Revista de Nossa Senhora
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Não deixemos que nos roubem o Evangelho

interna1Todos nós temos acompanhado o belo desempenho do Papa Francisco ao longo destes dois anos à frente da Igreja de Cristo. Suas palavras e seus gestos chamam a atenção de todas as pessoas, até mesmo daquelas que não crêem ou não professam nenhuma fé. O fato é que o Papa não está inaugurando nenhuma novidade, mas busca com simplicidade colocar em prática a fé que ele professa. Seus gestos nos lembram o Evangelho encarnado e ganhando vida. Tais atitudes não deveriam nos comover já que vivemos num país de maioria cristã e a vivência do Evangelho deveria ser uma prática do nosso dia a dia e não extraordinária.

Francisco tem tratado dos mais diversos assuntos sem fugir de nenhum deles; tem abordado assuntos polêmicos e delicados dentro da Igreja e que precisam ser pensados e discutidos; tem insistido numa Igreja compassiva e misericordiosa, mãe que acolhe e ama os seus filhos indistintamente. Essa Igreja que não pode perder de vista a sua vocação: ser a imagem de Deus nesta terra.

Para isso, a Igreja precisa ser santificada e santificante. Numa via de mão dupla, nós a santificamos com um testemunho autêntico do Evangelho e ela nos santifica com os sacramentos, com a Tradição e com as mesas da Palavra e da Eucaristia. Quiçá um dia a prática cristã não seja mais uma novidade em nosso meio por fazer parte do nosso cotidiano, esse é o tão sonhado Reino de Deus.

O papa nos alerta, enquanto Igreja, para o perigo de cairmos num mundanismo espiritual (cf. EG, 93), que nada mais é do que buscar a glória humana e o bem-estar pessoal ao invés da glória de Deus. É este mundanismo que nos coloca, muitas vezes sem nos darmos conta, na contramão do Evangelho e dos ensinamentos eclesiásticos. Esse mundanismo contamina as nossas relações comunitárias e pastorais, confunde e perverte a nossa prática cristã, de maneira que encobrimos a verdadeira face da Igreja e a sua vocação no mundo.

O mal ronda aqueles que são do Senhor e busca contaminar aqueles que ouvem a sua Palavra. O papel do inimigo é justamente contaminar a mente e o coração dos crentes para que Deus não seja o centro das suas ações e realizações. Para isso, o Santo Padre nos alerta: “não deixemos que nos roubem o Evangelho”. Tudo aquilo que nos afasta do caminho proposto por Cristo, rouba-nos os frutos do Evangelho em nós e manipula as nossas ações. Não podemos permitir que nos seja tirada ou mesmo roubada a verdade que habita nas palavras do Cristo e que são sinais de vida plena e abundante em nós. Portanto, avante na nossa busca de santidade e não deixemos que nos roubem o Evangelho.

Diac. Girley de Oliveira Reis, MSC trabalha na Paróquia Dom Bosco em São Gabriel da Cachoeira, AM

Milhares de Porquês

interna3Acredito num aqui, nascido de um porquê, com ponto final, rodeado e cercado de milhares de porquês exclamativos interrogativos. Não consigo imaginar a vida sem esses porquês.

Considero a vida uma aventura funcional. Havia, houve, há e haverá um porquê para cada vida neste mundo, mas de todas as vidas, entendo que a humana é a mais funcional. Deveria ser!

Fui criado por alguma razão e por alguma razão nasci da família de onde vim nesse tempo, nessa era, nessa hora, por alguma razão vivi ate agora aos 70 anos e por alguma razão morrerei, não sei quando, acho que meu aqui e agora é funcional. Deus o criador em que eu acredito, queria de mim um resultado ao me por nesse planeta. Sei que não correspondi a todas as expectativas do meu Criador, mais fui, sou e serei feliz todas as vezes que eu conseguir ser funcional, isto é, quando a minha vida deu, dá e der certo em favor dos outros, disso tenho certeza, fui posto nesse mundo por causa dos outros, nasci de dois outros, cresci no meio de inúmeros outros, vivo no meio de milhões de outros, falo a milhões de outros, motivo milhões de outros e certamente, quando ficar enfermo, precisarei de alguns outros, e alguns outros me levarão ao túmulo quando morrer, disso eu não tenho dúvida, fui criado em função dos outros.

O mesmo acontece com todos os outros seres humanos que vieram a este mundo, por isso uma das coisas mais ridículas e sinal de loucura é alguém gastar milhões consigo mesmo. Erguer palácios para o próprio deleite, fazer Templos para o Senhor e casas mais ricas para si mesmo.

Uma forma de loucura é criar para si cem ou mil vezes mais conforto do que para aqueles que nos ajudam a nos manter vivos e ganhar a vida, é uma forma de loucura puxar para si fama, honra, glória, dinheiro é a disfuncionalidade levada aos dispersores. O ser humano funcional fica feliz com pouco, reparte do seu excesso e raramente tem excesso que vai repartindo, à maneira que recebe, descobriu o bastante e o suficiente e sente-se pleno apesar de todos os seus limites a partir do fato que de está ajudando outras vidas, árvores, que mesmo não dando tantos frutos como davam, continuam dando sombra, e a árvore, que mesmo estéril, não se sente inútil.

Comprei esses dias um relógio que parou de funcionar no terceiro dia, se é relógio e não cumpriu sua funcionalidade, não houve conexão com o mecanismo e a pilha, a energia não chegou a ele, mesmo com nova bateria ele não funcionou, alguma coisa emperrava o seu mecanismo, então eu disse a Deus, Senhor eu não quero ser como esse relógio, mecanismo eu já tenho concede-me sem cessar a sua graça e sua energia e então eu funcionarei a contento. Como acredito em Deus, acho que ele me ouviu.

Pe. Zezinho. SCJ, é músico e escritor. Tem aproximadamente 85 livros publicados e mais de 115 álbuns musicais. www.padrezezinhoscj.com

Tecnologia

Hand pressing modern laptop with mobile app icons and symbolsPodemos dizer que hoje em dia vivemos numa sociedade da tecnologia. O avanço tecnológico cria uma fascinante rede de comunicação aproximando povos e pessoas até mesmo dos lugares mais remotos. Todo mundo se rende ao fascínio das redes sociais que se aperfeiçoam cada dia mais. É contagiante! E esta tecnologia tão contagiante, celebrada por aproximar as pessoas, povos e culturas, usada a favor da vida, tem também um lado preocupante e, quando não, cruel. Ela pode ao mesmo tempo unir e excluir, facilitar a comunicação sem construir relacionamentos, aproximar pessoas, mas não construir laços. Facilmente podemos cair numa solidão virtual, mantendo inúmeros contatos, mas sozinho do outro lado.

A inteligência humana é dom de Deus. Em sua pedagogia, Deus dá ao homem meios para ele sobreviver, se desenvolver, criar e recriar. O homem torna-se partícipe do desenvolvimento deste mundo e o seu principal beneficiado, mas pode também, muito facilmente, se tornar escravo ou dependente das próprias invenções.

Voltando para as novas tecnologias, com seus avançados recursos e mecanismos, não podemos nos esquecer de princípios básicos e elementares que regem a vida do ser humano dentro de uma sociedade e que são essenciais para uma vida saudável de relacionamento com o outro.

O mandamento de amar o próximo como a si mesmo é um exemplo de que uma pessoa não pode viver longe da convivência com outras. Ela precisa constantemente estar com outros da sua espécie, amando e respeitando, sentindo o toque, o abraço, o olhar. Algumas coisas não podem ser substituídas nem mesmo pelos meios tecnológicos mais avançados.

A tecnologia é, sem dúvida, uma ferramenta extraordinária para a comunicação, para intensificar relações, de grande importância para a evangelização, mas pode ser excludente e pode nos fechar no nosso próprio eu, levando-nos a uma vida egoísta e solitária. Solitária é aquela pessoa que se perdeu dentro de si mesma. No labirinto do seu próprio ser.

Nós, cristãos, somos vocacionados a estar no mundo sem estar presos a ele. Usarmos das coisas tanto quanto elas nos são úteis sem, no entanto, ficarmos dependentes delas. Usarmos de todos os meios para anunciarmos Cristo ao mundo e a todas as pessoas sabendo, contudo, enxergá-lo no próximo mais próximo.

Afinal de contas, é Jesus Cristo o comunicador por excelência. Um homem que soube falar com uma multidão de cinco mil pessoas e, ao mesmo tempo, tocar os corações. Alguém que curava ao tocar e curava quando era tocado.

Uma vida virtual pode ser mais intensa se na vida real sabemos tocar as pessoas e nos deixar tocar por elas. Toda e qualquer relação só tem sentido se os corações se encontrarem, pois foi no Coração de Cristo que o Amor nos encontrou.

Diácono Girley Reis, MSC, trabalha na Diocese de São Gabriel da Cachoeira – AM.

A beleza salvará o mundo

interna1Deus é beleza, e nos atrai. É impossível separar a beleza do mistério. A experiência cristã da beleza é sempre uma experiência de fé. Ao abordarmos a arte sacra e sua função pastoral, estamos falando de uma arte que deve ser comunicativa, que facilita a experiência do Sagrado.

Sendo assim, o homem pode se servir da arte sacra para educar sua sensibilidade, estando cada vez mais aberto, para acolher o Mistério e torná-lo presente e atuante em sua própria vida.

Toda arte é fruto de uma época e colabora para criar o espírito desta época. A utopia de uma modernidade totalmente iluminada pela razão, técnica e eficiência, deixou profundas lacunas na dimensão afetiva, simbólica, mística, transcendental da humanidade. Os sinais aparecem numa sede do sagrado, na revalorização de símbolos e experiências místicas, às vezes, sem muito critério e discernimento. A arte como mediação pastoral, como expressão do religioso, do místico está aí, presente, nas diferentes manifestações.

Nos últimos anos, principalmente a partir do Concílio Vaticano II, percebemos uma força na vida pastoral da Igreja, seja nos movimentos de participação do povo, tanto nas decisões da Igreja (maior comunhão e participação), como na valorização do fiel leigo na sua missão evangelizadora, como ponte entre os valores cristãos e os vários setores da sociedade.

Ao mesmo tempo, o processo de participação gera uma “reapropriação do sagrado” por parte do fiel, bastante visível na maior intimidade com a Palavra de Deus, no interesse pela história da Igreja, no cuidado com o lugar da celebração, a “casa da beleza”, e na busca de novas formas de celebrações ou mesmo na sua maior consciência sobre os fundamentos da liturgia cristã. Conhecer as raízes da fé na relação entre a Palavra e a vida tornou-se elemento fundamental na caminhada para a formação pastoral desse novo sujeito: o povo em processo de consciência da sua fé e do seu valor e consequente compromisso na história.

Desde os primórdios, percebemos o cristianismo como uma religião profundamente marcada pela comunicação. Dadas suas raízes judaicas, tão afirmadas na palavra, o cristianismo continua sendo uma religião marcada pelo diálogo entre Deus e seu povo e entre a própria comunidade cristã, na sua dimensão missionária, evangelizadora. Aí nos deparamos com algo fundamental: toda comunicação exige uma materialização do conteúdo. Neste caso, a arte tem sido ao longo dos anos, não só para o cristianismo, um elemento significativo, nas suas diferentes formas de expressão.

A partir da realidade dos pobres da América Latina, de suas lutas e ações pastorais, surge a Teologia da Libertação com um novo modo de fazer teologia, a partir do rosto de Deus presente nas várias faces dos pobres. Nas comunidades, nos encontros de formação, na liturgia e na vida pastoral começa a surgir um novo rosto eclesial. O canto, a pintura, a dança, o teatro, vão construindo uma expressão de fé cheia de alegria e beleza, enfim, de uma arte brotada da paixão pelo Reino de Jesus, na utopia de uma humanidade e mundo libertos.

Pe. Michel dos Santos, MSC É vigário do Santuário das Almas em São Paulo/SP

A Festa da Páscoa

interna3A solene celebração da Ressurreição do Senhor Jesus Cristo – Páscoa – está para o ano litúrgico da mesma forma que o domingo para a semana. É a festa mais importante da Liturgia Católica. Por isso também se diz que cada domingo é uma celebração pascal.

O Missal Romano nos educa perfeitamente na celebração do mistério pascal em suas normas universais sobre o ano litúrgico: “O Tríduo Pascal da Paixão e Ressurreição do Senhor começa com a missa vespertina na Ceia do Senhor, tem seu centro na Vigília Pascal e encerra-se com as Vésperas do domingo da Ressurreição”.

Voltemos um pouco ao passado para compreender a Liturgia Pascal. A Ásia Menor celebrava a Páscoa no dia 14 de Nisan, já as Igrejas que seguiam a tradição romana celebravam a Páscoa no domingo seguinte a esta data. As duas primeiras homilias da Páscoa remontam ao século II. A primeira é de Melitão de Sardes (entre os anos de 165 e 185), porém não se tem a autoria da segunda. Na homilia de Melitão, dividida em três partes, há no centro a reflexão de que a Páscoa judaica já não é fato, pois a verdadeira Páscoa é apresentada na vitória de Jesus sobre o pecado e a morte. Ali se dá a síntese da história da salvação de toda humanidade, desde a criação até a parusia.

Buscando compreender o termo Páscoa, lancemos um olhar atento à herança da cultura da época. A palavra Pascoa é uma transliteração do aramaico “paschá”, no hebraico “pesah”, e do grego “pasjein”. O Antigo Testamento apresenta o termo 49 vezes, indicando o rito da lua cheia da primavera 34 vezes, e 15 vezes cita o “cordeiro imolado”.

O termo Páscoa lembra a passagem dos judeus pelo Mar Vermelho e o deserto até a entrada na terra prometida. Para os cristãos, esta “passagem” testemunha o movimento da humanidade que migra do pecado à graça da salvação que se dá pela paixão, morte e ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo.

A Liturgia Católica apresenta uma riqueza de ritos, neste período, em preparação à Páscoa. Desde a Quaresma, Domingo de Ramos até culminar na celebração da Vigília Pascal, que apresenta quatro momentos importantes: celebração da luz, liturgia da palavra, celebração batismal ou renovação das promessas batismais e a celebração eucarística.

Porém, a Páscoa é prorrogada durante a oitava e continua sendo festejada por um período litúrgico chamado Tempo Pascal, que vai até o Domingo da Ascensão e culmina com a solenidade do dia de Pentecostes, a descida do Espírito Santo sobre a comunidade dos Apóstolos, e hoje estendida a todos nós. Assim, pelo batismo somos os continuadores da presença do Cristo ressuscitado. Depois, a Páscoa é sempre recordada em cada domingo do calendário litúrgico.

A Literatura Católica é muito rica e vasta, com conteúdos que ajudam os fiéis a compreender essa solenidade, como por exemplo, alguns itens apresentados no Catecismo da Igreja Católica: “O mistério Pascal no tempo da Igreja, O mistério Pascal nos Sacramentos da Igreja, A celebração sacramental do Mistério Pascal”. Além disso, outros documentos do magistério da Igreja intensificam a reflexão do mistério pascal.

O mistério pascal, conforme o Novo Testamento, mostra o Reino de Deus oculto às massas, mas revelado aos eleitos. Nos escritos de São Paulo Apóstolo, meditamos na salvação que Deus oferece à humanidade de todos os tempos, realizada em Cristo e confiada seguidamente aos apóstolos e a toda Igreja para que se tornem discípulos missionários no anúncio desta realidade salvífica a todos os fiéis.

Acontece uma dinamicidade entre três elementos muito importantes no Mistério Pascal: a) situação de morte, b) a vida que brota da morte, c) a intervenção especial de Deus. Assim, a vida que brota da morte cria a consciência de uma nova criação. Do mesmo modo como fomos criados, fomos redimidos, portanto, “recriados”, saindo dos pecados provocados pelos apetites desenfreados.

Devemos, porém, nos voltar para o mistério salvífico entre Deus e a humanidade, que se dá na doação da vida de Jesus pela humanidade. A primeira aliança foi a libertação do povo israelita da opressão do Egito. A nova e eterna aliança é tirar a humanidade do peso do pecado, libertando-a definitivamente do mal.

Depois de dois milênios, continuamos todos inseridos no mistério da Páscoa – a ressurreição – que já nos é presenteada pelo nosso Batismo e vivência fiel aos sacramentos. Nestes dias, vimos pelos meios de comunicação as diferentes manifestações da Paixão por todo o Brasil.

Tivemos celebrações litúrgicas, momentos devocionais populares e manifestações culturais. A época é tão importante que todos manifestam, a seu modo, um pouco de sua realidade e esperança. Cada lugar fez de acordo com sua tradição e costume.

Somos chamados a viver a Páscoa e viver como discípulos missionários de Cristo, hoje testemunhando sua Ressurreição! Que esta Páscoa nos renove na caminhada por um mundo de paz e fraternidade, preparando-nos para sermos uma Igreja viva e ressuscitada.

A Páscoa continua sendo celebrada durante a oitava, como também no tempo pascal e em toda a liturgia da Igreja.

Dom Orani João Tempesta, O.Cist. é Arcebispo metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro – RJ

A Oração

interna2Nem sempre temos vontade de rezar, esse é um sentimento que em algum momento já sentimos pessoalmente, mas isso não quer dizer que a oração não seja uma necessidade intrínseca ao ser humano. Muito mais que importante, ela é uma necessidade salutar, vital.

Lembro-me bem que, quando era criança, se eu rejeitasse alguma comida, minha mãe me dizia que a gente não come somente daquilo que gosta. Hoje entendo que ela queria me dizer, ou ensinar, que mesmo não gostando de determinado alimento, ele era, mesmo assim, necessário para a minha saúde e para o meu bom desenvolvimento. Igualmente para o cristão, isso não é diferente no que concerne à prática da oração. Mesmo que estejamos desanimados, preguiçosos ou que a oração nos pareça sem sabor ou difícil, não podemos nos esquecer de que é ela que nos coloca na íntima união com Deus.

A verdade é que “a oração é uma embaixada de Deus”, ou seja, ela abre um espaço, um território dentro do coração humano onde Deus, e somente Ele, pode agir livremente e sem ser invasor. A nossa oração, por mais simples ou por mais difícil que seja, coloca-nos na intimidade de Deus, faz nosso do coração solo sagrado.

Quando o nosso espírito se curva em oração, o nosso ser se revela a Deus e conseqüentemente Deus se revela a nós tal como Ele é: graça, consolo, alegria, conforto, esperança, cura… Ele incute em nós o seu verdadeiro valor, a sua essência vital e, por esta expressão íntima, nos assemelhamos a Ele.

São muitas as formas de rezar, mas às vezes nenhuma das técnicas que estamos acostumados a usar permite que façamos uma profunda experiência com Deus, ou pelo menos, como gostaríamos. Em alguns momentos o vazio interior é maior, sentimos uma espécie de secura ou aridez espiritual e o que nos resta é apenas o silêncio. Pode ser esta, portanto, a nossa oração mais profunda e mais fecunda, um abandonar-se em Deus. Quando acaba a nossa eloquência, sobra-nos o abandono e então surge o espaço onde Deus nos encontra desarmados de nossas palavras e pode assim falar e se revelar a nós.

A oração é uma postura de vida e uma resposta às nossas inquietações. É a expressão do nosso amor a Deus e de Deus que nos ama. A oração verdadeira é o encontro da nossa intimidade com a intimidade de Deus, é o que nos mantém em discernimento diante deste mundo tão intenso e cheio de exigências. Ela é o que dá coerência à vida do cristão e o anima na sua vocação.

Diác. Girley Reis, MSC, trabalha na diocese de São Gabriel da Cachoeira- AM

Arte, Símbolo e Sacramento

interna1Vivenciar a arte é entrar no mundo de símbolos, do mito, do transcendente, tão próprios da religião, tão presentes na história do cristianismo e nas origens da religião judaica.

Por isso, os sacramentos, sinais da presença viva de Deus, precisam de uma linguagem comunicativa, uma forma adequada que nos evoque e invoque a presença do Mistério Santo. A água, o óleo, o fogo, o pão e vinho, a imposição das mãos, o amor entre o casal, deixam de comunicar a si próprios para possibilitar a relação dialógica entre Deus e a humanidade. A força litúrgica e sacramental depende da verdade e da vida presentes e expressas nos sinais e gestos. A poesia, a música, o teatro, a pintura associados à liturgia e como parte integrante dela, conferem à liturgia seu verdadeiro caráter dinâmico e vivo, autêntica ação do povo de Deus. A desinformação, a falta de preparo, de adaptação e consequentemente a desvalorização do ato litúrgico, torna a celebração fria e vazia, não revelando a força sacramental, comunicadora da Graça, ou comunica uma imagem deformada de Deus:

O símbolo é um fenômeno originário do ser humano que corresponde a sua estrutura corpóreo-espiritual e social fundamental. O perceptível pelos sentidos é capaz de expressar algo para além do sensível.

A revalorização dos gestos, figuras e símbolos é um despertar para um olhar sacramental; numa cultura em que se cultivam a atenção, a integração dos seres, tudo começa a falar por si, tudo passa a ser percebido na sua força e dinamismo. É a busca de uma pastoral que na liturgia seja expressão do humano na sua totalidade. Dessa forma, o sacramento será comunicação viva, evocação e presença do Deus Mistério Revelado. Ao passar da fase de compreensão do gesto, do símbolo, do sacramento, entraremos, então, na sua intimidade e passaremos a vivenciá-lo. No caso do sacramento, entramos em comunicação com o transcendente que se faz imanente através do cotidiano da vida, do pão, da água, do fogo, da terra, do ar, da natureza, das criaturas:

O símbolo pertence à categoria dos signos ou sinais. Quando tais sinais constituem unidade com o que significam, são chamados símbolos. Neste sentido, podemos afirmar que a relação da humanidade com Deus necessita de símbolos. Toda a criação apresenta-se à pessoa de fé como vestígio de Deus, é a primeira revelação da Palavra. Através da beleza da criação entramos em contato com o criador e entendemos nossa pequenez e simultaneamente a nossa grandeza. Ao contemplarmos os seres criados, um se destaca como imagem viva do Criador: a pessoa. No mistério humano, descobrimos o mistério divino. A fé cristã tem um símbolo decisivo para compreender o sentido da história:

Jesus Cristo. Ele é a imagem plena do Pai.

Pe. Michel dos Santos, MSC É vigário do Santuário das Almas em São Paulo / SP

Uma Igreja maternal

SONY DSCTenho muitos amigos que pertencem a outras Igrejas cristãs. Não me lembro de nenhuma briga por causa de nossas diferenças. O respeito mútuo é a garantia da paz.

Em mais de 30 anos de serviço de aconselhamento, tive a ocasião de atender a muitos protestantes, evangélicos e pentecostais, inclusive alguns pastores e esposas de pastores. E sempre foram acolhidos como irmãos.

Sim, aprendi muita coisa boa no convívio com eles, em especial o valor que dão à Palavra de Deus e ao anúncio do Evangelho, em contraste com a atitude “descansada”, às vezes omissa, do católico tradicional.

Existe, porém, um ponto em que sou muito grato a Deus por ser católico. Trata-se da presença feminina e maternal da Virgem Maria, Mãe de Deus. Esta presença é garantia de um clima afetuoso que ainda não pude perceber em nenhuma das outras denominações cristãs.
Lembro-me dos anos de colégio interno, longe da família natural, de onde a vida me arrancara aos dez anos e meio de idade. Por volta do 3º ano ginasial (aos 13 anos de idade), a solidão rondava meu coração. Havia muitos pais, pois os padres-mestres assumiam esta figura. Mas só existia uma única Mãe…

Eu a encontrava na capela. Ao pôr do sol, já na penumbra, eu me ajoelhava diante de Nossa Senhora do Belo Ramo. Toda branca, com seu porte de matrona romana, ela trazia no colo o Menino que estende o ramo salvador. E se havia, no seu colo, um espaço para o Menino, por que não haveria espaço para mim?

Era assim que a paz voltava ao meu coração e o sentimento de solidão ia-se esvaindo docemente enquanto a noite chegava. Eu não estava sozinho. A Mãe estava presente…

Em geral, meus irmãos católicos, acostumados desde a infância com a figura materna de Maria, nem imaginam a diferença que isso faz: uma religião com amplos espaços para os sentimentos e as emoções, o carinho e a ternura. Uma religião que não se esgota no abstrato, no intelectual, no espiritual…

Falar de Maria é falar da Encarnação do Verbo que decidiu entrar em nossa carne e, por isso mesmo, quis precisar de mãe humana. Assim, em comparação com as demais famílias cristãs, é sem dúvida a católica aquela que mais acentua o mistério da Encarnação.
E na carne dos homens e mulheres pulsam bem fundo os sentimentos e as ternuras de todos os filhos.

Eu inclusive…

Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

Vencer o mal pelo Bem

destaque2O crescente processo de desumanização que atinge a sociedade contemporânea é assustador. Tem origem diversa – da violência à indiferença, da corrupção ao conformismo com situações aviltantes da dignidade humana. Debelar o avanço desta desumanização deve ser preocupação cidadã. O Papa Francisco, na Exortação Apostólica Alegria do Evangelho, adverte sobre o risco de atingirmos níveis irreversíveis deste processo. Por isso mesmo, não se pode simplesmente constatar, lamentar ou defender-se de maneira egoísta e mesquinha de suas consequências. Ora, se o medo e o desespero tomam conta do coração das pessoas, compromete-se, gravemente, a vivência da fraternidade.

Com isso, a humanidade se distancia do compromisso com a solidariedade, eficaz remédio para redesenhar os cenários de injustiça que escravizam tantas pessoas.

Para mudar essa realidade, são importantes as complexas estratégias no âmbito da segurança pública, dos reajustes de funcionamentos e em outros tipos variados de dinâmicas, pois o descontrole, gradativamente, toma conta de tudo. No entanto, embora fundamentais, essas estratégias não são suficientes. Estatísticas diversas comprovam que a sociedade convive com um excesso de incivilidades, consequência do processo de desumanização. Processo alimentado pelo desejo sem limites de apossar-se das coisas e pela busca irracional do prazer. São impulsos que viciam e impedem as grandes conquistas. As maiores vitórias, para serem alcançadas, requerem sacrifício ou esforço maior.

Muitas vezes, exigem que se reparta e se ofereça o tempo e as próprias posses para quem não os têm.

As instituições religiosas, educacionais, particularmente a família, os ambientes variados de trabalho, também os de entretenimento e lazer, precisam readotar princípios simples, com força educativa e incidente na vida de cada pessoa. Somente assim é possível estabelecer um contraponto à desumanização que faz multiplicar a violência. Entre esses princípios está um de grande alcance e significativa força educativa:

“Não te deixes vencer pelo mal, vence antes o mal com o bem”, exortação de São Paulo na Carta aos Romanos. A adoção séria deste princípio, incidindo nos contextos comuns da vida, poderá transformar as relações entre as pessoas. Só o bem derrota o mal, em uma longa batalha que inclui o apreço pela fraternidade, em lugar das guerras; adoção de atitudes simples e generosas, em vez de mesquinharias e fofocas.

O bem como princípio é vetor determinante na promoção da paz. Nesse horizonte, é necessário redobrar a atenção e analisar as tragédias provocadas pelo mal, que se alastra com muita facilidade. Suas raízes precisam ser conhecidas e extirpadas. Nesta tarefa, fundamental é refletir sobre a liberdade humana, que é um bem, mas, não raramente, torna-se porta de entrada para o mal que dizima vidas, destrói projetos e prejudica as relações. A experiência maravilhosa da liberdade não pode ser pautada apenas pelos critérios e interesses políticos ou sociais. É preciso incluir aportes de caráter espiritual para não assorear a fonte indispensável da ética, que inspira condutas orientadas pelo bem.

Há uma gramática da lei moral que encanta o coração para viver de modo amoroso e, consequentemente, convencer-se de que é necessário vencer o mal pelo bem. Essa gramática da lei moral é o amor único, capaz de iluminar para além da inteligência, de encontrar motivos maiores que os oferecidos pela razão e de conseguir ver além dos limites e estreitezas do humano. Capacita todos para enxergar a dignidade fascinante de cada pessoa, merecedora de todo respeito, deferência e cuidado.

Investir mais na aprendizagem da gramática da lei moral é urgente. Trata-se de experimentar o amor fraterno e solidário, edificando em cada pessoa uma interioridade que a torne sensível aos mais pobres, comprometida com o bem dos sofredores e a promoção da justiça. Não basta, pois, a sofisticação de aparatos externos que, por si só, são insuficientes para mudar quadros trágicos mundo afora, incluindo aqueles nos quais estamos inseridos. Os cenários que afligem serão redesenhados com a gramática da lei moral, com a força do amor, na medida em que for aprendido e vivenciado o princípio de que se deve sempre vencer o mal pelo bem.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo. Arcebispo de Belo Horizonte (MG)

Amar é diferente

Trauerkarte oder Beileidskarte mit Kreuz und Herz aus HolzCom sua exposição de corpos, de nudez frontal, de sexo explícito e de solicitações ousadas e atrevidas de sexo em novelas, em programas de televisão e no cinema, em provocações visuais a cada esquina, o mundo atual jogou sobre as cabeças de homens e mulheres e adolescentes uma noção de corpo e de sexo que não envolve alteridade nem diálogo. E sexo deveria ser diálogo.

Nada disso é novo. Está descrito no livro do na descrição das lascívias de Sodoma e Gomorra. (Gn 18,20 – 26; Dt 29,23) Entre os gregos já se agia desta forma. Só não havia os recursos midiáticos de agora. Para muitos, é coisa da hora, daquela noite, daquela semana, daqueles momentos. São atos que não se tornam relações. Ele quer prazer e por enquanto serve o corpo dela; ela quer prazer ou dinheiro e por enquanto serve o corpo dele, ou de mais pessoas. Da mesma forma que na Grécia e em Roma 400 a 300 a.C., em muitos ambientes de agora, sexo não vincula. São encontros sem diálogo afetivo e relações sem vínculo.

Para muitos jovens e adultos uma coisa é o envolvimento físico, outra o amor. Transa ainda não é diálogo, relação sexual ou relações sexuais ainda não são relações estáveis nem relações de matrimônio. Não há entrega. O que há são prestações. Leva-se o produto antecipadamente, mas sem garantia de ficar com ele. Experimenta-se sem garantia de pagar. É o mundo da emoção, do prazer, da sensação e, também, o da satisfação momentânea; beija-se, abraça-se como se come um chocolate. Havendo coisa melhor, comerão aquela nova coisa…

O amor é bem outra coisa. Quem ama mira acima e para além da genitália. No amor o sexo não ocupa o centro da relação. O verbo do amor é cuidar e assumir. No amor, transar fica para depois. Aquele que ama não se fixa apenas no prazer, nem somente na aparência, nem se fixa no momento. Contempla um possível depois, porque amor é sentimento que leva ao outro e que o eleva. É ternura que invade e pervade os dois de tal maneira que ela, a mulher, se torna um pouco ele e ele, o homem, se torna um pouco ela. Nenhum se imagina sem o outro e nenhum se vê dando-se dessa forma a outra pessoa.

Por isso e muito mais é que o sexo é repetitivo e o amor é criativo. Há muito mais criatividade num “eu te amo” do que naquelas revistas de banca de esquina. Mas quem vai ensinar isso a quem nunca parou para pensar nos valores que tem para dar aos outros? Será ouvido? Um dos maiores dramas de nosso tempo é o que atingiu Sodoma e Gomorra. Sexo sem alteridade! Ligue sua televisão e conclua!

Pe. Zezinho. SCJ, é músico e escritor. Tem aproximadamente 85 livros publicados e mais de 115 álbuns musicais.
www.padrezezinhoscj.com

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