemente, MSC, é graduado em Filosofia e atualmente cursa o 2º ano de Teologia.

 

Congregação Missionária

A família religiosa dos Missionários do Sagrado Coração de Jesus, que há mais de 150 anos, publica as revistas ANAIS, que entre nós trazem o subtítulo de Revista de Nossa Senhora, RNS, sempre privilegiou as missões como uma de suas principais mediações.

Nosso Fundador, Padre Júlio Chevalier, convidado pelo Papa, através da antiga Propaganda Fidei, para assumir as missões na Nova Guiné, no Pacífico, em vão tentou convencer seus colegas que não concordavam, dado o pequeno número de membros na ocasião. Para conseguir seu intento, ficou famosa sua artimanha para convencer seus pares, arquitetada em parceria com o Cardeal Simeoni, em Roma, mas esta é outra história . . .

Na Igreja Pré-Vaticano II, quando ainda não se falava em reevangelizar as grandes metrópoles da Europa, hoje comunidades de pagãos batizados, as edições de ANAIS de quase todas as Províncias MSC, povoavam suas páginas com relatos sobre nossas missões no Pacífico, no antigo Congo Belga, nas Filipinas, na Indonésia.

Os Anais da Província de São Paulo, na década de 60, traziam relatos de nossos missionários brasileiros, na Indonésia, e ficaram famosos os textos saborosos e pitorescos do saudoso Padre Laureano Marques, intrépido missionário nas llhas Key. Nossos leitores já terão notado como, apesar de novos tempos e outros ventos, nossa revista ainda trata com carinho o trabalho de nossos missionários atuais, tanto em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, como no Equador.

Padre Reuberson, na força e entusiasmo de sua juventude, nos conta a cada edição da RNS, suas incursões singrando as águas do Rio Negro e seus afluentes. Padre Antônio Carlos Meira, missionário experiente e calejado, nos edifica com sua postura de autenticidade e entrega na evangelização daquelas áreas difíceis dos Andes. Tendo trabalhado vários anos nos rigores dos páramos, a 3 e 4 mil metros de altitude, aceita agora o convite para descer ao litoral quente e úmido daquele país a fim de evangelizar os pobres de Portoviejo.

Nós agradecemos a Deus pelo testemunho de dedicação e coragem desses nossos confrades que não deixam apagar-se a chama que um dia o Padre Chevalier e nossos maiores acenderam nos primórdios da Congregação. Deus seja louvado!

A REDAÇÃO.

Maria e a arte do perdão

Viver não é fácil, e a gente sabe muito bem disso. A existência humana traz em si essa mistura interessante de tragédia e comédia, que é o que acaba dando beleza a tudo, dando-nos a oportunidade de achar prazer em viver. Há tempo para tudo, tempo para gemer e tempo para bailar.

Há um momento para tudo e um tempo para todo propósito debaixo do céu. Tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar a planta. Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de destruir, e tempo de construir. Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de gemer, e tempo de bailar. Tempo de atirar pedras, e tempo de recolher pedras; tempo de abraçar, e tempo de se separar. Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de jogar fora. Tempo de rasgar, e tempo de costurar; tempo de calar, e tempo de falar. Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz.” (Ecle 3, 1-8).

Talvez você já possa ter lido este trecho do Eclesiastes em outras ocasiões, sem deixar de concordar intimamente com suas palavras. De fato, há um tempo para tudo nesta nossa vida, e é esta sucessão de acontecimentos, de momentos duros e alegres, que nos vai construindo como pessoas.

Viver não é fácil, e a gente sabe muito bem disso. A existência humana traz em si essa mistura interessante de tragédia e comédia, que é o que acaba dando beleza a tudo, dando-nos a oportunidade de achar prazer em viver. Há tempo para tudo, tempo para gemer e tempo para bailar.

Foi precisamente esta vida que Maria viveu, e que Jesus assumiu. Vida que nos cobra sempre nos refazermos, sempre nos reinventarmos. Como num baile, em que sempre se tocam diferentes ritmos, temos que “dançar conforme a música”. Em Maria vemos um belo exemplo desta vivência: acompanhando sua história, narrada no Evangelho de Lucas, vemos sua trajetória do espanto da Anunciação, até a alegria jubilosa da Ressurreição, passando pela dor da Paixão. A sabedoria de viver está em assumir que haverá um tempo para tudo, momentos bons e ruins, e que não se pode ficar preso a nenhum deles… Quanto mais apego, mais sofrimento. Se Maria tivesse ficado para sempre ao pé da Cruz, a lamentar-se pela morte de Jesus, certamente não teria visto a bela manhã de Ressurreição… Há que se viver com intensidade cada momento, mas sabendo que tudo passa, alegria e sofrimento, e que isso nos torna mais fortes e sábios se soubermos fazer o esforço de ler nesses fatos a mão de Deus conduzindo nossa história.

Pra que apegar-se a velhas mágoas? A viver de glórias do passado?… Dizem que os antigos monges do deserto, ao encontrarem-se pelos caminhos, cumprimentavam-se dizendo “Memento mori” (“Lembre-se da morte”), ao que se lhe respondia “Carpe diem!” (“Aproveite o dia!”). A vida é muito curta para nos debruçarmos sobre nós mesmos em auto-piedade ou para ficarmos alimentando antigas angústias. Com Maria aprendemos a difícil arte do perdão. É preciso lançar-se ao aprendizado do perdão. Aprender a perdoar a vida, perdoar a si mesmo, perdoar o outro… O perdão é que nos abre os olhos para ver a vida como um todo, não como um momento: ele nos ensina a compreender que tudo passa e que se entregar sem lutar é um disparate.

É provável que você se lembre de antigas mágoas. Vamos ser sinceros: todos as temos! Seja pelas nossas condições na infância, mágoas contra alguém ou até mesmo contra nós mesmos. Mágoas, todos temos, mas é preciso redenção. Jesus, ao ser interrogado por Pedro a respeito de quantas vezes deveria perdoar, afirma que “setenta vezes sete” deveriam ser as ocasiões de perdão (Cf. Mt 18, 21-22). Setenta vezes sete… Mas não em sete segundos! É claro que perdoar exige um processo, um tempo. Uma ferida aberta não se cicatriza do dia para a noite, é preciso ser paciente, afinal, há um momento para tudo neste mundo…

O mais importante nesta escola de perdão, em que Maria nos ensina, é o desejo de perdoar. Mas se a dor for grande e a mágoa também, que tenhamos ao menos o desejo de desejar o perdão. Se não conseguimos perdoar na hora, que estejamos dispostos a fazer o processo, com ajuda de Deus, para podermos compreender a maravilha da vida que sempre traz um dia após o outro pra nos fazermos sempre novos. Dias bons e dias não tão bons surgirão nas nossas vidas, até o dia em que precisarmos deixar esta existência. Há tempo de nascer e tempo de morrer. Não pedimos o nascimento, nem sabemos quando partiremos, mas o que será do intervalo entre o nascer e morrer, aí depende muito de nós. Que Maria, companheira, mãe e mestra em nossa caminhada, nos ajude a ver, nos tropeços da vida, degraus para irmos sempre mais alto. Amém.

Fr. Fernando Clemente, MSC é seminarista religioso e cursa o 2º ano de teologia

COMER PÃES JUNTOS

INTRODUÇÃO

Somos missionários/as. Essa condição que nos foi dada no batismo, nos leva ao compromisso com o Reino de Deus. Por isso, aqui queremos recordar que, apesar da tentação de um estilo de vida cristã descomprometida dos nossos tempos, necessitamos voltar nossos olhos a Jesus e à Vontade do seu Pai. A Trindade tem presença na vida das comunidades com quem lutamos e partilhamos nossas esperanças e fracassos. É ali que encontramos a sua força para caminhar.

O NOVO QUE DESAFIA

A teologia cristã diz que, por nossa condição de batizados, todos/as somos missionários/as do Reino de Deus. Mas essa vida missionária não é fácil quando assumida desde a perspectiva do novo em situações onde imperam a desorganização social, a pobreza ou injustiça. No mundo de hoje, muitas vezes, nos encanta a novidade. Mas ela não convoca ao compromisso, é passageira. O novo, por outro lado, assusta e desafia. Enfrentar o novo é vivê-lo quase na intempérie. É o caminho da aventura, do arriscar-se na linha de fronteira onde não se vê o que está pela frente. Caminhar com o novo é entrar pela via do arriscado.

A missão também tem o caráter de novo na vida pessoal, onde o chamado de Deus toca as limitações da vida, como na vocação de Moisés, Elias, Jeremias. A missão passa pela experiência da entrega e da confiança. Na realidade, é Deus quem constrói a sua missão no mundo, passando pela vida dos discípulos/as. A missão de Deus acontece na vida da comunidade (dos discípulos/as) que realiza a vontade do “Pai”. Cada um faz o esforço pessoal na oração e na comunhão fraterna para viver este acontecimento.

A experiência missionária vai ensinando que é necessário entrar na lógica de Deus. Um caminho de atenção para saber qual é a sua vontade neste momento, e o que se espera da comunidade em concreto. Sempre vai ser uma tensão da comunidade de fé. Somos peregrinos que buscamos a Deus, passando por encontros e desencontros, onde, às vezes, somos fiéis e outras, infiéis.

OS CAMINHOS DA FÉ

Uma missão a gente nunca inicia e nunca termina. Nunca fomos os primeiros e nem seremos os últimos. Estamos de passagem. Ao chegar, sempre encontramos as primeiras trilhas estabelecidas por aqueles que já fizeram o seu caminho. Esses trabalhos nem sempre são visíveis porque os caminhos de fé nem sempre são edificações concretas. São organizações feitas e desfeitas no passado e que estão presentes na memória dos que viveram ou que escutaram essas historias vividas. Elas serão o alicerce para o caminho seguir adiante. A visibilidade somente acontece quando expressada, por isso é necessário que essas histórias sejam contadas e escutadas.

Assumir a responsabilidade com essas historias nem sempre traz segurança para o iniciante, que nem sempre acredita que houve alguma coisa antes dele. No entanto, é o caminho por onde Deus passa e deixa marca com e no meio do povo. Como missionários, somos buscadores destes caminhos. Deus constrói sua historia e se queremos segui-lo, necessitamos encontrar as sementes semeadas. Os pequenos brotos de plantas ficam no meio da comunidade quando esta ficou debilitada. Eles voltam a crescer ao ser retomados e reorganizados.

Como seres humanos, sonhamos com grandes projetos, como construir missão, formar comunidades para que as pessoas melhorem de vida, pensar na própria na vida, desenvolver as capacidades de percepção para ver melhor a realidade. No entanto, esses caminhos necessitam da sintonia de vários elementos ao mesmo tempo para que possam se desenvolver, e da vivência cotidiana com atenção: o ideal, o objetivo com que assumimos nossa tarefa, o amor primeiro, a realidade, cumprir a vontade de Deus e outros.

A opção que assumimos ou o amor primeiro é um elemento que deve estar presente nas decisões diárias porque a realidade sempre é muito complexa e as coisas podem fugir de nosso controle. As contínuas transformações podem nos desorientar e desviar-nos do caminho assumido. Muitas vezes, no deserto, as tentações aparecem como meios fáceis de encurtar caminhos e chegar depressa. É necessário permanecer em sintonia com a missão de Deus nessa jornada. A escuta permanente a Deus e à realidade se complementam nessa dinâmica de vida. A vida se faz oração.

Saber o que Deus quer. Fazer a vontade de Deus é realizar aqui o Reino de fraternidade. Jesus mostrou a seu povo como fazer vontade de Deus, falando em parábolas. Falou de sementes, de luzes, de fermentos, do filho pródigo, da semente de mostarda… Sempre falou de coisas pequenas e de atitudes significativas. Portanto, estar em missão é assumir uma posição de encontro, de escuta ao pé da porta onde Deus fala ao coração das pessoas; de caminho com quem já caminhou em comunidade, guardando historias na memória. As palavras já vividas, contadas, devem ser transformadas em historias comunitárias (eclesiais) pela ação dos discípulos/as. A memória empurra o presente para concretizar o novo, levando ao encontro de Deus vivo. O seguimento e a missão são o compromisso de recordar, fazer a vontade da Santíssima Trindade na vida fraterna com a qual nos comprometemos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma das características bíblicas que garantem a fidelidade é a garantia da memória. Não esquecer o caminho iniciado. O protagonismo, próprio da sociedade atual, leva qualquer pessoa, bem intencionado ou não, a perder o principio ou o objetivo da vida cristã. Assume-se o pragmatismo como natural; seguir em frente sem nenhuma avaliação critica do caminho feito.

A fidelidade exige olhares em varias direções: olhar sempre para trás, para rever a memória, a vida vivida; olhar para frente, para ter presente o objetivo do trabalho pastoral ou missionário; olhar para os lados, para levar em conta os que acompanham, os companheiros (os que comem o pão juntos); olhar para cima ou para o horizonte com a certeza de que somos mais que seres que se acabam nesta terra. A missão não significa somente uma coleção de palavras bem elaboradas, mas um projeto de vida. Ela é um caminho de comer pães juntos (companheiros/as).

Por isso, fazer a vontade de Deus é um caminho onde se vão tecendo muitos fios para se fazer o grande tecido, que é a missão, que deve confundir-se com a própria vida. Um desenrolar lento que no ritmo do caminhar, escutando as historias e buscando elementos que permitem construir a mesa fraterna, para comer pães juntos (companheiros). Avançamos e retrocedemos em busca do futuro insistentemente. A fé exige sempre estar olhando para frente com esperança, apesar da desesperança.

Pe. Antonio Carlos Meira, MSC é missionário no Equador.

Como o leigo pode ser sinal de Cristo na comunidade

O convite de Jesus feito aos seus discípulos continua o mesmo, “vem e segue-me”. Tão antigo e tão atual este convite tem a mesma intenção original de convocar novos operários à messe. Os desafios que encontramos nos nossos seminários e também nas diversas pastorais de nossas comunidades que sofrem com a falta de leigos que estejam dispostos a assumirem um compromisso maior com a Igreja não é uma questão de vocação. Vocação todos os batizados têm e o chamado é feito a todo instante pelo Senhor da messe através das necessidades que observamos nas nossas comunidades. Quem sabe o desafio vocacional nas nossas paróquias seja o de tirar as pessoas do seu comodismo apático e levá-las a encontrar o seu lugar de atuação pastoral dentro da Igreja.

Enquanto instituição religiosa e mãe dos fiéis, a Igreja tem um campo enorme de atuação pastoral e missionário. Foi-se o tempo em que o trabalho de evangelização ficava somente a cargo dos padres, religiosos e religiosas. É claro que estes têm um papel fundamental e próprio do tipo de vida a que foram chamados. Como sinais no mundo eles devem anunciar o Evangelho de Cristo por meio de uma doação total, mas só conseguirão ir mais além no exercício deste trabalho específico se puderem contar com o esforço de todo o povo de Deus enquanto co-responsáveis no processo de evangelização.

Criamos uma falsa ideia de que vocação é algo somente para padre e freira, isso dá a impressão de que todas as outras pessoas não são vocacionadas e estão isentas de um compromisso religioso. Se alguns foram chamados a uma vocação específica não quer dizer que as outras formas de serviço dentro da comunidade não sejam também uma vocação, na verdade Deus chama todos os cristãos a assumi-las e aguarda uma resposta concreta de cada um.

No Decreto sobre o apostolado dos leigos, a Igreja ensina que todos os homens são participantes da redenção salvadora e que por meio deles todo o mundo seja efetivamente ordenado para Cristo. O apostolado da Igreja é para todos os seus membros, a vocação cristã é também vocação ao apostolado e ninguém deve se comportar de maneira passiva, mas participar do seu crescimento (Cf. AA 1,2).

O vocacionado leigo pode chegar e atingir lugares onde dificilmente a Igreja conseguiria chegar senão por meio dele, como nas escolas, nos ambientes de trabalho, dentro de casa, no comércio, na política, nos movimentos sociais. E o testemunho evangélico pode ser o maior instrumento evangelizador expressando pelas atitudes os princípios cristãos.

O padre Júlio Chevalier, fundador dos Missionários do Sagrado Coração, disse certa vez: “precisa-se de homens cheios de espírito de oração e de zelo apostólico, que estejam sempre prontos a doarem tudo e a doarem a si mesmos aos irmãos. Sejamos todos tais homens, e então seremos verdadeiros apóstolos do Coração de Jesus”. Embora escrevesse para os seus filhos espirituais, esta frase do padre Júlio é válida para toda a Igreja que é missionária por excelência através de cada um de seus membros sem nenhuma exclusão. O compromisso da Igreja frente ao mundo é compromisso de todos nós que caminhamos com ela.

Fr. Girley de Oliveira Reis, mSC é seminarista religioso e cursa o 3º ano de teologia

 

Eucaristia: fazei isto em memória de mim

Tomai todos e comei: isto é o meu corpo, Que será entregue por vós.
Tomai todos e bebei: este é o cálice do meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança, que será derramado por todos para a remissão dos pecados. Fazei isto em memória de mim.

A celebração da Eucaristia é o momento cume e fonte da liturgia crista. É o ápice da iniciação crista. Por isso, é também o cume de todo o zelo na preparação do ambiente, da própria liturgia e das pessoas. A oração eucarística, por sua vez, é o cume da celebração eucarística. Ela reproduz o que aconteceu no Cenáculo, mas ilustra todo o ministério de Cristo. Ela é que a estrutura da própria Missa: Quando ia celebrar com seus discípulos a ceia pascal, onde instituiu o sacrifício do seu Corpo e Sangue, o Cristo Senhor mandou preparar urna sala ampla e mobiliada (Lc 22,12).

A Igreja sempre julgou dirigida a si esta ordem, estabelecendo como preparar as pessoas, os lugares, os ritos e os textos para celebrar a santíssima Eucaristia. A oração eucarística, como ápice é modelo e fonte de toda a celebração litúrgica, pois “todas a vezes que se celebra a memória deste sacrifício, renova-se a obra da nossa redenção”31. Inicia com o prefacio, que é um ato se louvor pela criação e pela redenção.

O prefacio termina com o canto do sanctus. Toda a oração eucarística é dirigida a Pai, por Cristo, no Espírito Santo, em tom de poesia e piedade.

Depois do Santo, vem a anamnese, que faz memória da santidade de Deus. O presidente, de braços abertos, lembra a santidade de Deus, como base do que ele vai pedir: a santificação das oferendas. Então, de mãos unidas e estendidas sobre as oferendas, pede que o mesmo Deus as santifique, derramando o Espírito Santo, para que se tornem o Corpo e o Sangue de Jesus. Neste momento, une as mãos e traga o sinal da cruz sobre o pão e o vinho, ao mesmo tempo, enquanto determina a finalidade: transformá-las na Eucaristia.

Novamente une as mãos e inicia a narração eucarística. O missal pede que as palavras da narração sejam ditas de modo claro e audível, como requer a sua natureza. Os gestos são serenos e leves. Nada deve ser afetado e desabrido, de tal forma que haja urna fluência que denote a profundidade da fé do presbítero e de toda a assembléia.

Antes de tomar o pão, as mãos do presbítero devem estar unidas em profundo sinal de adoração. Depois ele toma o pão, mantendo-o um pouco elevado sobre o altar, e lembra ao Pai de que, naquela noite santa e traiçoeira, noite e que o Amor foi esmagado, ele tomou o pão, deu graças, e o partiu e o deu aos seus discípulos.

Antes de lembrar as palavras foram ditas, o ministro inclina-se levemente. Depois mostra ao povo a hóstia consagrada, coloca-a na patena, fazendo a genuflexão para adorar a Cristo. O mesmo faz com o cálice. Depois da consagração vem a ofertório eucarístico do Corpo e do Sangue do Senhor, agradecendo a Deus por estarmos no Santo dos Santos e podermos oferecer o sacrifício pascal.

A seguir vem a epiclese sobre a assembleia, para que ela seja também um corpo eucarístico. Assim como os grãos de trigo e a uva esmagada formam o pão e o vinho, a assembleia se torna um pão coeso, associado ao vinho da alegria pascal. Depois se reza pela Igreja, pelos vivos e mortos e, por fim, se suplica que a misericórdia divina fala a todos participarem! da vida eterna, com a Virgem Maria, os Apóstolos e os santos.

Por fim, vem a grande doxologia: Por Cristo, com Cristo e em Cristo…

Fr. Michel dos Santos, MSC, é Seminarista Religioso e cursa o 4º ano de teologia.

Filhos adotivos

Seção: Pode perguntar

“Padre, por que a Igreja é contra os homossexuais e não aceita que eles adotem filhos? Desde que eles cuidem bem, qual é o problema?” Maria das Dores – por e-mail

Texto: Pe. Humberto Capobianco, mSC

Maria das Dores, pelo visto, você, além de ter opinião, parece acompanhar esse tema que está pululando na mídia. Dá até a impressão de que você leu também o documento sobre direitos humanos, publicado há pouco, pelos bispos do Brasil. Parabéns!

Primeiro, é preciso ficar bem claro que a Igreja não é contra os homossexuais. Seria uma contradição e uma incoerência por parte de uma instituição que procura pautar suas diretrizes pelo evangelho de Jesus. De fato, a Igreja já foi muito rígida em relação ao homossexualismo, entre outras coisas porque a moral cristã, tanto a católica como a protestante, sempre teve dificuldade em situar o lugar antropológico e ético do prazer sexual, considerado uma espécie de mal necessário. Aliás, valorizando exageradamente a finalidade procriativa da sexualidade, desprezavam-se outros critérios como, por exemplo, a “filia” e o “ágape” cristãos, magistralmente explicados por Bento XVI em sua primeira encíclica. Em outro pronunciamento, é ele mesmo, o rigoroso Ratzinger da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, quem diz: “ é de se deplorar que pessoas homossexuais tenham sido e sejam ainda hoje objeto de expressões malévolas e de ações violentas. Semelhantes comportamentos merecem a condenação dos pastores da Igreja, onde quer que aconteçam. Eles revelam uma falta de respeito que fere os princípios elementares sobre os quais se alicerça uma sadia convivência civil.”

Vai na mesma linha o Catecismo da Igreja, quando afirma que “a homossexualidade implica relações entre homens e mulheres que sentem atração sexual, exclusiva ou predominante, por pessoas do mesmo sexo. Esse fenômeno fundamente humano, tem uma origem psicológica ainda sem explicações satisfatórias. Além disso, revestiu-se das mais variadas formas ao longo dos séculos, de acordo com as distintas culturas. A cultura de hoje lhe conferiu algumas características próprias de nosso tempo”.

Maria das Dores, quanto á sua segunda pergunta, embora você encontre entre teólogos, posições as mais diversas, até mesmo opiniões divergentes, a posição oficial da Igreja está claramente exposta na Declaração da CNBB sobre o PNDH – 3, Programa de Direitos Humanos, emanado do governo federal. Na referida declaração, os bispos afirmam, entre outras coisas, que “a mesma veemência que se demonstra na defesa da vida em sua dimensão social, deve ser demonstrada na defesa da vida em sua dimensão pessoal, bem como na defesa de todos aqueles valores e realidades que dignificam o ser humano, como a família, a religião, a reta compreensão da sexualidade, entre outros”. “ . . .” Reafirmamos nossa posição, já muitas vezes manifestada, em defesa da vida e da família, da dignidade da mulher, do direito dos pais à educação de seus filhos, do respeito aos símbolos religiosos e contrária à prática e à descriminalização do aborto, ao ‘casamento’ entre pessoas do mesmo sexo, à adoção de crianças por casais homoafetivos e à profissionalização da prostituição”.

Em suma, embora a Igreja esteja aberta ao progresso das ciências e deixe brechas para a ação pastoral no que tange ao campo da homossexualidade, contudo não é nas ciências que ela vai buscar os critérios decisivos sobre ética sexual. Seus critérios e valores se radicam na fé, permanecendo fiel ao que julga ser a verdadeira tradição cristã, preservando a família e a educação da juventude, hoje ameaçadas por uma vasta onda de permissividade sexual.

Pe. Humberto Capobianco, mSC é Diretor do Colégio John Kennedy em Pirassununga, SP.

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